Capítulo 4
O fim de semana se aproximava trazendo com ele uma sensação estranha e desconfortável para Isabela. Desde o episódio com Juliana, que terminou com um tapa bem dado e uma ameaça velada, ela esperava algum tipo de repreensão de Leonardo. Mas ele permaneceu em silêncio. Nem uma única palavra sobre o ocorrido, nem uma bronca, nem um comentário irônico, nada.
Isso deveria tranquilizá-la, mas só a deixava mais inquieta. Aquela calma dele, aquele autocontrole que parecia inabalável, a fazia se perguntar se, em algum nível, ela havia mesmo ultrapassado um limite. Por mais que soubesse ter feito o certo, a dúvida martelava dentro dela: E se ele não tolerar esse tipo de atitude? E se eu perder esse emprego que, além de me realizar, me conectou com essas crianças tão especiais?
Na manhã de sábado, as crianças dormiam até mais tarde, aproveitando a preguiça do dia nublado. Helena apareceu no quarto de brinquedos com duas xícaras de café e um olhar travesso.
— Oi, heroína da semana — brincou, entregando uma das xícaras.
Isabela sorriu, exausta.
— Acha que ele vai me demitir?
— Leonardo? De jeito nenhum. Ele ficou em choque com a gravação da câmera, mas não do jeito que você imagina. Meu irmão… ele é mais observador do que parece. Não fala, mas pensa. Muito. Aposto que ainda está processando que você teve coragem de bater numa ex dele.
— Isso não me orgulha, sabe? — suspirou. — Mas aquela mulher foi cruel. Insinuou que eu estava tentando seduzir seu irmão. Na frente da equipe de segurança do prédio. Me chamou de oportunista.
Helena revirou os olhos.
— Juliana é um câncer do passado do Leo. Ele tem o péssimo hábito de deixar portas entreabertas com essas mulheres. Não porque gosta, mas porque evita conflitos. É péssimo pra isso. Mas algo me diz que com você vai ser diferente. Ele te respeita.
Isabela tomou um gole do café, hesitante.
— Eu só quero paz. Trabalho, carinho pelas crianças e, se possível, respeito.
Helena ficou em silêncio por um segundo, depois disse:
— Vai ter que se acostumar a ter muito mais do que isso por aqui. Porque você tá mexendo com o gelo. E quando o gelo começa a rachar, é porque algo quente demais tá por perto.
Elas riram juntas, e o clima ficou mais leve.
Na tarde daquele mesmo sábado, Leonardo apareceu subitamente na sala de estar. Usava roupas casuais — calça de moletom cinza e uma camiseta preta — e trazia nos braços Davi, que havia cochilado vendo um filme da Marvel.
— Ele pediu por você — disse, ao encontrar Isabela sentada no sofá com Laura enroscada em seu colo. — Eu tentei fazer ele dormir, mas só pediu pela ‘Bela’. Está ficando mal acostumado, hein?
Isabela sorriu, tentando manter o tom neutro.
— Ele é um doce. E ainda tá se adaptando à nova rotina. Quando está com sono, procura o que traz segurança.
Leonardo depositou o menino com cuidado no sofá, ao lado de Isabela, e sentou-se na poltrona próxima, observando a interação entre os três. Por alguns minutos, houve apenas silêncio. Laura cochilava, Davi respirava profundamente, e Isabela fazia carinho no cabelo dos dois.
Foi Leonardo quem quebrou o silêncio.
— Estou indo a um evento beneficente amanhã. Preciso fazer presença, infelizmente. Helena vai comigo. Pensei em levá-los também... e você.
Isabela o encarou, surpresa.
— Eu?
— É uma festa diurna. Aberta. Nada formal demais. Mas com muita imprensa, claro. Achei que seria uma boa oportunidade de sair com as crianças... num ambiente mais descontraído.
Ela hesitou.
— Não sei se é apropriado...
— Vai como babá. — O tom dele foi pragmático. — Mas também como alguém de confiança. E os meus filhos confiam em você.
Ela quis sorrir com aquela frase. “Alguém de confiança”. Era mais do que esperava ouvir da boca dele. Respirou fundo.
— Tudo bem. Se for importante pra eles, eu vou.
Ele assentiu.
— Helena vai te ajudar a escolher algo. É o tipo de evento que atrai atenção, e sei que isso pode ser desconfortável.
— Eu lido bem com atenção — respondeu ela, com um leve sorriso. — Desde que não venha carregada de más intenções.
Leonardo segurou o olhar dela por um instante. E, pela primeira vez, pareceu perdido.
O domingo chegou com céu limpo e sol forte. A mansão onde acontecia o evento ficava nos arredores da cidade, cercada por jardins perfeitamente cuidados e câmeras de todos os lados. Isabela, sob os cuidados fashion de Helena, usava um vestido azul de tecido leve, que realçava suas curvas com elegância e sem exageros. O cabelo preso num coque solto, maquiagem suave e sapatilhas nos pés.
Leonardo, como sempre, parecia saído de uma revista: calça social clara, camisa branca dobrada nos antebraços, óculos escuros e um leve perfume amadeirado que mexia mais com os sentidos de Isabela do que ela gostaria de admitir.
As crianças estavam animadas. Laura usava um vestidinho florido e Davi, uma miniatura do pai com seu blazerzinho cinza e cabelo bem penteado.
Durante o evento, Leonardo passou boa parte do tempo conversando com empresários e políticos. Mas seus olhos vez ou outra voltavam para o mesmo ponto: onde Isabela estava. Com as crianças. Com Helena. Sorrindo. Viva.
E não foi o único que a notou.
— Quem é a morena deslumbrante com as crianças? — perguntou uma mulher loira, se aproximando dele com taça de vinho na mão. — Nova aquisição?
Leonardo a reconheceu. Clara. Uma ex de quase dois anos atrás. Ambiciosa. Fria. E inconveniente.
— Ela é a babá dos meus filhos — respondeu com secura.
— Uma babá assim? Você está se superando. — Ela soltou uma risadinha forçada. — Vai me dizer que não houve nenhum teste de... afinidade antes da contratação?
— Não houve. E sugiro que não se refira a ela assim novamente.
Clara ergueu as sobrancelhas, surpresa com o tom.
— Uau. Alguém está se apegando.
— Alguém está ultrapassando os limites. — Ele bebeu o resto do espumante em um gole só. — Com licença.
Mais tarde, quando o sol começava a se pôr, Isabela ajudava Davi a montar uma pequena barraca infantil montada no jardim do evento. Estavam rindo juntos quando Leonardo se aproximou.
— Está se divertindo?
Ela olhou para ele, o sorriso ainda nos lábios.
— Muito. Laura descobriu que consegue correr de salto. Já avisamos que ela não pode, mas ela não se importa. Vai cair e dizer que a culpa é do salto.
— Você está linda — disse ele, de repente, com um tom baixo e firme.
Ela arregalou os olhos.
— Obrigada... senhor Vasconcellos.
— Leonardo. Aqui fora, sem formalidades.
— Tudo bem, Leonardo — ela respondeu, lentamente.
— Vi você falando com o Sr. Andrade. Ele é um bom homem, mas... mulherengo. Cuidado.
Ela franziu a testa.
— Está com ciúmes?
Ele a olhou, tenso. Quase sem piscar.
— Estou... cuidando da segurança da mulher que cuida dos meus filhos.
Ela sorriu de lado.
— Claro. Só isso.
Leonardo se inclinou, os olhos cravados nos dela.
— Por enquanto.
Foi Helena quem interrompeu a tensão crescente, chamando-os para tirar uma foto com as crianças no cenário do evento. Mas o ar entre eles já estava carregado. E ambos sabiam que estavam em uma linha tênue entre o profissional e o inevitável.
E essa linha estava ficando cada vez mais borrada.
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Atualizado até capítulo 22
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