Uma Nova Rotina

Capítulo 2

A semana passou com a rapidez típica de quem tem a vida ocupada demais para perceber o tempo. Para Isabela, os dias pareciam um turbilhão de risadas infantis, brinquedos espalhados, choros inesperados e a descoberta constante de que, apesar da frieza do chefe, aquela casa podia ter alguma luz.

Leonardo Vasconcellos, por sua vez, mantinha-se fiel à própria reputação: distante, exigente e pouco comunicativo. Passava o dia fora, às vezes voltava depois das crianças já estarem dormindo, e quando aparecia era sempre o mesmo roteiro — um olhar breve para os filhos, perguntas secas e ordens para a babá.

Mas algo começava a se modificar. Discretamente.

Na terça-feira, por exemplo, ele a observou pela porta entreaberta do quarto de Davi enquanto ela o ajudava com o dever de casa, incentivando-o com paciência e um sorriso encorajador. Na quarta, chegou mais cedo e encontrou os dois filhos empilhando almofadas para fazer um “castelo” na sala — e Isabela no meio, com uma coroa de papel feita por Laura na cabeça. Ele assistiu à cena sem ser notado, e, quando o viu, Laura correu até ele com a coroa nas mãos.

— Papai, faz um rei também?

Leonardo, sem jeito, colocou a pequena peça de papel na cabeça. Por alguns segundos, sorriu. Mas o sorriso desapareceu assim que percebeu que Isabela o observava.

— Já está na hora do banho. Vamos, Laura — disse seco, saindo com a filha no colo.

Na manhã de sexta-feira, enquanto preparava panquecas, Isabela foi surpreendida por um envelope deixado ao lado da cafeteira. Dentro, estavam dois ingressos para um musical infantil e um bilhete manuscrito com caligrafia precisa:

"Leve-os. Fique com o troco."

Sem assinatura. Mas ela sabia de quem era.

O gesto, ainda que frio e direto, a surpreendeu. Talvez não fosse um monstro, afinal. Ainda assim, ela não se permitia iludir-se.

Naquele mesmo dia, enquanto se arrumava para o passeio, Isabela ouviu um burburinho na sala. Helena tinha chegado para visitar as crianças — coisa comum, já que era muito próxima dos sobrinhos — e encontrou Isabela tentando controlar Davi, que insistia em usar capa de super-herói no teatro.

— Se você não deixar, eu vou gritar até o teto cair! — disse o menino, desafiador.

— E eu vou tampar os ouvidos e esperar você cansar — respondeu Isabela, calma.

Helena soltou uma gargalhada.

— Você lida com eles como se fossem seus.

— Talvez porque eu os entenda — respondeu Isabela, piscando para o menino, que já sorria, derrotado.

Helena ajudou a vestir as crianças e decidiu acompanhá-los até o teatro. Durante o trajeto, sentaram-se lado a lado no carro da empresa, que agora tinha um motorista exclusivo à disposição de Isabela nos fins de semana.

— Então… — disse Helena, como quem não quer nada. — Como está sendo trabalhar com meu irmão?

— Profissional. Rígido. Exigente. Frio. E um pouco... enigmático.

— Isso é o resumo de Leonardo Vasconcellos — respondeu a irmã, revirando os olhos. — Ele sempre foi reservado, mas depois que a Beatriz morreu... virou um poço sem fundo. E agora se cerca de mulheres que só prestam pra posar nas revistas. Como aquela Paola, por exemplo...

— Já tive o desprazer de conhecê-la — respondeu Isabela com um sorriso amargo. — Tentou me intimidar na frente das crianças.

— Paola é venenosa. E ciumenta. Vai tentar voltar com ele a qualquer custo. Se isso acontecer... esteja preparada.

Isabela assentiu. Estava começando a entender o jogo.

O teatro foi um sucesso. As crianças vibraram com o musical, cantaram alto, riram e — para orgulho de Isabela — comportaram-se como anjos. Na volta, Davi cochilou no ombro dela, e Laura quase dormiu no colo da tia.

Ao entrarem no apartamento, encontraram Leonardo sentado no sofá com o notebook no colo. Ergueu os olhos ao vê-los e fechou o notebook lentamente.

— Divertiram-se?

— Foi incrível, papai! — disse Laura, pulando em cima dele.

— Teve dragão! E música! E o Davi quase dormiu no meio do show — contou ela, animada.

Leonardo sorriu, ajeitando a filha no colo.

— Que bom.

O olhar dele se encontrou com o de Isabela por um breve instante. Foi rápido. Mas ela percebeu algo diferente ali. Alguma coisa entre curiosidade e... apreço?

— Eu vou pôr o Davi na cama — disse, afastando-se com o menino nos braços.

Helena ficou para trás, e quando Leonardo olhou para ela, sua expressão endureceu.

— Está gostando de brincar de tia, é?

— E você, está começando a gostar da nova babá, não está?

Ele franziu o cenho.

— Não misture as coisas.

— Ah, Léo... para de fingir. Eu te conheço. Você não olha assim para qualquer mulher.

Ele se levantou, pegando o notebook novamente.

— Ela trabalha pra mim. Fim de papo.

— Não por muito tempo, se continuar do jeito que está.

Na manhã seguinte, o sábado ensolarado trouxe consigo algo inesperado: uma visita de Paola.

Ela chegou sem avisar, como sempre fazia, e entrou como se fosse dona do lugar. Trazia um vestido justo, batom vermelho e o sorriso calculado.

— Leonardo está?

— Está descansando — respondeu Isabela, sem deixar de sorrir com educação.

— Ótimo. Tenho assuntos urgentes com ele. — Paola empinou o nariz.

— Então pode aguardar na sala.

Paola não esperava aquela firmeza. Sentou-se, cruzando as pernas como se estivesse em um trono.

Isabela continuou com os afazeres, mas Paola não perdeu tempo.

— Olha, querida, sei que você é nova aqui, então deixa eu te dar um conselho... Mulheres como nós não duram muito nesse ambiente. Especialmente quando acham que podem ser mais do que empregadas.

Isabela parou, virou-se devagar e a encarou.

— Você está insinuando algo?

— Só estou dizendo que você deve saber o seu lugar. E ele não é perto do Leonardo.

— Eu sei muito bem qual é o meu lugar. E também sei que gente como você precisa lembrar o próprio, antes que alguém lembre.

Paola riu, debochada.

— Você acha mesmo que ele vai se interessar por uma babá? Ele me ama, só está confuso. E vai te dispensar logo, como fez com todas as outras.

Isabela se aproximou, os olhos faiscando de raiva.

— Se você me atacar mais uma vez, especialmente na frente das crianças, eu não vou me segurar. Isso aqui não é passarela de ego. É a casa de duas crianças que precisam de estabilidade. E eu não sou como as outras. A próxima vez que abrir essa boca pra tentar me humilhar, vai se arrepender.

— Está me ameaçando?

— Estou avisando. Cuidado com o que você planta.

Paola se levantou, furiosa.

— Seu tempo aqui está contado.

Isabela deu um passo à frente, o olhar firme.

— O seu já passou.

No exato momento em que Paola se virou para sair, trombou com Helena, que estava parada na porta, ouvindo tudo.

— Pois é, Paola... — disse a irmã de Leonardo, cruzando os braços. — O tempo passa rápido mesmo. E tem gente que ainda não aprendeu a ir embora com dignidade.

Paola saiu sem dizer mais nada, o salto batendo alto pelo chão da cobertura.

Isabela suspirou. Helena riu alto.

— Eu disse que você era diferente.

— E ainda não viu nada — respondeu ela, com um brilho nos olhos.

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