Capítulo 2

O semestre passou voando, como um carro desgovernado numa ladeira: rápido, caótico e com várias batidas na autoestima de Ethan. A faculdade de Engenharia Civil era tudo que prometeram — intensa, cheia de cálculos, noites mal dormidas e uma grande quantidade de café que provavelmente derreteria aço.

Mas, curiosamente, havia um detalhe que tornava os dias menos pesados.

A garota ruiva.

Ela passava todos os dias pelo mesmo corredor, no mesmo horário, como se estivesse seguindo um roteiro que só ela conhecia. Às vezes com uma jaqueta jeans, outras com um moletom desbotado, às vezes de vestido, outras com calça larga e tênis colorido. Cada dia, Ethan notava algo diferente: o coque mais bagunçado que o normal, os fones de ouvido com fios vermelhos, a forma como ela cumprimentava os amigos com um sorriso que durava pouco, mas parecia sincero.

Ele nem sabia seu nome, mas isso não impedia seu cérebro de compor mentalmente diálogos que nunca aconteciam.

“Oi, sou Ethan.”

“Legal.”

“Quer sair pra tomar um café?”

“Estou atrasada pra minha aula de física quântica aplicada em tubarões.”

Talvez fosse exagero, mas era assim que ele se sentia.

Enquanto isso, a amizade com Daniel ia de vento em popa. O estudante de Comunicação mais sarcástico do campus aparecia todos os dias no intervalo com alguma reclamação nova, uma teoria absurda ou um meme impresso (sim, impresso) para compartilhar.

Naquela quinta-feira em particular, os dois estavam na cafeteria do campus, sentados numa das mesas externas de plástico torto. O sol batia forte e o ventilador interno da lanchonete girava num ritmo preguiçoso, como se estivesse reconsiderando sua carreira.

Daniel estava com um pão de queijo numa mão e um suco de caixinha na outra, gesticulando como se estivesse em um TED Talk.

— Cara, minha professora fez a gente passar trinta minutos analisando a “linguagem corporal de uma escova de dente num comercial dos anos 2000”. Eu quase pedi demissão da minha própria matrícula. — Ele deu uma mordida dramática no pão de queijo. — Eu vi minha alma levantar e perguntar: “É isso mesmo que a gente vai fazer com a vida?”

Ethan riu, mastigando um misto frio.

— Escova de dente? E o que ela queria que vocês enxergassem?

— Emoção. Personalidade. “A escova transmite segurança e confiança na escovação.” — Ele imitou a voz da professora. — Irmão, é uma escova. Ela só quer limpar dente, não vencer o Oscar.

Ethan quase cuspiu o suco de tanto rir.

Foi então que aconteceu. O momento que partiu o tempo em dois.

Ela entrou.

A garota ruiva passou pela porta da cafeteria com a mesma calma de sempre, fones no pescoço, segurando um caderno e um copo de café. Vestia uma camiseta oversized com a estampa de uma banda indie que Ethan fingiu conhecer mentalmente. Cabelo preso num coque frouxo, um lápis atravessado entre os fios como se ela estivesse pronta para escrever um poema ou montar um míssil.

Ela pegou um canudo, girou no açúcar, deu um gole, e seguiu para a outra extremidade da lanchonete, sentando sozinha numa mesa perto da janela.

Ethan ficou paralisado com a mordida do misto a meio caminho da boca. Olhava como se tivesse visto uma aurora boreal passando pela praça de alimentação.

Daniel, é claro, não deixou passar.

— Ahá! Lá vem o olhar de "meu coração esqueceu como funciona". Você tá igual meu cachorro quando vê frango.

— Ela de novo — murmurou Ethan, tentando parecer casual e falhando miseravelmente.

— “Ela”. Eu amo como você fala como se fosse uma entidade mitológica. Tipo A Ruiva, a Encantadora de Engenharia. — Daniel apoiou o cotovelo na mesa e encarou Ethan com cara de coach. — Tá na hora, meu jovem gafanhoto. Chega de observar. Vai lá e fala com ela.

— Falar o quê? “Oi, tudo bem? Te admiro silenciosamente há quatro meses. Já sei até como você segura o copo com a mão esquerda.”?

— Sim. E depois você é preso.

— Exato.

Daniel bufou, divertido.

— Cara, você passou o semestre inteiro colecionando detalhes dessa menina na cabeça. Isso já é basicamente um PowerPoint emocional. Vai lá, pergunta o nome dela, ou sei lá, finge que ela deixou cair algo no chão. Eu te ajudo, posso fazer uma encenação. Eu tropeço, esbarro nela, você entra pra salvar a situação, tipo cena de novela mexicana. Tô pronto.

— Eu não vou fazer isso. — Ethan se encolheu na cadeira. — Só tenho curiosidade, sabe? É que… quando eu a vejo, parece que o dia pesa menos. Como se ela fosse um lembrete de que ainda existem pessoas interessantes por aí. Mas eu nem sei por quê.

Daniel o encarou por dois segundos, depois apontou com a bala que acabara de desembalar:

— Isso foi estranhamente profundo. Pra alguém que quase reprovou por esquecer de entregar um trabalho que estava na mochila.

— Obrigado. É um dom.

— Ok. Então não vai falar com ela. Mas um dia você vai, Ethan. Ou eu mesmo vou lá perguntar o nome dela e trazer um dossiê completo, tipo detetive particular.

— Por favor, não. Você com certeza perguntaria se ela escova os dentes com emoção.

Daniel ergueu o suco como quem faz um brinde:

— Ao amor platônico, às ruivas misteriosas e aos engenheiros emocionalmente covardes.

— E aos comunicadores dramáticos que analisam escovas.

Eles brindaram com seus copos de suco de caixinha e morderam seus lanches como se a vida fosse um episódio de sitcom mal roteirizado — e talvez fosse mesmo.

Lá fora, o sol seguia firme. Dentro da cafeteria, a ruiva ainda tomava seu café, alheia ao caos emocional que causava a dois metros de distância.

E Ethan... bem, Ethan ainda não sabia o nome dela, mas pela primeira vez, considerou a ideia de descobrir.

****

A última aula da sexta-feira parecia durar mais que um semestre inteiro. Ethan já não sabia se os rabiscos no caderno eram cálculos ou puro desespero artístico. O professor falava sobre estruturas hiperestáticas com a empolgação de quem narra um enterro.

Quando o sinal finalmente tocou, liberando a turma do cativeiro acadêmico, Ethan juntou as coisas com lentidão ritualística. Estava pronto para ir direto pra casa, tomar um banho gelado, comer qualquer coisa com queijo e, quem sabe, olhar pro teto enquanto pensava na vida.

Mas a calmaria durou exatos dez segundos.

— ETHAAAAN! — a voz surgiu como um trovão animado no corredor.

Daniel apareceu correndo, suado, com os cabelos bagunçados e um brilho no olhar que indicava que vinha encrenca.

— Mano! Festa hoje! No campus! Confirmadíssima!

Ethan nem piscou. Apenas respondeu com a convicção de um velho cansado:

— Não. Nem ferrando. Tenho trabalho de física estrutural pra entregar, leitura atrasada e um modelo 3D pra fazer. Eu tô enterrado, Daniel. Festa é o oposto do que preciso.

Daniel arregalou os olhos.

— Você é muito chato, cara. Sério. Um dia vão escrever um artigo sobre como matar o espírito universitário — “Estudo de Caso: Ethan, o Engenheiro Antissocial”.

— Título criativo — murmurou Ethan, enfiando os livros na mochila.

Daniel cruzou os braços, depois arqueou uma sobrancelha com um sorriso sacana.

— Tá. Então deixa eu te contar um segredinho... sabe quem vai estar lá?

Ethan nem levantou a cabeça.

— A Beyoncé?

— Melhor. A ruiva.

Aquilo fez Ethan travar. Literalmente. A mão parou no zíper da mochila. Ele olhou pra Daniel com uma expressão entre cético e curioso.

— Como você sabe?

Daniel deu um giro teatral.

— Quando o pessoal da república me entregou o convite, vi a mesma garota indo direto até ela no corredor. Estavam ali, ó — apontou para lugar nenhum específico — e eu ouvi o clássico “vai ter música, comes e bebes, muita gente legal”. Ela sorriu e disse algo que eu não ouvi, mas posso supor que foi um “vou pensar” com aquele jeitinho misterioso de ruiva que você adora.

Ethan ficou em silêncio. Fechou a mochila com força. O cérebro começou a entrar num loop interno de possibilidades.

— E se ela nem for?

Daniel riu alto.

— Cara... se você não for, você tem certeza que ela não vai. Se você for... pelo menos pode descobrir. E quem sabe ter sua chance de finalmente falar com ela. Ou só continuar babando discretamente do outro lado da pista de dança, o que você faz com maestria.

Ethan encarou o chão por um momento, depois Daniel, depois o chão de novo. Suspirou.

— Tá bom. Eu vou. MAS... — levantou o dedo — se ela não aparecer nos primeiros vinte minutos, eu vou embora.

Daniel fingiu cair de joelhos com as mãos ao céu.

— Vinte minutos?! Meu Deus, você tá indo pra um casamento ou um leilão de arte?! Que exigência é essa?!

— Não sou exigente. Só não quero virar figurante de novela universitária.

— Não é como se você fosse arrastar a garota até lá! — retrucou Daniel, sarcástico. — Ela não vai entrar e dizer: “Oi, Ethan! Estava esperando você desde o começo do semestre!”

Ethan riu, balançando a cabeça.

— Mas seria legal se acontecesse.

— Claro, romântico com expectativas surreais. Esse é o Ethan que eu conheço!

Daniel bateu nas costas dele com força e já foi puxando-o pelo braço.

— Bora, engenheiro. Vamo comprar roupa decente, você não vai aparecer nessa festa com essa camiseta que parece uma cortina de hospital.

E, entre protestos, piadas e planejamento tático para não parecer desesperado, Ethan foi convencido a fazer o impensável: sair da toca. Tudo por causa de uma ruiva misteriosa que nem sabia que tinha fã-clube de um membro só.

Mas ele não sabia ainda... aquela noite ia mudar tudo.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!