C.03

Febre e Cicatrizes

A madrugada caiu silenciosa sobre a pequena cidade. Leonor dormia encolhida na cama, o corpo exausto de mais um dia cuidando de tudo sozinha. Mas o silêncio não duraria.

Um choro. Fraco no começo. Depois, mais intenso.

Ela abriu os olhos num susto, sentando-se na cama de imediato.

— Matteo? — sua voz saiu ofegante.

Correu até o berço e o encontrou agitado, com o rostinho vermelho e o corpinho quente demais ao toque.

— Meu Deus… você está queimando! — Leonor sussurrou em pânico, pegando o bebê nos braços.

O termômetro confirmava: 38,9°C.

Seu coração disparou.

Estava em uma cidade nova, Não tinha carro, nem planos de saúde, nem alguém por perto. Por um segundo, tudo pareceu desmoronar.

Vestiu Matteo às pressas, colocou um casaquinho nela mesma, enfiou a carteira e a chave na bolsa, e saiu correndo para o pronto-socorro mais próximo.

As luzes brancas do hospital a deixaram mais nervosa. Sentada com Matteo no colo, ela tentava manter a calma enquanto sentia as lembranças a invadirem.

E se ele estivesse doente? E se algo acontecesse com o único pedaço de amor puro que ela tinha?

As horas passaram como dias.

— É só uma virose, — disse a médica, finalmente — nada grave. Mas ele precisa de cuidados, repouso e bastante hidratação. Se a febre não ceder em 48h, volte.

Leonor agradeceu com um sorriso forçado, os olhos ainda marejados.

Ao chegar em casa, deitou Matteo no berço e desabou no sofá. Chorou silenciosamente por longos minutos. Não era só a febre. Era o medo de estar sozinha. De não ser suficiente. De estar escondida do mundo.

Seu celular antigo — um modelo simples que comprou sem cadastro — vibrou. Uma mensagem da amiga Martina.

"Como vocês estão? Senti que algo não está bem. Quer que eu vá aí?"

Leonor respondeu com uma foto de Matteo dormindo, bochechinhas rosadas, olhos fechados. Depois, mandou:

"Hoje eu achei que ia desmoronar. Mas ele é mais forte do que parece. E eu também."

---

Na mansão de Adam, a tempestade interna continuava.

— Nenhuma pista ainda? — sua voz saiu fria, sem emoção, encarando seu segurança particular.

— Nenhuma, senhor. Mas conseguimos algo novo: há boatos de que Leonor teria sido vista em um aeroporto do interior semanas atrás. Não temos imagens, mas vale investigar.

Adam apertou os punhos. Uma fagulha de esperança reacendia. Ele olhou para a foto antiga no porta-retrato da sala. Leonor sorria ao seu lado, despreocupada, linda.

— Eu vou encontrá-la. Nem que isso custe tudo que tenho. Mas eu preciso olhar nos olhos dela e dizer que… me arrependo. Que eu faria tudo diferente.

---

Leonor, do outro lado do mundo, velava o sono de Matteo.

Ela ainda não sabia, mas o destino já estava traçando caminhos para aproximá-los de novo.

E a verdade… sempre encontra uma forma de emergir.

---

O som de passos apressados ecoava pelo corredor de mármore da mansão de Adam. Ele estava em pé diante de um mapa preso à parede, repleto de marcações, fotos, pontos vermelhos. A obsessão pela busca de Leonor já não era segredo nem para os funcionários.

— Qual é a novidade? — ele perguntou ao segurança que entrava na sala.

— Uma pista no sul do país. Uma mulher com as mesmas características foi vista em uma pequena clínica particular.

Adam engoliu em seco.

— Continue. Vá até o fim. Eu não vou parar. — sua voz era baixa, mas firme. O olhar frio, distante. — Achem minha Leonor…

---

Enquanto isso, a luz da manhã invadia a pequena casa alugada por Leonor. Ela ajeitava os paninhos de Matteo, que agora estava mais corado e cheio de energia. Um som conhecido a tirou dos pensamentos: batidas na porta.

— Quem será a essa hora? — sussurrou, indo até a entrada.

Quando abriu, viu a figura irreverente e animada de sempre: Martina.

— Surpresa! — ela disse, já entrando com uma mala pequena e um sorriso largo.

— Martina? Meu Deus! — Leonor a abraçou forte, sentindo os olhos marejarem.

— Eu não ia aguentar mais ficar longe de vocês. Queria ver com meus próprios olhos esse pacotinho que você tá escondendo do mundo. — Ela se abaixou diante de Matteo e fez caretas, arrancando risadinhas do bebê. — Que perfeição, Leonor... Ele tem o olhar do pai, não tem?

Leonor suspirou, desviando os olhos.

Depois de se instalarem e tomarem café, as duas se sentaram na varanda. Matteo dormia tranquilo no carrinho, embalado pela brisa suave.

— Você ainda ama ele, né? — Martina perguntou sem rodeios.

Leonor demorou, mas assentiu, a voz embargada.

— Eu amei Adam como nunca imaginei amar alguém. Mas eu fugi com medo, Martina. Quando vi quem ele realmente era... aquela sala secreta, o sangue, as armas... — Ela passou as mãos pelo rosto. — Eu não sabia mais em quem estava dormindo ao lado.

— Eu entendo. Juro que entendo. Mas amor como o de vocês não morre assim, amiga. Vocês precisam conhecer a verdade um do outro. Ele precisa saber do Matteo. Você precisa ouvir dele, cara a cara, o porquê de tudo isso.

Leonor balançou a cabeça negativamente.

— Não posso voltar. Não posso correr o risco de colocar meu filho perto de alguém que vive num mundo perigoso. Eu fugi pra proteger ele... e a mim.

Martina ficou em silêncio por um instante. Então, disse com pesar:

— Você sabia que o Adam não é mais o mesmo? Ele virou um homem ainda mais fechado, distante. Anda pelos corredores da própria empresa como um fantasma. Dizem que quase não dorme. Que parou de sorrir. Que não liga mais para o dinheiro. A única coisa que ele quer… é você.

Leonor ficou em silêncio, o coração apertado.

— Eu conheço aquele olhar, Leo. Ele está sofrendo. E você também.

— Talvez isso seja o destino. Um amor impossível.

— Ou talvez, — Martina disse com firmeza, — seja um amor que precisa de coragem para recomeçar. Vocês não precisam voltar ao passado. Mas podem escrever uma nova história… se quiserem.

Leonor olhou para Matteo, que dormia tranquilo.

Será que algum dia teria coragem de contar a verdade?

E mais ainda… será que ainda existia uma chance para o amor que um dia incendiou sua alma?

---

A noite caía devagar, e a casa de Leonor estava mergulhada em silêncio. Apenas o som suave da respiração de Matteo preenchia o ambiente. Ela o observava dormir no berço improvisado, com um cobertorzinho azul cobrindo o corpinho miúdo.

Sentia o peito apertado, como se a saudade insistisse em bater mais forte naquele dia. As palavras de Martina ecoavam em sua mente:

“Vocês precisam conhecer a verdade um do outro.”

Sentou-se na escrivaninha simples, pegou papel e caneta. Por um instante, ficou apenas olhando o vazio. O coração batia descompassado.

Querido Adam…

Escreveu, mas logo riscou.

Respirou fundo. Tentou de novo.

Adam,

Não sei por onde começar. Talvez pelo fato de que todas as noites, desde que fugi, penso em você. Não como o homem do submundo. Mas como o homem que me fazia rir nos jantares, que me olhava como se eu fosse tudo o que ele precisava no mundo.

Parou. Uma lágrima caiu no papel.

Descobrir quem você realmente é me destruiu. Mas não porque você é um magnata do crime. E sim porque, mesmo depois de tudo, eu ainda te amo.

Levantou-se de repente, empurrou a cadeira para trás e andou em círculos no pequeno cômodo.

Como eu posso amar alguém que me assustou tanto?

Como posso confiar num mundo que um dia quase engoliu o meu?

Mas a maior pergunta era: Como negar a você o direito de conhecer o filho que criamos com amor, mesmo sem sabermos?

Voltou à cadeira, pegou a caneta novamente. O coração batia acelerado.

Seu filho está bem. Ele é lindo. Tem seus olhos. E às vezes, quando sorri, parece que está sorrindo pra você. Mesmo sem te conhecer.

Mais lágrimas caíram.

Quando terminou, dobrou o papel e ficou olhando para o envelope em branco. Não escreveu o nome, nem o endereço.

Por fim, ela o guardou numa caixinha, junto com outras memórias que doíam demais para serem expostas.

Talvez um dia tivesse coragem de entregar. Talvez um dia conseguisse enfrentá-lo de frente. Por enquanto… ainda não.

Leonor olhou mais uma vez para Matteo, enxugou as lágrimas e sussurrou:

— Um dia você vai conhecer seu pai. Mas quando mamãe estiver pronta…

E naquela noite, dormiu com o coração em pedaços… mas com uma fagulha de esperança queimando bem lá no fundo.

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Comments

Leila Cabral

Leila Cabral

chata até qdo o menino vai passar necessidades, fraca era falar que não queria aquela vida de medo e seguir affff od

2025-04-24

1

marlene morais

marlene morais

Amando. Intenso.

2025-04-23

1

Hosana Gessica Hernandes

Hosana Gessica Hernandes

🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹

2025-04-23

1

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