O dia amanhece, e vou direto para o banheiro. Finalmente é sexta-feira! Escovo os dentes com certa pressa, ainda sonolenta, até que lembro de pegar o celular para conferir as mensagens. Entre várias notificações, dez são do Arthur.
Curiosa, abro. Ele está, como sempre, tirando sarro da situação.
"Calma, drama queen. É tudo mentira!" — dizia a primeira mensagem.
Conforme vou lendo, descubro que ele correu para fazer o teste de paternidade só para garantir. Disse que, se fosse mesmo o pai, assumiria sem pestanejar. Mas, como tudo não passou de um boato, ele resolveu fazer piada. Mandou até uma foto fingindo tristeza, com os olhos semicerrados, cara de sofrimento e uma legenda: “Desculpa, paizinhos. Não foi dessa vez.”
Caí na risada. Mostrei a foto para minha mãe, que reagiu com um suspiro exagerado, claramente desapontada.
— Que pena... eu já estava sonhando com um netinho!
Me despedi com um beijo na bochecha dela e fui trabalhar. Mais um dia intenso. Acabei, como sempre, perdendo a noção do tempo. Amo o que faço e, quando estou focada, tudo ao redor desaparece.
Quando finalmente levanto a cabeça, ouço passos. E, claro, reconheço aquele jeito leve de andar. Arthur entra na sala com uma expressão travessa no rosto.
— Ah, não! Nem venha! — aviso, antes mesmo de ele dizer uma palavra.
— O quê? Eu nem falei nada! — responde, teatral.
— Mas sua cara já entregou tudo. E antes que diga qualquer coisa: não, não vamos a nenhuma festa hoje.
— Ei, calma! Eu só queria distrair um pouco. Nada de festas!
— Arthur, sai com os seus amigos. Eu estou exausta hoje.
Ele se aproxima e, sem avisar, apoia o rosto em meu pescoço, com um suspiro exagerado.
— Mas eles não são você… — diz com a voz abafada.
— O que você não pede sorrindo, que eu não faço chorando… — resmungo, tentando não rir.
— Quem vê, pensa que sou cruel com você!
— E é! — rebato, empurrando de leve o ombro dele.
— Fale mais, gnoma. Em que eu sou cruel?
— Primeiro, me insulta. Depois, me faz fazer hora extra. E ainda nega minha folga. Isso é o quê?
— Um absurdo. Sabe o que você está? — diz ele, com cara séria.
— O quê?
— Com fome! — exclama, puxando minha mão. — Vamos, ou eu desmaio aqui mesmo!
— Espera, energúmeno, deixa eu pegar minha bolsa!
— Rápido! Minha barriga já está me traindo!
— A propósito… o que você ainda está fazendo aqui tão tarde?
— Fiquei conversando com meu pai sobre uns assuntos da empresa. Tive umas ideias e quis colocá-las em prática — responde, enquanto vamos caminhando até o carro.
— E como está a relação de vocês? — pergunto, genuinamente curiosa.
— Está bem. Ele arrumou uma namorada… e, adivinha só — diz, abrindo a porta do carro para mim com um sorriso travesso. — Minha mãe está grávida.
— Sua mãe… o quê?
— Exatamente isso que você ouviu.
— Amigo… é coerente isso, na idade dela?
— Ela tem os melhores médicos do país. E, vamos ser sinceros, 47 anos não é uma idosa.
— Mas ainda assim…
Seguimos conversando até o restaurante. Já sentados, fazemos os pedidos e percebo Arthur um pouco inquieto. Ele mexe nos talheres, olha para os lados e suspira.
— O que está acontecendo?
— Não sei… é muita coisa ao mesmo tempo. Tô exausto.
— Explica melhor, vai.
Ele me encara por um instante, como se avaliasse se deveria se abrir. Então começa:
— Depois do divórcio dos meus pais, tudo mudou. A relação familiar já era complicada, mas se tornou quase inexistente. E mesmo assim… me sinto sortudo por ter você e seus pais ao meu lado.
— Você sabe que sempre foi parte da nossa família, né?
Ele sorri, tocado.
— Meu pai tem tentado se reaproximar, e estou feliz com isso. Mas minha mãe... é um caso perdido. Enfim, depois do escândalo da falsa gravidez, meu pai veio com outra bomba: meus avôs estão pressionando ele para me colocar “nos trilhos” — faz aspas com os dedos — e sugeriram que eu me casasse.
— Isso é... loucura! Você tem só vinte e sete anos, é independente, bem-sucedido...
— Eu sei. Mas o problema são os irmãos dele, meus tios. Nunca fizeram nada pelo legado da família. E agora ameaçam deserdar meu pai se eu não me casar logo.
— Isso é chantagem emocional! E você não tem culpa de nada disso.
— Mesmo assim, me sinto responsável. Meu pai lutou demais pelo nome da família… e eu não quero ser o motivo de ele perder tudo.
Peguei a mão dele sobre a mesa, apertando de leve para lhe transmitir apoio.
— Nem todo relacionamento precisa ser como o dos seus pais. Olha os meus! Dá pra acreditar no amor, sim.
— Os seus são uma exceção. Eu não sou assim.
— Mas pode ser. Só precisa encontrar alguém legal… — murmuro, com o olhar mais suave.
Ele me encara de um jeito diferente. Por um momento, o ambiente parece suspenso, silencioso… até que uma voz feminina quebra o clima.
— Arthur! Que bom te encontrar aqui!
Ele desvia o olhar de mim e abre um sorriso polido.
— Erika! O que faz aqui?
— Saí tarde da sessão de fotos e vim jantar com uma amiga. Você está ocupado?
Ela lança um olhar cortês para mim e sorri. Ele se apressa:
— Ah, essa é minha melhor amiga, Samira.
— Prazer, Samira — diz, estendendo a mão delicadamente.
— O prazer é meu. Quer se juntar a nós?
— Se não for incomodar…
Arthur hesita por um segundo, mas sorri.
— Claro que não.
Erika se despede rapidamente da amiga e se senta conosco. O clima muda. Eles têm uma química evidente, e eu decido que é hora de dar espaço.
Pego o celular, finjo escrever algo e Arthur logo percebe.
— Tudo certo?
— Nada demais… mas vou precisar ir agora — digo, piscando para ele. Mas sua expressão de súplica me confunde.
— Mas tá tão cedo! — reclama Erika.
— A gente marca de se encontrar outro dia. Troca de contato depois com o Arthur, tá bom?
— Claro! Boa noite, Samira!
— Boa noite.
Saio e vou esperar o Uber. Nenhum aceita. Ótimo.
Então sinto uma mão pousar suavemente no meu ombro. Levo um susto.
— Tá devendo, senhorita? — a voz familiar, com aquele tom brincalhão, me irrita e faz meu coração acelerar ao mesmo tempo.
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Atualizado até capítulo 60
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