Reencontro das Almas
Capítulo 1 – Reconhecer e Negar
O som contínuo dos monitores cardíacos era quase uma melodia familiar para Clara Valente. O compasso constante, o bip ritmado, os passos apressados nos corredores... Tudo fazia parte da sua sinfonia diária, onde ela era a maestrina imbatível. No centro cirúrgico do Hospital São Miguel, Clara era autoridade. Voz baixa, olhar cortante, mãos precisas. A batuta dela era um bisturi, e ninguém ousava desafinar na sua presença.
— Dr. Valente, os exames da paciente da 12 estão na sua mesa. — informou a enfermeira, entregando a prancheta com um leve tremor nas mãos.
— Obrigada, Gabriela. — respondeu Clara, sem erguer os olhos. Só o necessário. Sempre só o necessário.
O blazer branco caía perfeitamente em seus ombros. Os cabelos escuros estavam presos em um coque elegante, e os saltos soavam firmes nos corredores silenciosos. Era assim que gostava de ser: impecável, inalcançável, inviolável. Ninguém precisava saber mais do que ela permitia. Ninguém sabia.
Até que o elevador se abriu no fim do corredor, revelando uma nova leva de residentes e estagiários. Clara olhou de relance, como fazia todos os anos — um gesto automático. Mas, naquele instante, algo travou dentro dela.
Os olhos dela.
Clara reconheceu antes mesmo de querer reconhecer.
Sarah Diniz.
Quase dez anos a menos, mas com o mesmo olhar desafiador. O rosto estava mais maduro, os traços suavemente refinados, mas havia algo nela que Clara jamais esqueceria. Nem se quisesse. A memória de um grito abafado numa madrugada adolescente, a sombra de uma briga que nunca teve fim, e o toque de uma mão que jamais deveria ter tremido.
Sarah também a viu. Por uma fração de segundo, a surpresa foi mútua. Mas nenhuma das duas disse nada. Nenhum sorriso, nenhum cumprimento. Apenas o silêncio — antigo, conhecido, cortante.
— Essa é a nova turma de estágio avançado, doutora. A dra. Gabrielle pediu que a senhora avaliasse os perfis. — disse um dos coordenadores, empurrando a ficha na mão de Clara.
Ela pegou, virou a primeira folha e, claro: Sarah Diniz. 27 anos. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Neurocirurgia.
Clara ergueu o olhar. Sarah já estava parada diante dela, mantendo a postura reta, profissional. Um leve brilho irônico no canto dos lábios.
— Doutora Valente. É um prazer trabalhar com a senhora. — disse com um tom polido demais para ser inocente.
— Veremos se o prazer será mútuo, senhorita Diniz. — respondeu Clara, devolvendo o mesmo sorriso frio.
E foi assim que tudo começou.
Na superfície, duas profissionais exemplares. Dentro, um campo minado de lembranças, ressentimentos e um desejo enterrado fundo demais. Clara sabia que aquilo não poderia dar certo. Sabia que o passado deveria permanecer onde estava. Mas o problema é que algumas feridas nunca cicatrizam por completo — e algumas histórias não sabem terminar.
Principalmente aquelas que nunca foram contadas.
Perfeito! Vamos reformular o capítulo inteiro com esse novo contexto: uma boate BDSM, com Sarah como uma das mulheres que apresenta o espaço, os brinquedos e fala sobre o ambiente — mas disfarçada de forma que Clara não a reconheça, ainda que se sinta profundamente atraída por ela. Aqui está o Capítulo 1 reformulado, com clima de descoberta, tensão e desejo contido:
Clara não permitia que a conhecessem.
Seu mundo era feito de certezas, bisturis e silêncio.
E o passado voltou como um bisturi esquecendo de fechar uma ferida.
**
Flashback – Máscaras e Correntes
— Eu não sei se isso é uma boa ideia, Fernanda. — disse Clara, cruzando os braços, desconfortável diante da porta preta, discreta, com uma única letra em vermelho: S.
— Relaxa, ninguém vai saber que é você. Vai ser educativo. Uma introdução teórica, só isso. — Fernanda riu, puxando Clara pela mão. — É uma casa BDSM. Não tem sexo exposto, nem loucura. É mais... estética. Dominação, entrega, confiança. Arte, até.
Clara hesitou. O coração batendo mais alto que o som abafado que vinha lá de dentro. Estava cansada de esconder tanto de si mesma que mal lembrava o que era desejo. Mas naquele dia — talvez pelo cansaço, talvez pela provocação — ela cedeu.
— Só uma vez.
**
Dentro, o ambiente era escuro e elegante. As luzes eram suaves, avermelhadas. Havia correntes douradas pendendo do teto em pontos estratégicos, poltronas de couro, estruturas de madeira... e gente. Homens e mulheres vestindo couro, máscaras, rendas. Alguns conversavam, outros assistiam, outros... ensinavam.
E então, ela apareceu.
No pequeno palco, sob um feixe de luz âmbar, surgiu uma mulher mascarada. Uma fantasia de domme clássica: botas longas, espartilho preto, lábios pintados com perfeição. Um chicote enrolado no pulso e uma segurança que fazia todos silenciarem.
— Boa noite. Bem-vindos à nossa noite introdutória. — a voz era firme, levemente rouca, envolvente. — Antes de qualquer prática, existe o respeito, o conhecimento e o consentimento. Hoje, vamos mostrar alguns brinquedos, estruturas e possibilidades. E, acima de tudo, como o poder, aqui, é sempre consensual.
Clara estava hipnotizada.
Não reconheceu a mulher. A máscara cobria quase todo o rosto, e a peruca loira era um disfarce perfeito. Mas havia algo no modo como ela se movia, como olhava, como falava... Clara sentiu algo que não sentia havia muito tempo.
Desejo.
Puro. Cru. Quase desconfortável.
A mulher apresentou as algemas acolchoadas, o banco de spanking, o sling. Falava com precisão. Profissionalismo. Um conhecimento que não deixava espaço para vulgaridade. E quando cruzou os olhos com Clara — apenas por um segundo — um sorriso discreto apareceu sob a máscara.
Sarah congelou.
Ela viu.
Clara está aqui.
E está olhando pra mim como se não me conhecesse.
Sarah continuou. A fala firme. A postura intacta. Mas o peito parecia prestes a explodir.
Ela não sabia o que era pior: Clara a reconhecer ali — ou Clara não reconhecer, e desejar aquela mulher que sempre esteve diante dela.
**
Horas depois, já no carro com Fernanda, Clara mantinha a expressão indecifrável.
— E aí? — perguntou a amiga, esperançosa.
— Aquela mulher. A que apresentou... — Clara hesitou. — Você a conhece?
— Não. Elas usam codinomes e máscaras. Ninguém sabe quem é quem, a não ser que se permita ser visto. Por quê?
Clara desviou os olhos para a janela.
— Nada. Só... curiosidade.
Fernanda sorriu de lado.
Mas só Clara sabia o que estava começando a surgir dentro de si.
E Sarah, do outro lado da cidade, tremia com medo do que aconteceria quando Clara, um dia, reconhecesse.
Claro! Vamos voltar ao presente, saindo dos flashbacks, e desenvolver com cuidado o primeiro diálogo entre Clara e Sarah após o reencontro. A tensão, a escolha das palavras, o que é dito e o que é silenciado — tudo com um toque emocional contido, profissionalismo forçado e memórias sussurrando por baixo.
O som das portas automáticas se fechando atrás da equipe foi o único ruído no corredor branco demais. Clara ajustou a prancheta contra o peito e respirou fundo, como se pudesse conter a avalanche de sensações apenas com o movimento do diafragma.
O dia tinha sido exaustivo. Cirurgias longas, decisões difíceis... e Sarah.
Sarah ali. No mesmo hospital. No mesmo andar. Usando o mesmo jaleco que ela.
Ela não sabia como se portar. Ainda se perguntava se aquela mulher mascarada — que a fez perder o fôlego em uma noite qualquer — era mesmo ela. Mas a mente de Clara era metódica, fria, treinada para observar detalhes. E os detalhes batiam. A voz, o jeito de mover as mãos, a postura quando segura o olhar de alguém por tempo demais.
Ela sabia.
Mas não podia ter certeza.
E então, sem aviso, a porta da sala de observação se abriu. E Sarah entrou.
Sozinha.
Clara não teve tempo de compor a expressão. Nem de fugir.
Sarah fechou a porta com calma. Não havia sorrisos. Nem ironia. Só um olhar direto, intenso e controlado.
— Eu não pretendia atrapalhar nada. — disse Sarah. A voz baixa, firme. — Achei que conseguiria passar despercebida.
Clara sustentou o olhar por longos segundos.
— Você nunca foi discreta o suficiente pra isso.
Sarah sorriu de leve, sem alegria.
— E você continua igual. Direta, fria, precisa.
— E você continua provocando onde não deve. — Clara respondeu, afiada. Mas havia algo por trás. Algo que vacilava.
Silêncio.
A tensão era quase palpável. Como se cada palavra não dita arranhasse as paredes internas das duas.
— Está se perguntando se eu sou... ela, não é? — Sarah disse, baixando os olhos por um momento, depois voltando a encará-la. — A da boate.
Clara apertou os dedos contra a prancheta. O rosto permaneceu inexpressivo, mas os olhos... vacilaram.
— E se eu estiver?
— Então você confirma que esteve lá. — Sarah rebateu, delicadamente. — Isso já diz bastante.
Clara engoliu seco.
— Por que você faz isso?
— Isso o quê?
— Esse jogo. Aparecer aqui. Fingir que é só mais uma estagiária. Fingir que não fomos o que fomos. Que eu não sou o que você sabe que eu sou.
Sarah respirou fundo. O peito subia e descia lentamente. Ela parecia medir cada palavra.
— Porque... talvez eu também esteja cansada de fingir. E porque talvez você tenha sido a primeira pessoa que me viu — de verdade — mesmo quando não queria.
Clara deu um passo à frente, instintivamente. Mas parou.
— Isso aqui é um hospital. Eu sou sua supervisora direta. Você sabe o que isso significa.
— Eu sei. — respondeu Sarah. — E eu não quero nada além de respeito profissional. Só achei que... a gente precisava limpar o ar.
Clara assentiu, lentamente. Mas os olhos ainda estavam fixos nela. Como se estivessem buscando vestígios da garota que um dia a irritava — e da mulher que agora, mascarada ou não, a desarmava por dentro.
— Então vamos trabalhar. — disse Clara, por fim, mais para si mesma do que para Sarah. — Com distância. Com limites.
— Com cuidado. — completou Sarah, antes de abrir a porta e sair.
Clara ficou sozinha na sala. Mas seu corpo inteiro ardia com a memória do olhar dela. Com a lembrança da voz atrás da máscara.
E o que quer que existisse entre as duas... estava longe de ter sido apagado.
continua
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 35
Comments