Grande Amizade —02
Depois de tudo aquilo e meus pais entrarem eu continuo a desenhar, as pontas dos meus dedos estavam sujas de giz de cera enquanto eu desenhava, concentrado, num pedaço de papel branco. Pequenas folhas de cerejeira iam tomando forma, e eu dava os últimos retoques com um lápis verde. Quando terminei, bati as mãos, satisfeito, e olhei ao redor pra ver se alguém tinha notado.
Foi aí que vi uma garotinha ruiva, com os cabelos presos em duas maria-chiquinhas meio bagunçadas. Ela parecia ter a minha idade. Se aproximou devagar, espiando meu desenho com um olhar curioso, e logo abriu um sorriso de orelha a orelha, mostrando os dentes um pouco amarelados.
Suzi
— Tá esplendidamente magnífico! — disse ela, entusiasmada, dando um joinha. — Você desenha que é uma belezura!
Baixei a cabeça, envergonhado. Não tava acostumado a receber elogios de ninguém além da mamãe. Ouvir aquilo de outra pessoa me deu uma sensação estranha… um calorzinho diferente no peito.
Wendy
— O-obrigado… — murmurei, quase num fiapinho de voz.
Ela franziu a testa e levou a mão ao ouvido
Suzi
— O quê? Não ouvi nada!
Suspirei fundo. Eu sabia que ela tinha escutado, só queria me fazer falar de novo
Wendy
— OBRIGADO! — repeti bem alto, sentindo meu rosto esquentar.
Ela arregalou os olhos e, de repente, soltou uma gargalhada gostosa.
Suzi
— Ahaha! Você é engraçado! — exclamou, dando um pulinho. Depois estendeu a mão pra mim, com um sorriso esperto. — Pronto, já tá decidido! Agora sou sua amiga! Me chamo Suzi.
"Amiga." Aquela palavra ficou ecoando na minha cabeça.
Sorri de canto, sentindo um certo calor no peito, e apertei sua mão.
Wendy
— Prazer… me chamo Wendy.
Ela franziu os lábios num biquinho pensativo.
Suzi
— Wendy? Ah, mas que nome mais bonitinho! Combina direitinho com você! — disse, se sentando na grama ao meu lado. Pegou meu desenho e passou o dedo delicadamente pelos contornos.
Fiquei observando ela por um instante. Alguma coisa me dizia que teria que me acostumar com aquela novidade. Peguei um lápis e estendi pra ela.
Wendy
— Quer desenhar comigo?
Suzi balançou a cabeça animada e logo começou a rabiscar. Voltei ao meu desenho também, retomando os traços com concentração.
Mas a paz daquele momento durou pouco.
Uma sombra surgiu atrás de mim. Senti um arrepio na espinha e virei devagar. Suzi fez o mesmo.
Na nossa frente, um garoto mais velho e alto cruzava os braços, com um olhar cheio de maldade. Atrás dele, outros meninos, todos sujos de lama e com sorrisos zombeteiros
Joabe
— Ora, ora… olha só, a mariquinha arranjou uma amiguinha! — disse o líder, rindo.
Joabe
— Pelo visto, ela é esquisita igual você! Olha essa cara manchada de sinal! — falou, apontando pra Suzi com nojo.
Os outros meninos começaram a rir.
Suzi fechou a cara na hora, cerrando os punhos.
Suzi
— Isso não é sinal, seu burro! São sardas! — gritou, furiosa.
Me assustei com a atitude dela.
O garoto riu com desdém e olhou pros amigos.
Joabe
— Olha, olha! A sardenta tá latindo! — zombou. — E o que a gente faz com cadela que late muito, meninos?
Os garotos avançaram em Suzi antes que eu pudesse reagir. Um deles agarrou seus cabelos ruivos e outro tampou sua boca, segurando-a com força enquanto ela se debatia.
Joabe
— Você devia aprender mais com seu amiguinho aqui, Wendy… essa mariquinha não dá nem um pio! — o líder falou, se aproximando de mim com um sorriso cruel. — Tão quietinho… igual uma boneca de porcelana!
E então, sem aviso, ele me deu um tapa na bunda. O impacto me fez cambalear pra trás, e eu senti um ardor subir pelo rosto. Segurei o choro, mordendo o lábio até sentir o gosto metálico do sangue na boca.
Foi quando um grito de dor cortou o ar.
O garoto que segurava Suzi soltou um berro e deu um pulo pra trás. Minha amiga tinha cravado os dentes na mão dele. Ele a empurrou, xingando alto, mas ela não perdeu tempo. Correu até mim, pegou minha mão e apertou firme.
Suzi
— Vai ficar tudo bem, meu artista. — sussurrou.
Então, sem soltar minha mão, virou-se bruscamente e, antes que alguém pudesse reagir, deu um chute certeiro bem no meio das pernas do líder daquela infantil "gangue".
O garoto caiu de joelhos no chão, soltando um gemido esganiçado.
Suzi voltou correndo pra perto de mim, encheu os pulmões de ar e soltou um grito agudo e estridente, como um alarme
E, como num passe de mágica, meus pais apareceram na porta da casa, alarmados. Os garotos sujos de lama bateram em retirada, correndo como ratos assustados. Meu pai berrou alguma coisa e os espantou de vez, enquanto minha mãe vinha na nossa direção, aflita.
Isabel
— Wendy! Meu amor, você tá bem?! E você, querida? O que aconteceu?! — perguntou, ajoelhando-se diante de nós.
Contamos tudo a ela, e sua expressão se suavizou. Num gesto carinhoso, puxou nós dois para um abraço apertado.
Eu aproveitei o momento pra apresentar Suzi como minha primeira amiga. Mamãe sorriu emocionada e afagou os cabelos ruivos da menina, apertando-a contra o peito.
E foi ali, bem ali, que começou a história da minha primeira e grande amizade.
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