Escolhas e consequências— 03

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Na manhã seguinte, o céu amanheceu claro, tingindo a casa com uma luz suave e dourada. Na cozinha, Isabel estava sentada com seu filho, Wendy, oferecendo-lhe amoras maduras. Ela pegava as frutinhas com delicadeza e as levava até a boca do pequeno, que já tinha os lábios manchados de vermelho, o que lhe dava uma aparência quase angelical.
O silêncio tranquilo foi quebrado pelo som de passos firmes no chão de madeira. O Sr. Filipe adentrou a cozinha, vestindo seu terno impecável e segurando o jornal dobrado debaixo do braço. Ele lançou um olhar para mãe e filho, seus olhos se estreitando em uma expressão de desagrado velado antes de se sentar à mesa.
Filipe
Filipe
— Mais respeito, Isabel. Deixe o menino colocar a fruta na boca sozinho. — Sua voz saiu firme, sem espaço para argumentação, enquanto ele desdobrava o jornal e mergulhava na leitura.
Isabel hesitou, mas logo baixou a mão, depositando a amora na palma do filho. Wendy olhou para a mãe e sorriu de leve, tentando amenizar a tensão no ar antes de mastigar a fruta. Isabel, por sua vez, respondeu com um sorriso pequeno, mas carregado de carinho e culpa.
Filipe pigarreou antes de virar a página do jornal e falar num tom desinteressado.
Filipe
Filipe
— Não esqueça do jantar na casa dos Jeffersons hoje à noite. Quero que vista algo decente… E arrume o moleque também. — Ele disse, empurrando a cadeira para trás ao se levantar.
Isabel franziu o cenho e apertou os lábios antes de responder.
Isabel
Isabel
— Não precisa chamá-lo assim.
Filipe parou no meio do movimento e soltou uma risada curta e irônica.
Filipe
Filipe
— Você não espera que eu fique chamando ele por esse nome feminino o tempo todo, espera? — Ele ergueu uma sobrancelha e balançou a cabeça. — É vergonhoso, tanto pra ele quanto pra mim.
E com isso, dobrou o jornal de qualquer jeito, jogou-o sobre a mesa e saiu da cozinha, deixando um silêncio pesado no ar.
Isabel baixou os olhos para o filho. Wendy estava com a cabeça abaixada, os ombros pequenos tensos, como se estivesse tentando se tornar invisível.
Depois de um tempo, sua voz saiu baixinha.
Wendy
Wendy
— A Suzi gosta do meu nome…
A mãe piscou, surpresa com a fragilidade naquelas palavras.
Isabel
Isabel
— Todos gostam, meu anjo. Seu nome é lindo. — Ela disse, tentando colorir sua voz com ternura, mas Wendy não pareceu convencido.
Ele respirou fundo antes de levantar os olhos para a mãe, seu rostinho carregando algo que não deveria pertencer a uma criança.
Wendy
Wendy
— Nem todos… Não aquele que eu queria…
E antes que Isabel pudesse dizer qualquer coisa, Wendy deslizou da cadeira, deu um pulinho para descer e saiu correndo pelo corredor. Ela apenas o observou ir, respeitando seu espaço, mas sentindo uma pontada amarga no peito.
Logo então Isabel sentiu o sangue ferver. As palavras do marido ainda ecoavam em sua mente como um disco riscado, e cada repetição fazia seu coração bater mais forte no peito. Sem pensar duas vezes, levantou-se com firmeza e marchou até o escritório de Filipe, ignorando qualquer hesitação.
Assim que abriu a porta, não se deu ao trabalho de anunciar sua chegada. Caminhou direto até a mesa de madeira maciça e bateu a mão sobre ela com força, fazendo os papéis saltarem. Filipe, que até então estava concentrado no jornal, ergueu os olhos com um misto de surpresa e irritação, levantando-se da cadeira com uma expressão severa.
Filipe
Filipe
— Mas o que diabos significa isso, Isabel?! Ficou histérica, é? — Sua voz saiu grave, carregada de impaciência.
Ela riu, um riso curto e sem humor, sentindo o gosto amargo da indignação na boca.
Isabel
Isabel
— Sim, Filipe. Estou histérica! Histérica de você! — Sua voz saiu cortante, carregada de algo que ela segurava há tempo demais. — Basta! Chega dessa sua frieza, desse seu desprezo! Ele é seu filho! Seu herdeiro! — Seus olhos brilharam com fúria e frustração. — Ou será que a única coisa que importa pra você é essa linhagem imunda que quer passar adiante?
Uma veia saltava em sua testa, seu peito subia e descia rápido, mas Filipe apenas cruzou os braços, os olhos estreitados em desafio.
Filipe
Filipe
— Você tá exagerando…
Isabel
Isabel
— Exagerando?! — Isabel avançou um passo, a voz embargada. — Ele é só um garoto de seis anos! Seis anos, Filipe! E já tá aprendendo que o próprio pai tem vergonha dele!
A última frase saiu falhada, o nó na garganta apertando até quase sufocá-la. Ela piscou, sentindo as lágrimas se formarem, mas não deixaria que ele as visse. Sem esperar resposta, virou-se nos calcanhares e saiu, batendo a porta com força suficiente para fazer as vidraças vibrarem.
Subiu as escadas com passos apressados, o peito ainda arfando. Ao entrar no quarto, afundou-se na cama, sentindo o peso de tudo cair sobre seus ombros de uma só vez.
Passou as mãos pelo cabelo, puxando um fio solto entre os dedos trêmulos. O silêncio do quarto parecia esmagador.
Então, em um sussurro quase inaudível, murmurou para si mesma.
Isabel
Isabel
— Se eu tivesse fugido com ele… Se tivesse tido coragem… Será que a gente estaria nessa agora, meu filho?
Mordeu o canto do lábio, segurando as lágrimas que ameaçavam cair. Mas era inútil. Elas já estavam ali, escorrendo quentes pelo rosto, carregando tudo o que ela nunca pôde dizer em voz alta.

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