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É uma vida que combina com a minha natureza introvertida, mas às vezes, nas horas tranquilas, me pergunto se a ausência de caos significa que estou perdendo algo mais selvagem, algo mais parecido com... amor. Mas, por enquanto, deixo esses pensamentos de lado. Há um coração para ouvir, um pulso para verificar e uma vida para tranquilizar.

Por hoje, é mais que suficiente.

Virando uma esquina, avisto alguém inesperado — Faiz Al-Rashid. Ele se ergue como uma estátua antiga, sua silhueta recortada contra a grande janela com vista para os jardins. Sobrancelhas severas franzidas, lábios comprimidos em uma linha fina; ele personifica a própria essência da realeza inacessível.

Ele não costuma vir aqui tão cedo pela manhã. É o filho mais velho da realeza, um homem que prefere se isolar em seu próprio palácio a alguns quilômetros daqui — um desejo que eu entendo bem... Por outro lado, seus pais são tão amorosos, tão gentis. O que há para se esconder quando se trata deles?

Mesmo à distância, sua presença me causa um tremor, um arrepio que se assemelha suspeitamente a saudade. Aos 35 anos, Faiz é apenas um pouco mais de um ano mais velho que eu. Alto, forte, com feições esculpidas em pedra polida, ele é o tipo de homem que chamaria a atenção mesmo que não fosse da realeza.

Faz anos que não me permito o luxo de envolvimentos românticos. A pontada de solidão me atinge com mais força hoje, talvez porque Faiz, com sua aura enigmática, me lembre de tudo o que perdi, tanto na infância quanto na vida adulta.

Afasto a sensação, respirando fundo e continuo meu caminho. Há trabalho a ser feito, e não posso me dar ao luxo de distrações — nem mesmo aquelas criadas por um príncipe rabugento que parece exercer um poder inesperado sobre minha compostura.

Minutos depois, encontro-me nos aposentos privados do Xeque Yusuf. "Bom dia, Alteza", cumprimento-o, já me sentindo melhor agora que tenho uma tarefa pela frente.

"Ah, Dr. Hague", ele responde com um sorriso caloroso, levantando-se para me encontrar. "Acho que dormiu bem, não?"

“De fato, obrigado”, respondo, colocando meus instrumentos médicos em ordem com facilidade.

O check-up flui com a suavidade da rotina; seu pulso, forte e firme sob meus dedos, demonstra resiliência. Pressão arterial, níveis de oxigênio, reflexos — tudo dentro da faixa desejável. É evidente que o xeque Yusuf está se saindo notavelmente bem para sua idade, um testemunho tanto de sua constituição robusta quanto de seu estilo de vida saudável.

Enquanto arrumo minha mala, começamos uma conversa descontraída, falando sobre literatura e as areias políticas instáveis do lado de fora dos muros do palácio. Nossas discussões sempre carregam um senso de respeito mútuo, um diálogo harmonioso que transcende os limites de nossos papéis. São esses momentos, breves e despreocupados, que me lembram por que amo meu trabalho — a oportunidade de me conectar, servir e ser vista como mais do que apenas uma médica.

"Obrigado, Tara", diz ele, com os olhos franzidos de sinceridade. "Sua dedicação ao trabalho é louvável."

"Obrigada, Alteza", respondo, sentindo minhas bochechas corarem. De certa forma, sinto como se ele fosse um pai substituto para mim.

Ou talvez seja só uma ilusão. Mas não seria bom? Ter um pai que me veja como eu realmente sou, não pelo que ainda preciso fazer?

"Tara, você costuma se afastar destas paredes do palácio?", ele pergunta. A pergunta me pega de surpresa, é tão aleatória.

Hesito, reprimindo a enxurrada instintiva de desculpas. "Não, não muito", admito finalmente, sentindo a realidade da minha solidão. "Sou meio caseira. Tenho passado muito tempo no meu apartamento."

"Uma pena." Ele estala a língua suavemente, recostando-se no sofá-cama. "Uma jovem como você deveria estar entre amigos, se divertindo, sendo cortejada e conquistada." Seus olhos brilham com uma mistura de sabedoria e travessura.

"Talvez", digo, com as bochechas corando só de pensar. É uma vida estranha para mim — os romances que lotam minhas prateleiras em casa são um substituto pálido para a realidade que os outros vivem.

"Então junte-se a nós para jantar esta noite", ele oferece. "Faz muito tempo que não passamos uma noite juntos."

"Obrigado, Alteza", respondo. "Eu adoraria."

Jantar com a realeza é sempre uma honra, mesmo que isso provoque desconforto — um lembrete da proximidade que não compartilho com minha própria família.

Com o sorriso gentil do xeque me acompanhando, navego pelo labirinto que é o palácio, rumo ao meu escritório para pegar algumas coisas. Ainda não é nem meio-dia e já terminei o expediente, a menos que surja alguma emergência. Basicamente, sou pago para ficar de plantão para a família real, com meu apartamento a apenas dez minutos de carro.

O resto do dia se estende diante de mim, vazio e desconfortável. Eu adoraria me expor, fazer algo como ir a uma feira livre ou a um encontro. Mas é tão estranho para mim — mais estranho do que me mudar para um novo país sozinha, o que já fiz.

Suspirando, abro a porta do meu escritório. E lá está ele de novo — Faiz, alto e taciturno como sempre, remexendo nos meus suprimentos. Sua presença é como uma nuvem de tempestade, enchendo a sala e fazendo o ar crepitar de eletricidade.

Eu suspiro. Ninguém jamais invadiu meu escritório. Pelo menos não que eu saiba.

"Procurando alguma coisa?", pergunto, sem nem me dar ao trabalho de esconder minha irritação.

"Dor de cabeça", ele resmunga, mal olhando na minha direção, seus dedos habilmente vasculhando frascos de comprimidos e instrumentos médicos.

Ele diz isso como se tivesse todo o direito de estar aqui. E talvez tenha. Afinal, ele é da realeza. Sou apenas um médico americano que tem sorte de estar aqui.

“Aqui.” Pego um frasco de ibuprofeno de uma gaveta e estendo para ele.

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Comments

Família Soares

Família Soares

é doutora ou doutor? as vezes vc usa o pronome ele..ou põe dr. e não dra. Nos confunde

2025-04-25

0

Estela Dos Santos Pereira

Estela Dos Santos Pereira

só não entendi porque se refere a ela como Dr

2025-04-24

0

Nazivania Dias Carvalho

Nazivania Dias Carvalho

muito bom

2025-04-24

0

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