O carro deslizou pelas ruas antigas como se fosse conduzido pelo som do silêncio. Helena olhava pela janela, a cidade passando em tons de laranja e cinza, enquanto os dedos de Gabriel tocavam o volante com leveza. Ele não disse para onde iam. Apenas pediu que confiasse.
— Estamos quase lá — murmurou, com os olhos firmes na estrada.
O bairro era antigo, com casarões abandonados, postes de ferro e calçadas de pedra. A cidade parecia suspensa no tempo. Pararam em frente a um portão de ferro, enferrujado e ornamentado, onde uma pequena placa dizia: Teatro Arcano. Helena franziu o cenho.
— Está fechado?
— Oficialmente, sim. Mas o zelador me deve alguns favores — respondeu ele, piscando com cumplicidade.
Entraram por uma lateral, passando por corredores escuros, com cheiro de veludo e poeira. As luzes estavam apagadas, exceto por uma fileira de lâmpadas âmbar que iluminava o caminho até o palco. As poltronas estavam cobertas por lençóis, como fantasmas adormecidos. E no centro de tudo, emoldurado por cortinas vermelhas, um piano de cauda preto, imponente, solitário.
Helena parou por um instante, absorvendo o lugar.
— Isso é... mágico.
Gabriel se aproximou do piano, passou os dedos pelas teclas como quem cumprimenta um velho amigo. Então olhou para ela.
— Vem. Senta aqui.
Ela hesitou, depois subiu no palco devagar, o salto ecoando na madeira antiga. Sentou-se ao lado dele no banco do piano. Os ombros se encostaram levemente.
Ele começou a tocar.
Era Chopin, mas reinventado. Notas que oscilavam entre tristeza e promessa. O som preencheu o teatro como se acordasse memórias invisíveis nas paredes. Helena fechou os olhos. Sentia a vibração das teclas, o calor do corpo dele, o cheiro da madeira misturado com o perfume leve que ele usava.
Quando abriu os olhos, ele a observava. Ainda tocando. Mas os olhos, agora, estavam nela.
— Isso é perigoso — sussurrou.
— Eu sei — ela respondeu.
Ele parou de tocar. O silêncio caiu como um véu. Ela ficou imóvel, o coração acelerado, sentindo o ar quente entre os dois.
Gabriel a tocou com a ponta dos dedos, primeiro no queixo, depois no pescoço, onde o pulso dela acelerava. Subiu lentamente até o rosto, os dedos passando de leve, como se estivesse tentando decorar cada traço.
— Você é diferente de tudo o que eu conheci — disse, a voz rouca, baixa.
— Você também. Por isso assusta tanto.
Ele encostou a testa na dela, os olhos fechados.
— Me deixa apagar o mundo por uma noite?
Ela não respondeu. Mas suas mãos buscaram as dele. E ali, no palco esquecido de um teatro fechado, os dois se despiram das defesas. O beijo veio como o som que antecede uma tempestade — denso, urgente, faminto.
Ela sentiu as mãos dele em sua cintura, firmes, mas respeitosas. Os corpos se encaixavam com naturalidade, como se já tivessem se procurado em outras vidas. As bocas se encontraram em ritmos que mudavam: ora lentos, exploratórios, ora cheios de desejo. O toque dele era quente, cuidadoso, mas com intensidade. Como alguém que conhece a força da música e do silêncio.
Ela deslizou os dedos sob a camisa dele, sentindo o calor da pele. Ele passou os lábios pela curva do pescoço dela, e um arrepio correu pelo corpo de Helena. No teatro vazio, só se ouvia o som das respirações e do desejo crescendo entre os dois.
Eles não fizeram amor ali, mas chegaram perigosamente perto. E não foi preciso ir além. O que viveram naquela noite foi mais profundo que pele: foi confissão sem palavras, entrega sem promessas.
Quando saíram do teatro, já era madrugada. O céu estava limpo e azul escuro. Gabriel a deixou em casa com um beijo na testa e olhos que diziam mais do que qualquer frase ensaiada.
— Boa noite, Helena.
— Boa noite, Gabriel.
Ela entrou devagar, como quem carrega algo sagrado.
No quarto, ainda com o coração acelerado, sentou-se na cama e pegou o celular. Abriu o perfil de Gabriel pela primeira vez. Ele era discreto, quase não postava. Mas ao rolar as fotos antigas, lá estava ela.
Bianca.
Em várias fotos. Em uma delas, os dois em frente a uma praia, abraçados, sorrindo. A legenda dizia: “Com você, o tempo desacelera.” A data era de dois anos antes. Mas ainda estava lá. Visível. Intacta.
Helena sentiu o chão sob os pés se mover. A dúvida, esse velho veneno, se infiltrou em sua mente como um sussurro: Será que ele esqueceu mesmo? Será que fui só mais uma fuga temporária?
Ela apagou a tela, deitou-se na cama. O travesseiro cheirava a lavanda. Mas nada naquele momento era calmante. A noite que deveria ser perfeita terminou com um gosto amargo e um eco no peito.
E se tudo isso for só mais uma repetição do passado?
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Atualizado até capítulo 35
Comments
Thiago Lopes
acho que ele quer apagar outra coisa ,😏
2025-04-30
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