O silêncio de Elena era ensurdecedor.
Três dias haviam se passado desde a humilhação pública. Três longos dias em que o mundo dela virou poeira. Ela se trancara no apartamento, ignorando ligações, mensagens e até a luz do sol que teimava em entrar pela janela.
A cada nova notificação no celular, era como se alguém a empurrasse ainda mais fundo na lama.
Traidora. Mentirosa. Sem vergonha.
Eram essas palavras que enchiam sua mente, mesmo que soubesse que nada daquilo era verdade.
Mas em tempos de caça às bruxas, a verdade era só um detalhe.
Do outro lado da cidade, Lúcio tentava afogar a dor do abandono no ringue de boxe.
Socava o saco de areia com fúria cega, cada golpe uma tentativa desesperada de esquecer o que vira. De esquecer Elena nos braços de Matteo.
Seus punhos sangravam.
Seus olhos queimavam.
Mas a imagem dela não sumia.
Ela nunca sumiria.
Seu melhor amigo.
A mulher que ele amava.
Juntos.
E ele?
Nada mais do que uma lembrança para ser apagada.
O treinador gritou para que ele parasse.
Mas Lúcio socou o saco com tanta força que o suporte cedeu e o saco caiu.
Ofegante, curvou-se, apoiando as mãos nos joelhos.
— Chega — murmurou para si mesmo. — Chega.
Mas seu coração gritava o contrário.
Sabrina aproveitava o caos como uma borboleta que dança no fogo.
Cada mensagem de ódio que Elena recebia era uma pequena vitória.
Cada lágrima dela, um troféu.
Era uma questão de tempo até que Elena caísse de vez.
E quando isso acontecesse, Lúcio seria dela.
Sempre fora para ser dela.
Ela apenas corrigia um erro do destino.
Sofia foi a única que ousou bater na porta de Elena.
Quando não teve resposta, gritou:
— Eu sei que você está aí! — e continuou, a voz trêmula. — Você não pode se enterrar para sempre, Elena!
Silêncio.
— Eu trouxe sorvete!
Mais silêncio.
Sofia suspirou, sentou-se no chão do corredor e encostou-se na porta.
— Você prometeu que nunca ia desistir, lembra? — disse baixinho. — Nem dos seus sonhos. Nem de você mesma.
Do outro lado da porta, Elena fechou os olhos.
Ela se lembrava.
E essa lembrança a esmagava.
Naquela noite, Elena finalmente abriu o laptop.
O cursor piscava na tela em branco, zombando dela.
"Escreva sua história", dizia o plano de fundo que ela mesma escolhera meses atrás.
Como escrever algo, quando sua própria história havia sido arrancada dela?
Mas, com dedos trêmulos, começou a digitar.
"Meu nome é Elena Duarte. E esta é a história de como eu fui despedaçada. E reconstruída."
Escrever era sangrar sem morrer.
E naquela noite, Elena sangrou em cada palavra.
Lúcio não conseguia dormir.
Ele caminhava pelas ruas desertas, sem destino.
Passou pela ponte onde Elena o deixara.
O lugar parecia diferente agora.
Menor.
Vazio.
Assim como ele.
No banco da praça, viu Matteo sentado, a cabeça entre as mãos.
Por um momento, quis passar direto.
Mas algo no desespero do amigo — do ex-amigo — o fez parar.
Matteo o viu.
E pela primeira vez em semanas, não fingiu força.
— Eu errei — disse, a voz falhando.
Lúcio cruzou os braços.
— Você mentiu.
Matteo assentiu.
— Eu fui fraco. Quis ela tanto... que destruí a única coisa que ela amava.
Lúcio o encarou.
Quis odiá-lo.
Quis socá-lo.
Mas, acima de tudo, queria entender.
— Por quê?
Matteo levantou os olhos, vermelhos.
— Porque... ela nunca me olhou como olhava pra você.
Lúcio sentiu algo se partir dentro dele.
— Então você preferiu vê-la sofrer?
Matteo abaixou a cabeça.
— Eu preferi que ela precisasse de mim.
O silêncio caiu pesado entre eles.
Lúcio apertou os punhos.
E, finalmente, virou-se para ir embora.
Matteo não tentou impedi-lo.
Algumas pontes, uma vez queimadas, não podem ser reconstruídas.
Sabrina assistiu à interação de longe.
Ela não queria que Matteo confessasse.
Confissões eram perigosas.
Ela precisava que Matteo continuasse cego.
Precisava que Elena continuasse caída.
Tudo ainda não passava de um jogo.
E Sabrina nunca jogava para perder.
No dia seguinte, Elena criou coragem para sair.
Colocou uma calça jeans, um moletom largo, o cabelo preso de qualquer jeito.
Ela não era mais a mesma garota de semanas atrás.
Essa Elena era feita de cicatrizes.
E cicatrizes contam histórias.
Enquanto caminhava pela cidade, sentia os olhares.
Alguns curiosos.
Outros cruéis.
Mas pela primeira vez, ela ergueu o queixo.
Não era ela quem deveria sentir vergonha.
E mesmo que sua voz tremesse, ela ainda tinha algo a dizer.
Encontrou Matteo na mesma praça onde se conheceram.
Ele estava sentado no banco, olhando para o chão.
Ao vê-la, levantou-se, ansioso.
— Elena...
Ela ergueu a mão, silenciando-o.
— Eu não vim ouvir desculpas — disse, firme.
Matteo engoliu em seco.
— Então por quê?
Ela respirou fundo.
— Porque eu me recuso a ser definida pelas suas mentiras.
Matteo pareceu murchar diante dela.
— Eu sinto muito.
Ela assentiu.
— Eu também.
Sem mais uma palavra, virou-se e foi embora.
E dessa vez, Matteo soube que a perdera para sempre.
Naquela noite, Elena recebeu uma mensagem anônima.
Apenas um link.
Curiosa, clicou.
O vídeo mostrava Sabrina e Matteo discutindo.
Mostrava Sabrina planejando tudo.
Mostrava a traição verdadeira.
As mãos de Elena tremeram.
Finalmente, a verdade.
Mas o que fazer com ela?
Guardar?
Expor?
Ela fechou os olhos.
O passado não poderia ser desfeito.
Mas talvez... pudesse ser superado.
Enquanto isso, Lúcio recebeu a mesma mensagem.
Assistiu ao vídeo, o coração batendo descompassado.
As palavras de Elena ecoaram em sua mente.
"Eu não fiz nada errado."
E ela não fizera.
Era ele quem havia duvidado.
Era ele quem a deixara sozinha no pior momento.
Sem pensar duas vezes, pegou as chaves e saiu.
Precisava vê-la.
Precisava dizer o que nunca dissera.
Antes que fosse tarde demais.
Elena estava na ponte.
O vento frio cortava sua pele, mas ela mal notava.
Sentia-se leve, de uma forma dolorosa.
Como alguém que finalmente aceita que algumas feridas não cicatrizam — mas que ainda assim escolhe viver.
Ouviu passos.
Virou-se.
E o viu.
Lúcio.
O mesmo olhar que a fizera se apaixonar um dia.
Ele parou a poucos passos dela, sem saber se podia se aproximar.
Elena mordeu o lábio.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou, a voz rouca.
— Vi o vídeo — disse ele, simples.
Ela abaixou o olhar.
— Então agora você sabe a verdade.
Lúcio avançou um passo.
— Eu devia ter acreditado em você — disse. — Em nós.
Elena deixou escapar uma risada triste.
— Às vezes, amor não é suficiente.
Ele balançou a cabeça.
— Às vezes, é.
Ficaram em silêncio, as palavras pesando entre eles.
— Eu te amo, Elena — disse Lúcio, a voz baixa. — Não porque você é perfeita. Mas porque você é real.
Elena sentiu as lágrimas brotarem.
Mas dessa vez, eram lágrimas diferentes.
Tocadas pela esperança.
Ela deu um passo hesitante.
Depois outro.
Até que estivesse a centímetros dele.
Lúcio estendeu a mão.
Ela olhou para ele, o coração aos pulos.
E, finalmente, entrelaçou seus dedos nos dele.
Ali, naquela ponte onde tantos sonhos haviam terminado, talvez — só talvez — um novo pudesse começar.
E pela primeira vez em muito tempo, Elena sorriu.
Porque algumas feridas, embora nunca fechem, nos ensinam que ainda podemos amar mesmo assim.
(Continua...)
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Atualizado até capítulo 61
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