O som da chuva batendo no vidro era como uma canção de ninar, mas Rosa Maria não conseguia dormir.
Sentada na poltrona da sala, enrolada em uma manta, ela encarava o vazio da noite, perdida entre cicatrizes antigas e sonhos recém-nascidos.
Era estranho. Durante anos, ela acreditara que seu coração havia endurecido para sempre. Quantas vezes ela recolheu os pedaços de si mesma após histórias que prometiam ser diferentes — e acabavam iguais?
Quantas vezes havia sido chamada de "difícil", "complicada", "insegura"?
A verdade, nua e dolorida, era que Rosa Maria nunca tinha sido amada do jeito certo.
E isso deixava marcas. Invisíveis, mas profundas.
Heliton.
O nome dele flutuava nos pensamentos dela como um sussurro doce. A lembrança do jantar, da gentileza, da maneira como ele olhava para ela sem pressa... Tudo isso parecia tão fora de lugar na vida que ela conhecia, tão absurdo que quase doía acreditar.
Rosa encostou a cabeça no encosto da poltrona e fechou os olhos.
Ela tinha medo.
Medo de acreditar e se decepcionar de novo. Medo de abrir a porta do coração e encontrar lá dentro apenas os mesmos velhos fantasmas.
"Você é difícil de amar."
"Não é boa o bastante."
"Você já passou da idade."
Vozes do passado, ecos de homens que disseram que a amavam — mas a quebraram em silêncio.
Quando amanheceu, Rosa decidiu que não podia mais se esconder atrás dos seus traumas.
Se quisesse viver algo verdadeiro, precisava primeiro olhar para dentro. Encarar o que doía. Acolher o que sangrava.
Decidiu ir até o único lugar onde sempre encontrava um pouco de paz: o pequeno jardim comunitário do bairro, onde plantas esquecidas por todos floresciam teimosamente.
Ela vestiu um jeans gasto, uma camiseta simples e saiu de casa sem maquiagem, sem armaduras.
Ao chegar, o cheiro de terra molhada a envolveu como um abraço antigo. As flores, apesar da chuva da noite anterior, estavam eretas, desafiadoras.
Floresciam apesar das tempestades.
Rosa caminhou entre as roseiras e lavandas, deixando que o ar fresco lavasse sua alma cansada.
Parou em frente a uma roseira de flores amarelas — a cor da esperança.
Com as pontas dos dedos, tocou uma pétala úmida.
— Bonita, né? — disse uma voz atrás dela.
Ela se virou, surpresa.
Era Dona Amélia, uma senhora de cabelos brancos e olhos gentis, que sempre cuidava do jardim como quem cuida da própria vida.
— Muito bonita. — respondeu Rosa, sorrindo.
Dona Amélia se aproximou, apoiando-se na bengala.
— Sabe o que eu aprendi sobre essas flores? — disse a velha senhora, olhando para a roseira. — As mais bonitas são as que mais apanharam da chuva e do vento. Mas elas continuam crescendo... mesmo com os galhos quebrados.
Rosa sentiu um nó na garganta.
Era como se Dona Amélia estivesse lendo sua alma.
— A senhora cuida delas há muito tempo? — perguntou, tentando mudar de assunto.
— Há vinte anos. Desde que perdi meu marido. — disse a mulher, com um sorriso triste, mas sereno. — Venho aqui plantar para não deixar meu amor morrer.
Rosa se sentou em um banco de pedra próximo, absorvendo aquelas palavras.
— Às vezes a gente acha que acabou pra gente, né? — disse Dona Amélia, olhando para o céu nublado. — Mas o amor... ele é teimoso. Sempre acha um jeito de florescer de novo.
Rosa não respondeu. Apenas deixou que as lágrimas corressem livres.
Dona Amélia apertou sua mão com carinho.
— Deixa ele florescer, menina. Não importa se o coração tem cicatrizes. Elas só provam que você sobreviveu.
Naquela noite, Rosa ficou olhando para o telefone por longos minutos.
Heliton tinha mandado uma mensagem simples:
"Pensei em você hoje. Espero que tenha tido um dia leve."
Ela sorriu. Era tão diferente dos jogos e manipulações que conhecia. Tão leve... tão honesto.
"Pensei em você também." — ela respondeu.
E assim, devagarinho, Rosa começou a permitir que Heliton entrasse em sua vida.
Conversaram por dias, trocando mensagens, ligações, confidências. Nenhuma pressa. Nenhuma cobrança.
Heliton queria conhecê-la de verdade. Queria saber o que ela gostava, o que a fazia rir, o que a fazia chorar.
Rosa falou de seu amor por livros antigos, sua paixão por música francesa, sua mania de dançar sozinha na sala quando ninguém estava olhando.
Heliton contou de suas caminhadas matinais para clarear a mente, do café que ele mesmo fazia todas as manhãs — forte e sem açúcar —, da saudade que sentia da esposa, mas também da vontade genuína de viver um novo amor.
Era tudo tão cru, tão verdadeiro.
E, lentamente, Rosa Maria começou a se ver com outros olhos.
Não como a mulher quebrada que tantos fizeram ela acreditar que era.
Mas como alguém capaz de amar e ser amada de novo.
Alguns dias depois, Heliton a convidou para um piquenique no parque.
Rosa hesitou. A ideia parecia tão... jovem, tão fora da sua zona de conforto.
Mas ela disse sim.
E naquela tarde de sábado, entre risos, comida simples e olhares cheios de promessas, ela se permitiu ser apenas Rosa. Sem amarras. Sem máscaras.
Deitada na grama, observando o céu, sentiu Heliton deitar ao seu lado.
— Rosa Maria. — ele disse, olhando para ela como se fosse a coisa mais bonita que já tinha visto.
— Hum? — respondeu, fechando os olhos para sentir melhor o momento.
— Você é como essas flores aí. — ele apontou para um campo de margaridas selvagens. — Pode ter enfrentado tempestades, pode ter galhos quebrados... mas olha só como você floresce.
Rosa abriu os olhos e, pela primeira vez em muito, muito tempo, acreditou.
Talvez, só talvez, ela merecesse mesmo tudo aquilo.
Não porque era perfeita.
Mas porque era forte.
Porque tinha sobrevivido.
E agora, finalmente, estava pronta para florescer.
Na volta para casa, sentada no banco do passageiro, Rosa olhou para Heliton, que dirigia de maneira tranquila, cantarolando baixinho uma música antiga no rádio.
O sol dourava a estrada à frente deles, e Rosa percebeu:
A felicidade não era um trovão estrondoso que explodia de uma vez.
Era isso aqui — um sentimento morno, tranquilo, gentil.
Um florescer paciente, mas inevitável.
A vida dela estava mudando.
E, pela primeira vez, ela não sentia medo.
Sentia gratidão.
E amor.
Muito amor.
Por si mesma.
Pela jornada.
Por Heliton.
Pelas cicatrizes.
Pelas flores.
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Atualizado até capítulo 76
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