A ÁRVORE DE LILIAH

CAPÍTULO 5: A ÁRVORE DE LILIAH

Myllestia estava levemente movimentada. Pessoas passavam seguiam suas vidas normalmente na praça e cocheiros pasavam com mercadorias, Alexsander e seu grupo seguiam em direção à guilda, até passarem em frente a um restaurante. Foi então que Noely notou uma placa chamativa, anunciando uma promoção do seu prato favorito.

— Pagando duas porções de dequaques assados com mel de rúbia, e levam quatro! — leu ela em voz alta, os olhos brilhando.

Sem hesitar, ela correu para dentro do estabelecimento, deixando Akira confuso.

— O que aconteceu? — perguntou ele.

— Dequaques assados. A Noely ama esse prato — explicou Jaspian. — Ah, Alexsander, eu vou parar por aqui. Preciso ver minha mãe.

— Claro, tudo bem. Mande lembranças a ela — respondeu Alexsander.

— Estou indo! — disse Jaspian, se afastando rapidamente.

— Bom, eu vou me juntar à Noely. Tô morrendo de fome — comentou Frederick em seguida.

— Beleza — concordou Alexsander, então se voltou para Akira. — E você, Akira, quer vir comigo até a guilda?

— Bora lá.

Assim, o grupo se separou. Akira e Alexsander seguiram até a guilda. Lá dentro, alguns aventureiros já estavam organizando missões e até mesmo planejando futuras expedições.

Enquanto Alexsander conversava com Tina, Akira percebeu que alguns aventureiros o observavam, cochichando entre si.

— Olha, não é o mesmo garoto de ontem?

— É sim... parece que ele tá no grupo do Alexsander.

— É um novato. Tina falou que ele tem uma grande quantidade de energia... e ainda por cima, dourada!

— Sério? Isso é verdade?

Mesmo que falassem baixo, Akira conseguia ouvir tudo. Foi quando Alexsander parou à sua frente, chamando sua atenção.

— Ei, qual é o problema? — disse Alexsander com uma risada leve.

— An!?... Ah, não, é nada — respondeu Akira, tentando disfarçar.

— Então beleza. Olha, me espera aqui. Parece que os líderes querem falar comigo.

— Líderes? — repetiu Akira, curioso.

— É isso aí — respondeu Alexsander, coçando a nuca. — Acho que esqueci de te falar... A guilda tem líderes. Eles podem nos convocar para missões especiais e também cuidam da parte burocrática. Enfim, não vou demorar.

Alexsander então subiu as escadas, deixando Akira no térreo.

O garoto se sentou perto da janela para esperar, observando o vai e vem de aventureiros que entravam e saíam da guilda. Por alguns instantes, tudo parecia tranquilo... até que o mesmo grupo de aventureiros que antes o observava se aproximou.

Eles caminhavam com passos lentos, mas firmes. Os olhares curiosos e julgadores não deixavam dúvidas: queriam saber mais sobre ele. Um deles, alto, de cabelos castanho-avermelhados e porte robusto, foi o primeiro a se pronunciar.

— Ei, você é o tal novato que tá com o Alexsander, né?

Akira ergueu o olhar, tentando manter a calma.

— Sou sim. Posso ajudá-los?

— Não... a gente só veio aqui pra te conhecer melhor — disse outro, um rapaz de olhos escuros e uma cicatriz no queixo. — Não aparece um novato em Edellian há anos.

— É isso aí. De onde você veio, garoto? — perguntou a terceira, uma garota de expressão leve, mas olhar penetrante.

Akira ficou levemente nervoso. Sentia os olhares curiosos e desconfiados pesando sobre ele. Não adiantaria contar a verdade sobre sua origem.

— Eu sou... da vila de Myllestia, aqui perto — respondeu, tentando soar natural.

A resposta pareceu pegar o grupo de surpresa.

— Myllestia? Nunca te vi por lá — comentou o rapaz da cicatriz, estreitando os olhos.

— Eu também não — disse a garota, se aproximando demais de Akira. — Você não tá mentindo pra gente, tá?

Akira sentiu um frio na barriga. Sua mão se apertou contra a perna, tentando disfarçar o nervosismo. Mas antes que pudesse responder, uma voz conhecida interrompeu:

— Ei! Deixem o meu garoto em paz, seus arruaceiros! — disse Alexsander, surgindo com um sorriso tranquilo no rosto, quebrando o clima tenso.

O grupo virou-se ao mesmo tempo.

— Alexsander! Você não falou que tinha um novato na área — disse o rapaz de cabelos castanho-avermelhados, cruzando os braços.

Pelo jeito, todos ali o conheciam bem.

— Bom, eu não gosto de sair por aí expondo os membros do meu grupo — respondeu Alexsander, ainda sorrindo.

— Mas podia ter, pelo menos, comentado que tava com um novo recruta — resmungou o da cicatriz.

— Eu achei ele bem fofo... — comentou a garota, agora sorrindo de forma provocativa. — Ele tem namorada?

Akira ficou sem reação, suas bochechas corando involuntariamente. Alexsander riu da situação.

— Por enquanto não — respondeu ele, lançando um olhar divertido para Akira. — Mas cuidado, viu? Ele é tímido.

A garota riu. O clima ficou mais leve, e os outros começaram a relaxar também. O grupo trocou mais algumas palavras, antes de finalmente se afastar, deixando Akira e Alexsander sozinhos.

— Desculpa por isso — disse Alexsander, colocando a mão no ombro de Akira. — Eles são meio intensos, mas não fazem por mal. A maioria só tá curiosa. Você chamou bastante atenção, akira.

Akira assentiu em silêncio, ainda sentindo o coração bater acelerado.

— Bom, toma aqui — disse Alexsander, entregando a Akira um saquinho de pano. — Essa é a sua recompensa. Aí dentro tem três moedas de ouro, vinte de prata e quatro de cobre. Você fez um bom trabalho na estrada.

Akira segurou o saquinho, surpreso.

— Ah, que isso... Eu não fiz nada, só fiquei parado — respondeu, um pouco envergonhado. — Além disso, eu quase levei uma flechada!

— Haha! — Alexsander riu da lembrança.

— Ah, eu quase morri e você dá risada? — retrucou Akira, fingindo estar ofendido.

— Foi mal aí — disse Alexsander, ainda rindo. — Mas olha, você mandou bem. E lembra só o que você falou? — Ele tentou imitar a voz séria de Akira: — "Vocês vão se arrepender..." Haha!

Alexsander caiu na gargalhada, e logo depois Akira também não conseguiu segurar uma risada leve.

— Ah cara, não me lembra disso... que vergonha — disse Akira, levando a mão ao rosto.

— Relaxa, você foi corajoso pra caramba. A maioria trava numa situação daquelas. Mas você ficou firme — elogiou Alexsander, batendo de leve no ombro do garoto.

Akira apenas sorriu, um pouco mais confiante.

Estranhamente, aquilo o fez lembrar de seu irmão. Havia algo naquele momento — simples, quase insignificante — que o tocava profundamente. Talvez fosse o modo como Alexsander falava com ele, ou o jeito natural com que o incluía no grupo.

Foi a primeira vez, em muito tempo, que Akira sentiu que estava sendo tratado com respeito.

Não como uma peça descartável ou uma promessa vazia, mas como alguém que realmente importava.

Havia algo de sutil e verdadeiro naquela amizade nascente.

Mal sabia ele que, a partir dali, algo muito maior começaria a se formar.

E que essa pequena fagulha de confiança seria apenas o início de uma lenda.

Do lado de fora da guilda, Akira e Alexsander se despediam sob a luz suave do entardecer.

— Olha só, Akira — disse Alexsander, cruzando os braços com um leve sorriso — amanhã a gente não vai fazer nada. Mas é bom você se preparar para a próxima missão. Ah, e em breve, vou te apresentar ao governo local... então recomendo que compre alguns equipamentos decentes.

— Ah, claro! Eu farei isso — respondeu Akira, com um aceno.

— E se precisar de ajuda, pode falar com a Noely. Só não deixa ela gastar todo o seu dinheiro, hein? — brincou Alexsander, piscando um olho.

Akira riu, balançando a cabeça.

— Vou tomar cuidado.

Com isso, os dois seguiram caminhos opostos pelas ruas de Myllestia. O céu tingido de laranja parecia anunciar que novos desafios estavam à espreita, mas, por ora, Akira apenas deixava os passos o guiarem, sentindo o peso das moedas no bolso... e algo novo no peito.

Uma semana se passou sem missões e sem notícias da misteriosa barreira mágica. O silêncio inquietante pairava sobre a cidade como uma sombra invisível e os problemas dela só iam aumentando.

Nos campos abertos além das muralhas, o som seco de espadas de madeira ecoava sem parar. O gramado, antes vivo, agora era terra batida e pisoteada. Ali, Noely treinava Akira todos os dias com ferocidade incansável.

— Haa! — gritou ela, avançando com as adagas de madeira. — É só isso que você tem, Akira?

Ele mal conseguiu bloquear o golpe, os braços tremendo, o suor escorrendo pelo rosto.

— Eu… tô tentando!

— Então tenta mais! — Noely girou e desferiu outro ataque, forçando Akira a recuar. — Você tem energia saindo pelos poros, mas se depender só da força bruta, vai morrer na primeira missão séria.

Akira rangia os dentes. Tentou contra-atacar, mas Noely desviou com facilidade e o derrubou com uma rasteira.

— De novo — disse ela, estendendo a mão.

Akira respirou fundo, aceitou a ajuda e se ergueu, ofegante.

— Você não pega leve, né?

— Claro que não.— respondeu com um sorriso selvagem. — Quero que você seja o melhor. E quando for, todo mundo vai saber quem foi sua mestra...

Akira, mesmo cansado, não conseguiu conter um pequeno sorriso.

vento balançava suavemente os cabelos dos dois. Por mais que estivesse exausto, Akira sentia dentro de si uma chama diferente crescendo.

— Se essa é sua vontade... então eu vou me esforçar — disse ele, com um leve sorriso determinado.

Akira avançou mais uma vez, e as lâminas de madeira voltaram a se cruzar. O ritmo do combate os envolveu por horas. Quando o sol já estava quase no ponto mais alto do céu, os dois descansavam à sombra de uma árvore quase sem folhas, o chão ao redor coberto de pegadas e marcas de impacto.

— Você já melhorou bastante — elogiou Noely, com um sorriso discreto, mas sincero. Seus olhos estavam fixos em Akira, avaliando cada progresso dele como uma mestra dedicada.

Akira ainda respirava ofegante, mas respondeu com gratidão:

— Valeu mesmo... as dicas que você me deu ajudaram muito.

Ele coçou a nuca, meio envergonhado.

— E... se não for incômodo, posso perguntar quem é a sua mestra?

Noely desviou o olhar para o céu por um instante. Havia algo sensível naquele assunto.

— Ela se chama Sasha. Mestra Sasha Bolviy. Foi uma das melhores espadachins que já conheci.

Fez uma pausa.

— Até... a gente brigar.

Akira ergueu as sobrancelhas, curioso.

— Vocês brigaram?

— É... — Noely assentiu devagar. — Ela queria que eu entrasse para a guarda real da cidade. Achava que era o único caminho pra eu crescer. Mas meu sonho sempre foi diferente... queria viver aventuras, sair pelo mundo com meus amigos, e ensinar, assim como ela me ensinou.

Ela suspirou.

— Só que ela achava que isso era um desperdício. Desde o dia que recusei, nunca mais nos falamos.

— Poxa... sinto muito por isso.

Noely olhou para Akira com um sorriso tranquilo, sem rancor.

— Tá tudo bem. Eu sei que um dia a gente ainda vai voltar a se falar. E até lá... vou fazer o meu melhor pra te ensinar tudo o que eu sei. Assim, quando eu reencontrar a Sasha, ela vai ver que eu também sou capaz.

Houve um breve silêncio entre os dois, preenchido apenas pelo som suave das folhas farfalhando com o vento.

Então, Noely mudou o tom, mais leve e provocador:

— Mas agora, falando sério... Akira, o que tá rolando entre você e a garota do vilarejo?

— Hã? Do que você tá falando? — tentou fingir, desconversando.

— Ah, não se faz de bobo! Você sabe muito bem de quem eu tô falando — provocou, com um sorriso malicioso.

— A Colette? Ela é só uma amiga, não tem nada demais entre a gente.

Noely estreitou os olhos, rindo.

— Ah, qual é... Vocês moram juntos, dormem na mesma casa e nunca rolou nada?

— Bom... é que... — Akira ficou claramente sem jeito. — Olha, eu acho que já tá na minha hora...

— Viu só? Foi só falar nela que você já quer correr pra ver a garota! — disse ela, rindo alto. — Tô de olho, hein!

Akira tentou esconder o sorriso enquanto se levantava. O dia ainda não havia acabado, mas havia algo naquela conversa — leve, divertida, mas cheia de sentimentos ocultos — que o deixava mais próximo das pessoas ao seu redor.

Akira caminhava pela estrada em direção ao vilarejo, distraído em seus próprios pensamentos. Murmurava consigo mesmo sobre Colette:

— Ela nunca sorri... está sempre com aquela mesma expressão neutra... — fez uma pausa e sorriu de leve — mesmo assim, ela é uma garota gentil...

Seus devaneios o afastavam da realidade ao redor.

Foi então que um cheiro pútrido e forte o fez parar. Algo vindo da floresta à margem da trilha chamou sua atenção. O odor era enjoativo, pesado, quase sólido no ar. Curioso — e desconfiado —, Akira desviou o caminho e adentrou a vegetação, afastando folhas e galhos.

A cada passo, o cheiro piorava. Um zumbido crescente de moscas preenchia o silêncio. Então, ele parou.

— O que será qu... — começou, mas engasgou com as próprias palavras.

Seus olhos se arregalaram. As pupilas dilataram. O estômago deu voltas.

No chão, jazia a metade inferior de um corpo humano. Tripas expostas, membros contorcidos e uma grande poça de sangue encharcavam o solo. Akira levou a mão à boca, sufocando um grito.

Ao levantar os olhos, viu o que restava da vítima: a metade superior pendurada por cordas improvisadas, presa ao galho de uma árvore. A cabeça caía para o lado, os olhos abertos e opacos o encarando sem vida.

Akira então vomitou.

Algumas horas depois...

Alexsander e seu grupo se reuniram nos limites da cidade. Todos estavam presentes: Akira, Noely, Jaspian e Frederick, reunidos ao redor das partes do corpo que Akira havia encontrado.

— Então foi assim que você o encontrou? — perguntou Alexsander, puxando o lençol que cobria o rosto da vítima.

— Eu estava voltando para o vilarejo quando senti o cheiro... — respondeu Akira, ainda em estado de choque.

— Isso não é nada bom — murmurou Alexsander, franzindo o cenho.

— Isso é terrível — comentou Noely, aproximando-se. — Alexsander, você... conhece essa pessoa?

Alexsander olhou para ela.

— Noely, você não se lembra dele?

Ela parou por um momento, tentando processar.

— Espera... ele... é o arqueiro do grupo de ladrões que encontramos há uma semana!.

— Isso mesmo — confirmou Alexsander.

— O que será que aconteceu com ele? Será que foi uma das máquinas que o Orion criou? — propôs Frederick.

— Impossível. Como o Akira mesmo disse, a parte superior estava pendurada pelo pescoço — respondeu Alexsander, levantando-se. — Jaspian, o que você acha?

— Para uma dedução rápida, há várias variáveis possíveis para o que pode ter acontecido... Mas consigo interpretar três cenários prováveis — disse Jaspian, com a firmeza de quem sabia exatamente do que estava falando.

— Então nos diga o que pode ter acontecido — pediu Alexsander, já esperando que a dedução ajudasse a clarear os fatos.

— Certo. Antes de começar, quero fazer uma pergunta: algum de vocês se lembra de ter visto esse arqueiro com o grupo de ladrões depois que os liberamos?, por que... eu não me lembro.

Houve um breve silêncio.

— Agora que você falou... eu não lembro de ter visto ele depois que o Alexsander os desamarrou — respondeu Akira, pensativo.

— É verdade... Eu também não me lembro dele — comentou Alexsander, levando a mão ao queixo. — Na verdade, acho que nem cheguei a vê-lo depois que rendemos o grupo todo... — Ele virou-se para Noely. — Noely, foi você que o rendeu, certo? O que aconteceu.

Noely franziu a testa, tentando se lembrar.

— Bom, eu lembro de ter rendido ele... E logo em seguida eu... eu... — a sua voz hesitou. — Eu não consigo-me lembrarar.

Jaspian encarou Noely por um instante, seus olhos afiados analisando não apenas suas palavras, mas o silêncio entre elas.

— Isso torna tudo ainda mais estranho... — murmurou ele, antes de se virar para o grupo. — Escutem. Com base nessa pergunta, esses são os três cenários mais prováveis:

Cenário um: Ele foi capturado antes mesmo de ser levado, logo depois que Noely o rendeu. Eram oito no total, tirando a garotinha. Possivelmente, uma nona pessoa apareceu sem que notássemos. Talvez ele nunca tenha saído da floresta... até agora.

Cenário dois: Baseando-se no primeiro, essa outra pessoa pode ter usado magia para enganar ou manipular a mente da Noely. Em seguida, levou o homem e o matou por enforcamento. Ou seja, alguém deliberadamente o colocou lá.

Cenário três: Também derivado dos anteriores: tanto Noely quanto nós podemos ter sido afetados por essa magia. Afinal, nenhum de nós sequer questionou por que ela saiu da floresta sozinha — A voz de Jaspian baixou, como se o peso da hipótese tornasse o ar mais denso. — Isso praticamente descarta a ideia de que ela tenha feito isso por vontade própria. Conclusão: nossas memórias foram manipuladas... ou apagadas.

O silêncio caiu como uma rocha.

— Bom... pelo menos ninguém aqui cometeu nenhum crime. Mas... você não acha que quem fez isso pode ter sido um dos próprios ladrões? — perguntou Frederick, engolindo em seco.

— Já descartei essa possibilidade — respondeu Jaspian friamente. — Nenhum dos membros do grupo demonstrou sequer perceber o desaparecimento repentino de um deles. É impossível ignorar um cenário em que uma nona pessoa tenha se infiltrado sem ser notada. E se esse for o caso... estamos lidando com alguém muito mais perigoso do que imaginamos. Talvez até alguém que use magia proibida.

— Você às vezes é assustador... — murmurou Noely, ainda visivelmente abalada.

Akira olhou para o corpo, agora coberto por um pano simples, e sentiu o estômago se revirar mais uma vez.

— Tá, mas se ele manipulou nossas memórias... então por que não continuou nos afetando? Por que só com ela? E além disso como o corpo dele ficou assim.

— Hm... isso eu ainda não sei dizer. Esse cenário é mais complexo — admitiu Jaspian. — Mas só o fato de estarmos diante de alguém que tem esse tipo de poder... já nos coloca em perigo.

Alexsander assentiu, o olhar sério.

— Certo. Eu e Jaspian vamos levar o corpo até a guarda real da cidade. Eles saberão o que fazer com ele. Akira, você, Frederick e Noely vão até a vila. Falem com Meilin — talvez ela possa identificar traços de magia... Talvez ajude a identificar o usuário.

— Entendido — disse Akira, firme.

— Tomem cuidado na estrada. Se algo estranho acontecer, ajam com cautela. E nunca se separem.

E assim, com o corpo de um homem morto e um segredo enterrado na floresta, o grupo se separou.

Akira, Noely e Frederick seguiram em direção ao vilarejo... sem saber que — à distância, oculto entre as árvores — a figura de antes os observava.

— Hm... olha só... eles parecem tão indefesos — sussurrou a figura oculta, deliciando-se com cada palavra que escapava de sua boca. Um sorriso psicopata se alastrou em seu rosto pálido, distorcendo-lhe a expressão. — E aquele tal de Akira... parece ser bem forte, não é? A quantidade de energia que ele carrega... é surpreendentemente alta.

Fechou os olhos por um breve instante, como se pudesse sentir aquela energia vibrando à distância, pulsando como um farol em meio à névoa.

— Agora falta pouco... minhas pequenas criaturas mecânicas — murmurou, com a voz mergulhada em um sussurro macabro.

Duas máquinas emergiram das sombras da floresta, seus corpos feitos de placas metálicas escuras e corroídas pelo tempo, como se tivessem sido escavadas de ruínas antigas e revividas por magia negra. Eram construções inconfundíveis — criações de Orion, o alquimista.

A primeira máquina era um Autômato de Mineração, apelidado por aventureiros como O Carrasco de Ferro. Tinha mais de dois metros e meio de altura, com braços longos que terminavam em brocas rotatórias e serrilhadas. No peito, uma fenda expunha um núcleo vermelho pulsante, rodeado por runas enferrujadas que giravam lentamente como um relógio. Seus olhos eram apenas dois círculos rubros incandescentes, emitindo um zumbido constante e ameaçador.

A segunda, conhecida como Sentinela Ciclópica, era menor em altura, mas mais robusta. Caminhava sobre quatro pernas metálicas, cada uma terminando em garras enferrujadas que deixavam marcas profundas no chão. Canhões de repetição surgiam de compartimentos laterais, capazes de disparar projéteis encantados. Essa máquina, originalmente usada para proteger Edellian, tinha funções de reconhecimento e ataque à distância, rastreando alvos com precisão cirúrgica.

Ambas estavam silenciosas, mas alertas — esperando apenas um comando. A figura oculta as observava com satisfação doentia.

— Orion... você os criou para proteger pessoas, mas agora... eles servem a um propósito maior — murmurou. — Um novo massacre está prestes a começar...

Seu sorriso macabro se manteve por um instante, até que sua expressão se contorceu numa raiva inexplicável.

— Vocês não perdem por esperar... vou matar todos. Sem exceção.

Após alguns minutos de caminhada, Akira, Frederick e Noely finalmente chegaram à vila. Conforme Alexsander havia pedido, Akira os guiou até a casa de Meilin para que ela pudesse analisar seus corpos. Quando ele ergueu a mão para bater à porta, ela se abriu no mesmo instante, surpreendendo-o com quem apareceu diante dele.

— Colete!... Que coincidência — exclamou Akira, surpreso.

— Digo o mesmo. Achei que você fosse demorar um pouco mais pra voltar — respondeu Colete com sua expressão serena habitual.

— Dá pra vocês dois saírem da frente da porta? — resmungou Meilin, surgindo logo atrás de Colete, carregando sacos de terra.

Colete deu um passo para o lado, abrindo passagem para Meilin, que parecia visivelmente irritada.

meilin lançou um olhar atento para Frederick e Noely. — o que querem ? — perguntou eu não estou disponível hoje, então não esperem que eu cuide da sua feridas.

—Na verdade viemos por outro motivo — respondeu Akira, ainda um pouco desconcertado pela coincidência. — Alexsander pediu pra trazê-los aqui. Pelo que parece, fomos enfeitiçados. Você poderia dar uma olhada e ver se encontra algum traço de magia... ou qualquer outra coisa?

Meilin bufou alto e empurrou a porta com o quadril para que todos entrassem.

— Eu sou uma curandeira, não uma maga — resmungou, revirando os olhos. — Mas entrem logo.

Assim que atravessaram a entrada, Frederick e Noely foram imediatamente envolvidos por um aroma adocicado e forte.

— Nossa... esse lugar tem um cheiro bem intenso de ervas — cochichou Noely, franzindo o nariz.

— Bom, eu sou uma curandeira. Esperava o quê? — respondeu Meilin com naturalidade.

— Ah... então você ouviu o que eu disse? Hehe... — murmurou Noely, envergonhada.

Frederick bufou, impaciente.

— Me desculpe por isso. A Noely tem um péssimo hábito de falar sem pensar.

— Tudo bem — disse Meilin, já caminhando para o interior da casa. — Vamos resolver isso logo. Tenho muita coisa pra fazer hoje. Venham comigo, vocês dois.

— E eu? — perguntou Akira, confuso.

— Só consigo atender duas pessoas por vez. Você espera aqui com a Colete.

Os três seguiram para um cômodo mais ao fundo da casa. Akira suspirou e voltou o olhar para Colete.

— O que deu nela?

— Ela está chateada. As plantas que ganhou de presente estão morrendo por que ela sabe cuidar delas — explicou Colete com tranquilidade. — ela veio me pedir ajuda, por que não entende muito de plantas que não sejam ervas medicinais.

— Ah, entendi...

Enquanto isso, no outro cômodo, Meilin examinava cuidadosamente os corpos de Noely e Frederick, que estavam levemente despidos para a análise. Por alguns minutos, ela apenas os observou, franzindo o cenho.

— Hm... Não vejo nada de anormal em vocês. Assim não vai dar — murmurou.

Ela então se aproximou, mais concentrada. Seus olhos começaram a brilhar suavemente. Agora, conseguia ver com mais clareza — e sim, havia algo diferente ali.

— Hm... Isso é estranho. Tem magia negra impregnada nos corpos de vocês. O que exatamente aconteceu?

— É isso que queremos descobrir — começou Frederick. — Mais cedo, Akira encontrou um cadáver. Descobrimos que a vítima fazia parte de um grupo de ladrões que rendemos alguns dias atrás. Mas tem um problema...

— Ninguém do nosso grupo se lembrava dele — completou Noely. — Nem mesmo o Akira, até entrar em contato com o corpo. E a gente também não se lembra de tê-lo capturado.

— Entendi... Então vocês querem recuperar essas memórias?

— Na verdade, viemos só pra saber se havia algo errado conosco — disse Frederick — mas, se você conseguir nos ajudar a lembrar, seria ainda melhor.

— É verdade — reforçou Noely. — Isso já ajudaria muito, principalmente se o Alexsander decidir investigar a fundo o que aconteceu.

Meilin soltou um leve suspiro, claramente impaciente.

— Pra que eu fui abrir minha boca...? — murmurou para si mesma, já se arrependendo de ter se envolvido mais do que devia. — Vamos ver o que eu posso fazer.

Enquanto isso, na sala, o silêncio entre Akira e Colete se estendia. Embora se conhecessem há algum tempo, nenhum dos dois parecia saber exatamente o que dizer. A quietude era confortável... mas ainda assim incômoda.

Foi Colete quem acabou quebrando o silêncio.

— Quer me ajudar a cuidar das plantas até sua vez chegar?

Akira, um pouco surpreso — já que ela normalmente não pedia ajuda — sorriu de leve.

— Não vejo por que não. Talvez mexer com terra ajude a passar o tempo.

Com um aceno discreto, Colete o conduziu até o quintal, onde várias mudas estavam organizadas em vasos de barro. Algumas delas estavam visivelmente ressecadas, enquanto outras pareciam encharcadas demais.

— Essas aqui foram as que a Meilin ganhou. Coloca um pouco de água e adubo na maioria... Mas nessa aqui — apontou para uma planta com as folhas caídas e o solo encharcado — acho que exageramos na rega.

Akira se inclinou, tocando suavemente uma das folhas.

— Essa planta aqui... ela não precisa de tanta água — disse, observando uma espécie que lembrava uma rosa do deserto. — Gosta de ambientes secos, com luz filtrada. Às vezes, o problema não é só a água ou a luz. Tem planta que sente o ambiente... ou até mesmo a energia de quem cuida.

Ele se moveu até outra muda e a analisou com atenção.

— Já essa está seca. Um pouco mais de água e sol deve ajudar bastante.

Colete arqueou uma sobrancelha, intrigada.

— Você parece entender bem de plantas.

— Um pouco. Lia em livros e enciclopédias. Minha mãe gostava muito de flores.

Por um instante, Akira pareceu se desconectar da realidade. Havia ternura em seu tom, mas também uma sombra de saudade. O silêncio que voltou a pairar entre eles agora era diferente — mais leve, quase íntimo.

— O que houve com ela? — perguntou Colete, olhando de relance. — É a primeira vez que escuto você falar de um familiar.

Akira hesitou antes de responder.

— Minha mãe... faleceu há um tempo, lá no meu mundo. Eu sinto falta dela.

Colete ficou em silêncio por alguns segundos. Ela viu Akira murchar, como uma flor perdendo o brilho.

— Sinto muito. Mas não fique triste por isso. Se você sente falta dela, é sinal de que viveram bons momentos. Fique feliz por eles terem acontecido. Além do mais... é natural que os filhos enterrem os pais. Tenho certeza de que, onde quer que ela esteja agora, ela está orgulhosa de você.

Akira ouviu aquelas palavras com atenção. Colete parecia compreender profundamente a dor da perda.

Foi então que, pela janela da casa, uma luz fraca começou a emanar. O brilho escapava pelas frestas da porta. Meilin havia iniciado alguma coisa. De repente, um grito estrondoso rasgou o ar, vindo de dentro da casa, seguido por sons de destruição — móveis quebrando, madeira estalando, vidros estilhaçando.

Akira e Colete se viraram imediatamente.

— O que foi isso?! — disse ele, já em alerta.

As paredes da casa começaram a tremer e, num estrondo, foram parcialmente rompidas. Noely e Meilin foram lançadas para fora como bonecos de pano, caindo no chão e ficando inconscientes.

— Noely! Meilin! — gritou Akira, correndo até elas. — Essa não...

— O que houve com elas?! — perguntou Colete, alarmada.

Akira mal teve tempo de responder. A porta estourou com violência e, de dentro da casa, surgiu Frederick — avançando em direção a eles como uma fera fora de controle. Akira rapidamente se posicionou à frente das garotas, em postura defensiva.

— Frederick?! O que você tá fazendo?!

Mas Frederick não respondeu. Seus olhos estavam turvos, sua expressão distorcida pela raiva. Ele rosnava como uma besta, completamente tomado por fúria.

O primeiro golpe veio com força brutal. Akira tentou bloqueá-lo, mas a intensidade era muito acima do normal. A luta começou ali mesmo, corpo a corpo, sem explicação, sem controle. Akira desviava e bloqueava os ataques como podia, enquanto tentava falar com o amigo.

— Frederick, sou eu! Você tá ouvindo?! O que aconteceu com você?!

Mas não havia resposta. Só mais violência. Em um momento de distração, Akira foi atingido em cheio no abdômen. Seu corpo voou pelo quintal, quebrando parte da cerca antes de colidir com força contra o tronco de uma árvore.

O impacto foi seco e brutal.

Akira se levantou com alguma dificuldade, os músculos protestando contra cada movimento. Sua respiração estava pesada, e o lado do corpo que bateu na árvore ardia como fogo. Mesmo assim, ele manteve os olhos fixos em Frederick, que não hesitava. Continuava avançando com a mesma fúria incontrolável.

Antes que Frederick pudesse alcançá-lo novamente, Colete se colocou à frente, estendendo os braços como uma barreira.

— Frederick, para! Olha pra mim! Você precisa parar com isso! Somos seus amigos

Mas o olhar de Frederick estava vazio de razão. Não havia reconhecimento, apenas raiva.

— Colete, sai da frente. Agora. — Akira falou com firmeza, mesmo ofegante. Sua voz não era de ameaça, mas de urgência.

Colete hesitou, olhando de Frederick para Akira. Ela queria ajudar, mas também sabia reconhecer o perigo.

Akira deu um passo à frente e, com delicadeza, afastou Colete, protegendo-a com o próprio corpo. Não queria machucá-la, mas também sabia que, se ficasse ali, ela corria risco.

Frederick atacou.

O soco veio com força total e Akira, no reflexo, se esquivou parcialmente, tentando conter o golpe com o braço. Mesmo assim, passou por ele como atingiundo a árvore logo atrás. O tronco estremeceu com o impacto, a madeira rachou em um estalo seco.

Se aquele golpe tivesse acertado em cheio...

Akira recuou, mantendo os olhos fixos no amigo.

— Isso não é você, Frederick... Você tá ouvindo? Não é você! Pare.

Mas Frederick não ouvia. Ou se ouvia, já não podia responder. Seus movimentos eram rápidos, precisos — como se não estivesse mais no controle do próprio corpo. Um marionete dominado por alguma força obscura.

Após várias tentativas frustradas de chamar Frederick de volta à razão, Akira enfim entendeu: palavras não seriam suficientes. Ele teria que lutar.

Por um breve instante, uma lembrança surgiu, vívida em sua mente — um flash do passado, de um dos seus treinamentos.

[Flashback]

— Akira, presta bem atenção — dizia Frederick com um tom habitual. — o inimigo não vai recuar se não revidar,

[Fim do flashback]

Akira inspirou fundo, os olhos voltando à realidade. Encarou Frederick com pesar.

— Aí, Frederick... me perdoa por isso! — gritou, desviando de um golpe e revidando com um soco direto no rosto do amigo.

O impacto foi forte. Por um segundo, Frederick parou — o punho de Akira ainda pressionado contra sua face. Mas então, lentamente, seus olhos se voltaram para ele, mais furiosos que nunca. Não havia dor. Apenas ódio.

Akira mal teve tempo de reagir.

Com um chute violento, Frederick o lançou contra a parede da casa. O impacto foi brutal — a madeira rachou com o som seco da colisão, e Akira desabou no chão, tonto. O mundo girava ao seu redor, e a visão escurecia nas bordas. Mal conseguia manter os olhos abertos.

No chão, sem forças, ele viu Frederick pegar uma estaca de madeira caída por perto. O amigo — ou o que restava dele — avançava decidido, tomado por uma fúria cega. Aquilo já não era mais Frederick.

Akira arregalou os olhos. Era tarde demais para qualquer reação.

— Akira! — gritou Colete, o coração disparado, a mão pressionada contra o peito.

No instante seguinte, uma figura surgiu Um som metálico ecoou pelo quintal.

CLANG!

Alexsander apareceu de repente, empunhando seu espadão com precisão. Usando a lateral da lâmina, acertou Frederick com força, arremessando-o vários metros adiante, como se ele não pesasse nada.

— Agora, Jaspian! — ordenou, com a voz firme e autoritária.

Jaspian surgiu logo atrás, os olhos brilhando com energia arcana. Com um gesto rápido, conjurou correntes de luz que envolveram o corpo de Frederick, prendendo-o com firmeza. Ele se debatia violentamente, tentando se soltar a qualquer custo.

— Fica quieto aí Frederick... — murmurou Jaspian, se aproximando e borrifando um líquido no rosto de Frederick. Era uma solução mágica.

Aos poucos, a respiração de Frederick começou a desacelerar. Seus músculos pararam de se contorcer, e o brilho sombrio em seus olhos vacilou, como uma vela prestes a se apagar.

Akira ainda estava caído no chão, tentando recuperar o fôlego. Seu corpo doía, o peito arfava. Mas estava consciente.

— Chegamos bem a tempo — disse Alexsander, já com um tom mais leve e o sorriso habitual voltando aos poucos ao seu rosto.

Colete, aliviada, finalmente respirou fundo. A tensão que a paralisava se desfez, e ela se ajoelhou ao lado de Noely. Por ora, o pior havia passado.

Com tudo mais calmo, Colete cobriu Meilin com um lençol leve no quarto, cuidando para que ela descansasse. Ao lado, Noely também repousava, ainda inconsciente, mas com os sinais vitais estáveis.

Na sala, Frederick começou a despertar, sentado sobre um colchonete improvisado perto da parede quebrada. Levou a mão à cabeça e soltou um gemido baixo.

— Olha só quem finalmente acordou — disse Alexsander, encostado na parede com os braços cruzados, observando-o com atenção.

— Minha cabeça... parece que vai explodir — murmurou Frederick, com a voz fraca.

— Isso deve passar em alguns minutos — respondeu Alexsander, num tom leve, embora ainda atento. — ai, pessoal! Ele já acordou!.

Poucos segundos depois, Akira e Jaspian entraram pela cratera que Frederick havia aberto anteriormente.

— vocêja voltou ao normal? — perguntou Akira, se adiantando com um sorriso aliviado no rosto, mesmo ainda coberto de poeira e sujeira. — Você começou a atacar todo mundo do nada.

Frederick tentou forçar um sorriso, mas desviou o olhar, visivelmente constrangido.

— cara, foi mal. Eu quase acabei com você.

— Ah, qual é. Você consegue fazer melhor que isso — resmungou Akira, num tom leve, sem hostilidade. — Mas... espera aí, você lembra do que aconteceu?

Frederick, olhando para as próprias mãos.

— Em partes... sim. Eu lembro, Meilin estava tentando ajudar a gente a se lembrar do que aconteceu na estrada naquele dia. Eu tomei alguma coisa,... e depois apaguei, eu também me lembro de ter atacado você.

— isso foi a magia que colocaram na gente na quele dia, ainda bem que o Akira segurou a onda até eu e Jaspian chegarmos — comentou Alexsander. — Mas ninguém aqui precisa mais se preocupar. Im dos líderes nos ajudou com uma solução mágica pra remover o feitiço... e tambem ja sabemos quem está por trás de tudo isso.

— Já sabem? — perguntou Akira, intrigado.

Jaspian foi rápido em responder:

— Sim. Esta manhã, uma carta chegou até o governador. Nela, dizia que o mago responsável pela criação da barreira ao redor de Astolfírria escapou da prisão.

— Espera aí... — questiono akira — o mago que fez barreira? Mas a Colete disse que ninguém nunca mais ouviu falar dele, ou sabia onde ele estava desde... o massacre a vila a anos atrás.

— E Porque o Alexsander e eu o prendemos — explicou Jaspian. — Era um segredo guardado a sete chaves. Nem mesmo as vilas e cidades próximas podiam saber disso.

— Os líderes da guilda e o governo sabiam que, se a população descobrisse, não haveria como conter o caos — continuou Alexsander. — Aquele mago causou muita destruição desde que apareceu aqui.

— Provavelmente, o povo inteiro iria querer fazer justiça com as próprias mãos — completou Frederick, um curto silêncio tomou conta e ele levou a mao a testa — Que droga... então ele está solto de novo... E a Noely? Provavelmente vai querer arrancar minha cabeça pelo que eu fiz.

— Ela está bem — respondeu Akira — mas, sinceramente, acho que você deveria se preocupar mais com outra coisa...

Alexsander apontou para a cratera na parede com um leve sorriso irônico.

— É melhor você preparar uma boa desculpa. Vai por mim, você não vai querer ver a Meilin brava com você.

Frederick soltou um suspiro derrotado.

— Bom, e agora? O que a gente faz? — perguntou Akira, olhando para os outros.

Alexsander deu alguns passos até o centro da sala, assumindo naturalmente uma postura de liderança.

— Já tenho um plano. Por enquanto, vamos nos reorganizar. Deixem a Noely descansar e se recuperar. Quando todos estiverem de pé... a gente parte pro próximo passo.

O dia foi se acalmando aos poucos, dando lugar a uma brisa suave que dançava pelas colinas. No alto de um pequeno morro, Akira permanecia sentado sob uma árvore imponente — que um dia fora repleta de flores lilases tão vibrantes quanto magia viva, mas agora... murchava lentamente. As pétalas caíam como lembranças ao vento, tingindo o solo com tons apagados de um passado exuberante. Os galhos outrora cheios agora deixavam-se ver entre as folhas que resistiam, e o tronco, parcialmente ressecado, parecia sussurrar o fim de um ciclo.

Lá de cima, Akira observava a vila em silêncio. Colete ajudava Frederick e os outros a reconstruir a cerca destruída durante a confusão. O som das marteladas e das conversas distantes misturava-se com o farfalhar do vento — e com os pensamentos que o consumiam.

— Bonita, não é? — disse uma voz familiar atrás dele.

Akira virou-se, ainda imerso em seus devaneios.

— O quê?

— A árvore — repetiu Alexsander, parando ao lado dele com um sorriso tranquilo. — Gosto de vir aqui às vezes... só pra ficar olhando. Esse lugar me ajuda a pôr as ideias em ordem.

Mesmo em seus últimos dias, a árvore ainda guardava algo de belo — uma memória viva do que já foi e do que, talvez, pudesse florescer outra vez.

— É... você tem razão — murmurou Akira, voltando o olhar para a vila. — Ela é bonita mesmo.

Seu tom era distante, como quem busca respostas no horizonte.

Alexsander sorriu com leveza, então se virou para a árvore e repousou uma mão sobre o tronco áspero.

— Mas... não sei se a gente tá falando da mesma coisa.

Akira não respondeu. Parecia longe dali.

— Por que você não se declara logo pra ela? — disse Alexsander, sentando-se ao lado dele com naturalidade.

— Me declarar? Pra quem?

— Ah, Akira... a Colete, é claro. Já tá mais do que óbvio que você gosta dela.

— O quê?! Não, eu não... não é isso... — tentou disfarçar, desviando o olhar, mas sem muita convicção.

Alexsander soltou uma risada breve, dando um leve empurrão no ombro do rapaz.

— Tá certo... continua se enganando, então. Mas se eu fosse você, falava logo com ela. Antes que seja tarde demais.

O silêncio voltou, mas agora havia um sorriso tímido escondido nos lábios de Akira.

A árvore acima deles seguia perdendo suas flores, mas naquele instante, parecia menos triste. Como se também soubesse que algumas coisas, mesmo morrendo... ainda podem renascer.

Foi então que Alexsander quebrou o silêncio, a voz mais suave:

— Sabe... eu e minha esposa costumávamos vir aqui pra ver o pôr do sol. Ela amava essa árvore.

Akira se virou um pouco, surpreso pela confissão.

— Ela era muito importante pra você, não era?

— Muito — respondeu Alexsander, com o olhar fixo na terra. — Ela se sacrificou pra salvar a Lia. Eu a enterrei bem aqui... — Disse isso enquanto estendia a mão e tocava o chão ao lado da raiz da árvore. — Foi o último desejo dela.

Akira respirou fundo, tocado por aquele momento.

— Eu nem consigo imaginar sua dor... sinto muito por você.

— Obrigado. Mas, sabe... eu não tô triste com isso. A Lia... ela é igualzinha à mãe. — Apesar da lembrança dolorosa, Alexsander sorriu. — Ainda é só uma criança, mas já tem a mesma curiosidade, o mesmo olhar.

O vento soprou mais uma vez, balançando as pétalas já frágeis da árvore, como se a própria natureza reconhecesse a importância daquele instante.

Mais populares

Comments

mr.browniie

mr.browniie

Quero mais, quero mais, quero mais! 🤩

2025-04-11

1

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!