Capítulo 3 – A Biblioteca e o Silêncio

A mansão era grande demais para uma pessoa só. O som dos meus passos ecoava pelos corredores como se eu estivesse invadindo um templo esquecido. As janelas eram altas, mas deixavam passar pouca luz. A sombra parecia preferida ali. Dorian sumira desde o café da manhã. Não que eu estivesse esperando sua companhia — mas a ausência dele era tão pesada quanto sua presença.

Resolvi explorar por conta própria. Abrir portas. Testar fechaduras. Entender por que aquela casa me parecia mais prisão do que lar.

Encontrei a biblioteca no fim do corredor leste. Era o único cômodo que parecia realmente vivo. O cheiro de couro e papel velho tomava o ar, e as estantes pareciam querer tocar o teto. Havia uma escada rolante antiga, pendurada por trilhos, e uma poltrona perto da lareira — apagada, claro. Era o tipo de lugar em que eu poderia me esconder do mundo por dias.

Passei os dedos pelas lombadas dos livros. Clássicos, muitos deles em latim ou francês. Havia títulos que eu mal conseguia pronunciar. Entre dois volumes sobre direito antigo, um caderno chamuscado se destacava. Sujo, com as bordas roídas pelo tempo, parecia deslocado ali.

Era um diário.

As páginas estavam amareladas, rabiscadas às pressas com uma caligrafia nervosa.

> “Ela apareceu novamente. No espelho. Sempre no espelho.”

Franzi a testa. Aquilo parecia mais loucura do que literatura. Mas continuei lendo, virando cada folha com cuidado, sentindo o peso daquelas palavras. Um arrepio percorreu minha espinha.

> “Desta vez, ela sussurrou algo. Não consegui entender... Mas sei que me viu.”

— Não deveria mexer nisso. — disse uma voz baixa.

Virei rapidamente. Dorian. Como sempre, surgindo do nada. Os braços cruzados, o rosto inexpressivo. Ele parecia fazer parte das sombras da casa, como se fosse feito do mesmo material das paredes e dos sussurros.

— Não sabia que a biblioteca era proibida. — respondi, fechando o diário com calma.

— Não é a biblioteca. É o que está dentro dela.

Ele se aproximou, tirando o diário das minhas mãos com delicadeza, mas firmeza. Como se não confiasse em mim — ou no que eu poderia descobrir.

— Isso pertence a alguém da família? — perguntei, mantendo o tom neutro.

— Pertence ao passado. E o passado nem sempre gosta de ser revirado.

— Você repete isso com frequência. O que exatamente aconteceu aqui?

Ele me encarou por um longo tempo. Um olhar direto, mas sem calor. Como se estivesse decidindo se eu merecia saber — ou se me manter na ignorância era mais seguro.

— A mansão tem memórias. Algumas ruins. Algumas... perigosas. — disse ele por fim.

— E você? Faz parte delas?

A pergunta escapou antes que eu pudesse conter. Mas não me arrependi.

Dorian não respondeu. Apenas colocou o diário de volta na estante.

— Sou apenas alguém que ficou. — disse por fim, e se virou para sair.

Antes de cruzar a porta, olhou por cima do ombro.

— Se quiser saber algo, pergunte. Mas nem todas as respostas vão te agradar.

E então ele sumiu entre as sombras. E, estranhamente, o espelho ao fundo da sala pareceu piscar para mim.

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Comments

Odette/Odile

Odette/Odile

Sua escrita é tão envolvente, me sinto parte da história!

2025-04-26

3

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