Capítulo 4 – Entrelinhas
Sarah caminhava pelos corredores do hospital com a postura de quem sabe onde pisa — mas, por dentro, cada passo parecia reverberar ecos do passado. O jeito como Clara a olhara naquela sala de descanso ainda mexia com ela. Não havia sido apenas uma conversa profissional. Havia emoção contida, raiva contida... desejo contido.
Naquela noite, depois do plantão, Sarah foi até o café da esquina. Um lugar pequeno, meio escondido, onde costumava estudar nos tempos da faculdade. Puxou o capuz do moletom, pediu um café preto e sentou no canto mais afastado.
Ali, sozinha, permitiu-se voltar.
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Quatro anos antes.
A festa da formatura de um congresso médico. Um hotel em São Paulo, luzes baixas, música alta. Sarah ainda era aluna do penúltimo ano, cheia de ideias e sede de futuro. Clara já era médica convidada, brilhando na palestra que havia lotado o auditório.
Elas se encontraram no bar improvisado, por acaso. Um olhar, um comentário irônico, um riso leve. Depois uma conversa longa sobre medicina, escolhas difíceis, sonhos sufocados. E quando Clara tocou no braço de Sarah, apenas para enfatizar um ponto, o toque demorou meio segundo a mais do que deveria.
— Você é intensa. — Clara disse, com um copo na mão, os olhos fixos nela.
— E você é assustadoramente segura. — Sarah respondeu, com um sorriso enviesado.
E então veio o beijo. Rápido. Imprevisível. Irrecusável.
Durou pouco. Tempo suficiente para queimar.
Mas no dia seguinte, Clara desapareceu antes do café da manhã. Nada além de uma mensagem seca: “Não deveria ter acontecido. Cuide-se.”
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Sarah saiu do café agora, de volta ao presente. A cicatriz daquele silêncio ainda estava lá, mesmo que não doesse tanto. E agora, reencontrando Clara naquele mesmo ambiente de tensão e precisão, o passado parecia ter voltado com uma força inesperada.
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Na manhã seguinte, elas dividiram de novo a sala de cirurgia. Outro caso complicado. Outra dança silenciosa de gestos e comandos.
Dessa vez, Clara estava mais centrada. Ou fingia melhor. Mas Sarah percebia os sinais sutis: o leve atraso na respiração quando os dedos se tocavam por acidente; o olhar rápido que ela lançava quando achava que Sarah não notava.
Após a cirurgia, Clara chamou a equipe para o debriefing, como de costume. Mas, ao final, quando todos saíram, ficou parada.
Sarah entendeu que era para esperar.
— Eu fui covarde naquela época. — Clara disse, sem rodeios, encarando o quadro branco vazio à frente. — E talvez ainda seja.
Sarah sentiu um nó no peito, mas não respondeu.
— Só... se em algum momento eu parecer confusa ou distante, não é por você. É porque estou tentando não cruzar uma linha que já cruzei antes — e me arrependi. Não do que senti. Mas de como fugi depois.
— Eu não quero complicar sua vida, Clara. — Sarah disse baixo, firme. — Mas também não vou fingir que isso aqui é só profissional. Porque não é. E você sabe disso.
Clara fechou os olhos por um segundo, como se aquilo a atravessasse.
— Eu sei.
O silêncio entre elas era como uma corda esticada, prestes a arrebentar.
— Vamos com calma? — Clara murmurou, quase num pedido.
—Só se for juntas. — Sarah respondeu.
E saiu, deixando Clara com o coração em descompasso e a certeza de que, dessa vez, talvez fosse tarde demais para se proteger.
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Atualizado até capítulo 35
Comments
Cecília De Lima
intenso
2025-04-21
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