Algumas pessoas acreditam que depois da dor, o coração endurece.
Mas Rosa Maria sabia a verdade:
Depois da dor... o amor se torna ainda mais forte. Ainda mais precioso. Ainda mais raro.
A vida com Heliton era uma dança delicada entre luz e sombra.
Eles sorriam em cafés simples, riam alto em passeios inesperados, se perdiam em olhares nos corredores da casa nova que alugariam juntos.
Mas também brigavam.
Eram duas almas inteiras, feridas, aprendendo a dividir sonhos e medos.
Uma noite, depois de uma discussão boba sobre organização da casa, Rosa trancou-se no quarto e chorou.
Não porque Heliton a magoara.
Mas porque, pela primeira vez na vida, ela percebeu:
Estava brigando com alguém que não iria embora.
Alguém que a amava o suficiente para ficar, mesmo quando era difícil.
Amar depois da dor era isso.
Não era a ausência de conflitos.
Era a escolha diária de permanecer.
Dias depois, Rosa acordou com um bilhete na mesa:
"Vista-se confortável. Hoje é um dia especial."
Intrigada, seguiu as instruções.
Heliton a esperava no carro, sorriso maroto, olhos faiscando.
— Onde vamos? — ela perguntou.
— Surpresa.
E partiu sem dizer mais nada.
A viagem foi longa.
Cidades pequenas passavam pela janela como cenas de um filme antigo.
Rosa dormiu no caminho, com a cabeça encostada no ombro dele.
Acordou com o cheiro de eucaliptos e o som de água correndo.
Quando abriu os olhos, estava diante de um cenário que parecia arrancado de um sonho:
Uma clareira escondida no meio da mata, com um rio cristalino serpenteando entre as pedras.
E no meio da clareira... um pequeno altar de madeira, decorado com flores do campo.
Rosa levou a mão à boca, surpresa.
Heliton desceu do carro, deu a volta e abriu a porta para ela.
— Eu quis fazer algo que fosse só nosso — disse, estendendo a mão. — Algo simples. Verdadeiro. Como nós.
No altar, um senhorzinho de cabelos brancos sorria, ladeado por uma senhora de vestido florido.
— São meus pais — explicou Heliton. — Eles vão nos abençoar.
O coração de Rosa quase explodiu.
Sem testemunhas.
Sem luxo.
Sem pompa.
Apenas amor.
Puro.
Real.
Imortal.
O “casamento” foi breve.
O senhor, com a voz embargada, disse palavras sobre amor e reconstrução.
Sobre almas que se reconhecem mesmo depois de tantas guerras.
Sobre coragem.
Sobre entrega.
Quando chegou a hora dos votos, Heliton segurou as mãos de Rosa e disse:
— Eu prometo te amar nos dias fáceis e, principalmente, nos difíceis. Prometo segurar sua mão quando o mundo parecer desabar. Prometo ser o porto seguro depois de cada tempestade.
Rosa, com lágrimas nos olhos, respondeu:
— Eu prometo confiar em você mesmo quando o medo gritar. Prometo lutar por nós. Prometo não desistir, mesmo quando a dor tentar me convencer a fugir.
Selaram a promessa com um beijo demorado, embriagados pela brisa, pelo perfume das flores, pelas batidas aceleradas de seus corações.
Naquele instante, Rosa entendeu:
Amar depois da dor é escolher amar sabendo dos riscos.
É pular do precipício de olhos abertos.
E ela pulou.
Com Heliton.
Com a alma inteira.
O destino, no entanto, ainda tinha mais surpresas para eles.
Quando voltaram para casa, dias depois, Rosa começou a sentir-se diferente.
O corpo mais sensível.
Enjoos.
Tonturas.
Ela desconfiou.
Mas o medo a paralisava.
Aos 40 anos, depois de tantos traumas, será que ainda havia espaço para um milagre?
Comprou o teste de farmácia escondida.
Fez no banheiro, mãos trêmulas.
Esperou os minutos mais longos da vida.
E então...
Duas linhas apareceram.
Claras.
Firmes.
Definitivas.
Grávida.
Rosa deixou-se deslizar até o chão frio, lágrimas misturando-se ao riso incrédulo.
Amar depois da dor era isso também.
Era abrir espaço para a vida florescer, mesmo quando tudo em você dizia que era tarde demais.
Contar para Heliton foi uma mistura de nervosismo e alegria.
Ela o chamou para jantar.
Preparou sua comida favorita.
Tentou agir normal — e, claro, falhou miseravelmente.
Heliton percebeu algo.
Ele sempre percebia.
— O que foi, meu amor? — perguntou, arqueando uma sobrancelha.
Rosa colocou o teste em cima da mesa.
Heliton olhou.
Depois olhou para ela.
O tempo pareceu congelar.
Então, como numa explosão, ele a abraçou, a levantou no ar, girou com ela pela sala, rindo e chorando ao mesmo tempo.
— Nós vamos ter um bebê! — gritava, como um menino descobrindo o Natal.
Rosa ria.
Ria de felicidade.
Ria de medo.
Ria porque, pela primeira vez em muito, muito tempo, sentia que merecia ser feliz.
A gravidez foi uma jornada à parte.
Dias de felicidade.
Noites de insegurança.
Corpo mudando.
Coração expandindo.
Heliton, apesar de todo o caos na empresa, esteve em cada consulta.
Comprava livros sobre bebês.
Massageava seus pés inchados.
Falava com a barriga como se já conhecesse aquele pequeno ser.
— Você vai ser tão amada, minha pequena Rosa — murmurava.
E Rosa chorava baixinho, embalada pelas promessas sussurradas ao vento.
No sétimo mês, Rosa foi surpreendida novamente.
Chegou em casa e encontrou Heliton no jardim.
Ele havia plantado um roseiral inteiro para ela.
Centenas de rosas vermelhas, brancas e cor-de-rosa.
— Para que você nunca se esqueça — disse ele, sorrindo — que, mesmo depois da dor, é possível florescer.
Rosa caiu de joelhos, emocionada demais para falar.
O amor estava ali, em cada pétala.
Em cada raiz.
Em cada gesto.
Naquela noite, deitada entre os lençóis limpos, com Heliton acariciando sua barriga, Rosa pensou:
"Não importa quantas vezes eu quebrei."
"Não importa quantas tempestades enfrentei."
"No fim, eu floresci."
E adormeceu com um sorriso nos lábios, embalada por promessas não ditas.
Meses depois, a filha deles nasceu.
Veio ao mundo numa manhã chuvosa, gritando forte, viva, cheia de fúria e luz.
Rosa a segurou nos braços, lágrimas escorrendo livremente.
Heliton beijou suas testas, uma de cada vez.
— Você é a nossa tempestade e o nosso arco-íris — disse à pequena.
— Você é o nosso depois da dor — sussurrou para Rosa.
A casa, antes silenciosa, agora vibrava com choros, risadas e amor.
Era difícil.
Era exaustivo.
Era perfeito.
Porque, no fim das contas, amar depois da dor era isso:
Não era viver um conto de fadas.
Era construir um castelo de verdade — com pedras, com suor, com lágrimas, com mãos entrelaçadas.
E ver, dia após dia, as flores crescendo entre as cicatrizes.
Amar depois da dor não era esquecer.
Era lembrar — e, mesmo assim, amar de novo.
Amar melhor.
Amar mais forte.
Amar sem medo.
Anos depois, em outra tarde qualquer, Rosa e Heliton caminharam de mãos dadas entre as roseiras que ele plantara.
Sua filha, agora com cabelos dourados como o sol, corria à frente, rindo.
Rosa apertou a mão dele e sorriu.
— Você sabia, lá no começo? — perguntou.
Heliton olhou para ela, com aquele sorriso torto que sempre a desmontava.
— Eu sabia que seria difícil. — respondeu. — Mas também sabia que, com você, valeria a pena.
E ali, sob o céu dourado, entre as flores e cicatrizes, Rosa Maria soube, mais uma vez:
Amar depois da dor era a coisa mais corajosa, mais bonita e mais arrebatadora que ela já tinha feito.
E faria tudo de novo.
Mil vezes.
Por ele.
Por ela.
Por eles.
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Atualizado até capítulo 76
Comments
Arleson Quadros
?muito bom
2025-04-18
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