Ethan sabia que estava cometendo um erro no exato momento em que colocou os pés naquela casa.
A música já podia ser ouvida da esquina: um remix indecifrável entre funk, reggaeton e barulho de liquidificador. O som fazia o chão tremer como se a casa estivesse prestes a decolar. O local? Uma residência antiga, provavelmente alugada por algum estudante corajoso (ou inconsequente). Luzes coloridas piscavam por trás das janelas, e havia pelo menos três pessoas dançando na varanda como se a vida dependesse disso.
— Essa é a festa? — Ethan perguntou, quase gritando por causa da música. — Parece uma rave improvisada num museu abandonado.
Daniel, por outro lado, estava animadíssimo. Seus olhos brilhavam com a energia de quem acabara de tomar três energéticos e um banho de adrenalina.
— Isso aqui, meu amigo, é vida universitária! Olha essa vibe! Olha esse povo estranho! Olha aquele cara com uma fantasia de abacate! — apontou com entusiasmo exagerado.
Ethan olhou. Tinha mesmo um cara vestido de abacate.
— Quem é o anfitrião disso?
— Não faço ideia — respondeu Daniel, abrindo caminho entre um grupo de pessoas vestidas como personagens de um filme indie dos anos 90. — Me disseram "vai ter festa sexta à noite" e eu nem perguntei mais nada. Só aceitei.
Ethan suspirou. O cheiro do ambiente era uma mistura agressiva de cerveja, perfume barato e suor universitário. Ele tentava parecer indiferente, mas cada segundo ali era um lembrete de que ele preferia estar em casa, deitado com um pacote de salgadinho vendo um vídeo de pontes colapsando em câmera lenta.
— Vou ali falar com o pessoal do meu curso, já volto! — gritou Daniel, acenando para um grupo de estudantes com cara de gente que tinha uma playlist inteira de bandas que ninguém conhece.
Ethan ficou ali, parado, segurando um copo de refrigerante que ele mesmo se serviu por precaução. Deu uma volta pelo ambiente. Muita gente dançando, outras gritando umas com as outras como se fossem surdas, um sofá com uma perna quebrada, copos vazios em cada canto, alguém discutindo sobre astrologia com um poste. Era o caos embalado em luzes neon.
Ele repetia mentalmente:
“Só vinte minutos... só vinte minutos... ela pode aparecer a qualquer momento... ou não... mas se eu for embora cedo, pelo menos tentei...”
Foi quando sentiu um peito bater nas costas dele.
Virou-se rapidamente e se deparou com uma loira baixinha, toda de rosa — da sombra cintilante ao tênis com glitter — com um look tão espalhafatoso que parecia uma paródia de si mesma. Cabelo preso com presilhas em forma de coração, uma bolsinha com orelhas de coelho e... um olhar de caçadora.
— Oi, gato! — disse ela, jogando o cabelo pro lado com força suficiente pra gerar uma pequena ventania. — Tá sozinho?
Ethan congelou. Seu cérebro travou como um computador velho.
— Ahn... oi. É... tô... esperando alguém.
— Que legal! Pode me esperar junto, se quiser. — Ela deu uma risadinha que parecia um ringtone dos anos 2000. — Qual seu nome, docinho?
"Docinho?", Ethan pensou, com pavor interno.
— Ethan. Eu, hã... tô só de passagem mesmo.
A loira se aproximou mais. Muito mais. Colocou a mão no braço dele com firmeza.
— Ah, para. Fica aqui comigo um pouquinho. Você é tão... sério. Gosto de homem sério. — Ela deu uma piscadinha dramática.
Ethan olhava em volta procurando uma saída, um buraco no chão, um botão de ejetar. Qualquer coisa. Ela não fazia seu tipo. Nem perto. Talvez fosse bonita para outros caras, mas Ethan... Ethan só pensava em ruiva misteriosa com lápis no coque.
— Eu... é sério... tô esperando alguém.
— É sua namorada? — Ela arqueou as sobrancelhas.
Ethan ficou mudo. Um erro fatal.
Foi nesse exato momento que Daniel surgiu como um milagre, interrompendo a cena com um sorriso maior que o ego dele:
— Aí está você, amor! — disse ele, abraçando Ethan pelos ombros com naturalidade absurda. — Tava te procurando! Já tava ficando com ciúmes aqui.
A garota loira piscou três vezes. O cérebro dela processando tudo como um sistema operacional bugado. Depois sorriu amarelo.
— Ahhh... desculpa então, não sabia que ele... né? — apontou entre os dois, fingindo uma risada. — Tudo bem. Boa noite pra vocês!
E saiu desfilando, balançando o glitter.
Ethan ficou olhando a cena, boquiaberto, como se tivesse presenciado um truque de mágica.
— O que foi isso? — perguntou, ainda sem saber se agradecia ou fugia.
Daniel deu de ombros, fingindo estalar os dedos como um herói de filme ruim.
— Vi você tentando escapar da Ivete ali e resolvi te salvar. Aquela menina é uma galinha, mano. Dá em cima de todo mundo da faculdade. Se você dissesse que era casado, ela ia perguntar “com quem?”. E ainda assim tentava.
— Ivete? — Ethan riu, aliviado. — Você sabe o nome de todo mundo?
— Não. Mas ela se apresenta pra todos os caras, então... né. Nome de uso coletivo.
Ethan respirou fundo. Pela primeira vez, ficou grato por Daniel ser exagerado em tudo.
— Valeu, sério. Achei que nunca ia sair dali.
— Que isso, amorzinho — disse Daniel, apertando a bochecha dele. — Sempre te protejo.
— Para, caramba! — Ethan se afastou, rindo.
— Só tô dizendo que, se a ruiva não vier, já tem um namorado de emergência aqui.
Ethan riu alto, mais relaxado. O clima estava caótico, sim, mas pelo menos agora ele não se sentia tão fora do lugar. Estava com Daniel, e isso significava que a noite podia render boas risadas — com ou sem a ruiva.
Mas no fundo, no fundo, ele ainda esperava que ela aparecesse.
Ethan já tinha olhado pro relógio do celular cinco vezes nos últimos dez minutos. Ele estava literalmente contando os segundos para escapar daquela festa. O plano era claro: vinte minutos. E se a ruiva não aparecesse nesse intervalo, ele sairia dali e voltaria para a sua zona segura — ou seja, sua casa, seus livros, e o mundo onde pessoas não dançavam em cima de mesas.
Só havia um problema: Daniel estava em todas as partes da casa ao mesmo tempo.
— Ei, Jéssica! — ele acenava de um lado.
— Lucas, seu sumido! — gritava do outro.
Ethan o observava, incrédulo.
— Como é que você conhece todo mundo nessa festa? — perguntou, franzindo a testa.
Daniel passou por ele segurando dois copos (ambos cheios, provavelmente nenhum era pra Ethan).
— Eu sou sociável, diferentemente de você, que parece um funcionário de repartição pública perdido numa rave.
— E ainda assim, com essa rede de contatos, você não sabe o nome da garota ruiva?
Daniel parou por um segundo. Deu aquele sorrisinho travesso, quase ensaiado. E respondeu como se contasse um segredo a um jornalista:
— Eu sei o nome dela.
Ethan arregalou os olhos, como se alguém tivesse lhe revelado que passou em Cálculo III sem colar.
— O quê?! Você sabe desde quando?
— Há algum tempo já.
— E por que diabos nunca me falou?
Daniel deu de ombros e tomou um gole do copo. Aquele olhar malandro continuava no rosto.
— Achei que era melhor você descobrir por conta própria. Você é o interessado, não eu. Ia ser mais... emocionante.
Ethan cruzou os braços, fingindo ofensa.
— Eu achava que você era meu amigo.
— Eu sou! Por isso mesmo fiz isso. Se eu te entregasse o nome de bandeja, ia ser igual quando você lê o final de um livro antes de começar. Eu queria que você criasse coragem, que tomasse uma atitude. Você não quer só o nome dela, Ethan. Quer ela.
Ethan fez um som de desgosto com a garganta. E então, sem pensar, agarrou a gola da camisa de Daniel e o puxou para perto com a força de um velho que acabou de descobrir que a aposentadoria foi adiada.
— Fala o nome dela, Daniel. Fala agora.
Daniel, sempre com aquele ar de “vilão simpático de comédia romântica”, soltou o clássico:
— Que tal... você perguntar diretamente pra ela?
E apontou com o queixo.
Ethan virou devagar, como se estivesse prestes a encarar um monstro mitológico.
E lá estava ela.
A ruiva.
Encostada na parede do outro lado do cômodo, conversando com uma amiga. Vestia um vestido verde escuro, que contrastava com o cabelo vibrante, preso em um rabo de cavalo meio bagunçado. Ela ria de algo que a amiga disse, e seus olhos pareciam brilhar até do outro lado da casa.
Ethan congelou.
O corpo inteiro dele travou.
Seus pés disseram “corre lá!”, mas seu cérebro disse “melhor fingir de morto”.
Ele se abaixou e se escondeu atrás da parede mais próxima, como se estivesse fugindo de um ataque aéreo.
Daniel teve que segurar o copo pra não cuspir a bebida de tanto rir.
— Você tá brincando, Ethan! — ele falou, chorando de rir. — Você parece um NPC que bugou.
— Cala a boca. — Ethan disse, ainda abaixado, tentando respirar. — Ela tava muito perto. Eu... eu congelei. Não sei o que aconteceu. Eu travei, cara. Travou tudo.
— Você fugiu como se ela fosse a polícia e você tivesse três crimes no currículo.
— Talvez eu tenha. Crime de ser um fracassado.
Daniel sentou do lado dele, ainda rindo.
— E eu achando que você ia tomar coragem. O máximo que você tomou foi distância.
Ethan respirou fundo, tentando recuperar a dignidade.
— Isso foi só uma reação instintiva. Reflexo. Igual quando a gente encosta na tomada e toma choque.
— A diferença é que, nesse caso, você é o fio desencapado.
Apesar do caos, Ethan ficou. Não chegou nem perto de falar com a garota ruiva. Mas ficou. A observou rindo, gesticulando com as mãos, abraçando amigas que chegavam. Cada gesto dela era magnético, como se o mundo ao redor diminuísse o volume quando ela aparecia.
E, mesmo escondido atrás da parede por alguns minutos, Ethan sentia que aquela noite tinha mudado alguma coisa. Talvez só um pouco. Mas o suficiente.
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Atualizado até capítulo 23
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