Fuja do Nunca

Fuja do Nunca

O pequeno Wendy — 01

Wendy. Esse foi o nome que a senhorita Isabel escolheu para seu primogênito, um menino de pele tão clara quanto a neve e um rosto tão delicado que mais lembrava o de uma menina. Talvez tenha sido por isso que sua mãe lhe deu um nome tão feminino, como se quisesse protegê-lo desde o nascimento, envolvê-lo numa redoma contra um mundo que não perdoava a delicadeza nos homens.
Mas Filipe, seu pai, não compartilhou dessa ternura. Assim que viu o filho nos braços da esposa, franziu o cenho, incomodado. Esperava um menino de feições marcantes, expressão forte—um futuro homem que carregasse seu nome com orgulho. Mas, ao se deparar com aquele pequeno rosto tão suave, sentiu uma pontada de decepção que não conseguiu disfarçar.
Ele queria um filho, mas ao mesmo tempo desejava que aquela criança fosse uma menina.
Wendy cresceu cercado por tudo o que um jovem bem-educado deveria ter. Seu pai fez questão de moldá-lo à sua imagem e semelhança, empurrando-o para o caminho que considerava digno de um homem de verdade. Futebol, esgrima, matemática, negócios—tudo meticulosamente escolhido para afastá-lo daquilo que Filipe desprezava.
Mas o coração do garoto pertencia a outra coisa.
A arte.
Desde pequenininho, Wendy tinha mãos de anjo. Seus desenhos não eram rabiscos infantis, mas criações que pareciam ganhar vida no papel. Ele via o mundo de um jeito diferente—via sombras onde ninguém via, cores onde tudo parecia cinza. Sua mãe percebia isso e se enchia de orgulho. Encorajava-o, exibia seus quadros pelas paredes da casa como se fossem relíquias, como se dissesse ao mundo que seu filho era especial.
Mas para Filipe, aquilo era uma afronta.
Toda vez que encontrava um dos desenhos pendurados, arrancava-o da parede sem hesitar. Amassava o papel sem nem olhar e se livrava dele como quem joga fora algo sem valor. Ele não suportava a ideia de que seu filho tivesse aquele toque delicado, aquela sensibilidade que julgava não pertencer a um homem.
........
Filipe
Filipe
— Isso é coisa de moça, Wendy. Coisa de fraco.
O menino abaixava a cabeça, segurando o choro. Mas dentro dele, uma voz gritava. Ele sabia que desenhar não era errado. Sabia que aquilo fazia parte de quem ele era.
E ninguém poderia tirar isso dele.
Wendy
Wendy
— Mais, papai! — O garotinho se abaixou rapidamente para pegar o Giz de sera que deixara cair no susto. — Pintar não é pecado...
O homem soltou um suspiro pesado, cruzando os braços com impaciência. Seus olhos duros recaíram sobre o filho, que ainda segurava o lápis como se fosse um tesouro.
Filipe
Filipe
— Pecado não, mas vergonha, com certeza. Olha pros outros meninos! Empinando pipa, jogando bola, brincando com carrinho... E você aí, feito uma menina, rabiscando papel! — A voz grave do pai carregava um tom de reprovação que pesava nos ombros do menino.
As palavras cortaram fundo, e as lágrimas começaram a escorrer pelo rostinho inocente antes mesmo que ele conseguisse segurá-las.
Wendy
Wendy
— Mas... eu gosto, pai... — soluçou, apertando o Giz com força.
Filipe
Filipe
— Não, não gosta. Isso é coisa da sua cabeça — retrucou o pai, impaciente. Sem aviso, arrancou o Giz das pequenas mãos do menino.
Filipe
Filipe
— Dá isso aqui! — Sua voz era ríspida, cheia de desprezo.
Antes que ele pudesse atirar o Giz para longe, uma mão firme agarrou seu pulso.
Isabel
Isabel
— Já não te disse pra deixar o Wendy em paz?! — A mãe interveio, sua voz carregada de uma fúria contida. Com um puxão rápido, tomou o Giz da mão do marido e abaixou-se diante do filho, oferecendo-lhe de volta.
Isabel
Isabel
— Aqui, meu amor. Pega. Você pode continuar desenhando, tá bom? — Sua voz agora era suave, como uma brisa acalmando um mar revolto.
O menino fungou e limpou as lágrimas com as mãozinhas. Seus olhinhos brilharam ao segurar o Giz novamente, voltando ao desenho como se o mundo inteiro ao redor deixasse de existir. Sua mãe era seu porto seguro, seu anjo da guarda. Enquanto ela estivesse ali, ele estava protegido.
A mulher se ergueu e olhou para o marido com o semblante fechado.
Isabel
Isabel
— Vamos pra dentro. Deixe o menino brincar do jeito dele. Já não basta encher a cabeça dele com um monte de obrigação exagerada? Agora quer arrancar o que ele tem de mais bonito?
......
O homem bufou, afundando-se no sofá de couro, que rangeu sob seu peso.
Filipe
Filipe
— Bonito? Isso aí é uma vergonha! — retrucou, cruzando os braços.
A esposa franziu o cenho, indignada.
Isabel
Isabel
— Vergonha?! Você já viu os desenhos do seu filho? Já prestou atenção no talento que ele tem?
Filipe
Filipe
— Nem quero ver! — ele resmungou, desviando o olhar. — Sinceramente, não sei de onde esse menino tirou essas esquisitices. Isso não é coisa minha. Certeza que esse garoto é meu?
O silêncio que se seguiu foi denso, sufocante. Os olhos da mulher se arregalaram em choque, como se tivessem sido atingidos por uma faca afiada.
Isabel
Isabel
— Você... você ousa dizer um negócio desses? — Sua voz tremeu, não de medo, mas de pura incredulidade.
Virou-se nos calcanhares, subindo as escadas com passos pesados. Antes de desaparecer no andar de cima, lançou um último aviso.
Isabel
Isabel
— não ouse encostar um dedo no MEU filho!
A porta do quarto bateu com força, e o homem ficou ali, sozinho, encarando o chão, enquanto a sombra de suas palavras envenenava o ar.

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