Capítulo 1

Clara e Isadora eram irmãs gêmeas idênticas. Mesmo rosto, mesma voz — mas corações completamente diferentes.

Clara era doce, tranquila, e casada com Rafael Salazar, um advogado sério, mas apaixonado. Já Isadora era impulsiva, invejosa e sempre viveu à sombra da irmã.

Naquela noite, as duas discutiam no carro. Isadora estava furiosa porque Rafael nunca olhou para ela como olhava para Clara.

— Ele nunca vai te amar como me ama! — Clara gritou.

— É isso que você acha? — Isadora respondeu, amargurada.

Então veio o acidente. O carro derrapou na pista molhada e bateu com força. Tudo ficou em silêncio.

Quando Isadora acordou, percebeu que Clara estava desacordada. Ela olhou em volta e teve uma ideia cruel.

Trocou os documentos de lugar, colocando os de Clara com ela mesma. Assim, quando fossem encontradas, todos pensariam que Isadora tinha morrido... e que Clara havia sobrevivido.

Mas o plano foi além.

No hospital, Clara acordou com amnésia. Não lembrava de nada — nem do próprio nome. Quando perguntaram quem ela era, respondeu com a única coisa que ouviu alguém dizer:

— Isadora...

E assim, Clara passou a viver como Isadora... sem saber a verdade.

Já a verdadeira Isadora, viva e sem ferimentos graves, pagou um homem para “adotar” a irmã em segredo. Depois, tomou a identidade de Clara e assumiu a vida dela — inclusive o casamento com Rafael.

Rafael nunca soube da troca.

Acreditou que sua esposa, Clara, havia sobrevivido ao acidente. Mal sabia ele que agora vivia com a irmã errada.

Enquanto isso, Clara, com outro nome e sem memória, seguia sozinha... até que o destino resolvesse juntar todos de novo.

Meses se passaram desde o acidente. Clara — agora vivendo como Isadora — levava uma vida simples, adotada por um homem distante e silencioso, o tal "pai adotivo" que a verdadeira Isadora havia contratado para completar o teatro da mentira.

Ela não fazia ideia de nada.

A amnésia deixara um vazio onde sua vida costumava estar. Tudo que sabia era o nome que todos usavam com ela: Isadora.

Não havia fotografias, nem visitas, nem lembranças. Apenas aquele nome e a sensação constante de que algo estava errado.

Naquela manhã chuvosa, o homem que a chamava de filha entregou-lhe uma folha de jornal. Um anúncio circulado em vermelho.

> "Precisa-se de auxiliar de escritório. Meio período. Escritório Salazar & Associados."

— Vai começar a trabalhar — disse ele, seco como sempre. — Já tem tempo demais sem fazer nada.

Ela assentiu. Não porque queria obedecer, mas porque, no fundo, sentia que precisava sair daquele lugar. Precisava encontrar respostas — mesmo sem saber as perguntas.

---

O sobrado antigo tinha um ar melancólico. Pintura desgastada, janelas empoeiradas. A placa da fachada carregava um nome que ecoava dentro dela, sem motivo aparente:

> Salazar & Associados.

Ela respirou fundo e empurrou a porta. A secretária a recebeu com um olhar cansado.

— Isadora, certo? Sente-se. Ele já vai te chamar.

Ela esperou em silêncio. O som do relógio na parede marcava os segundos com uma precisão irritante. As mãos dela tremiam.

Quando a porta do escritório se abriu, ela entrou devagar. E então o viu.

Rafael.

Ele estava ali, como uma lembrança viva.

Cabelos escuros, um pouco mais longos do que nas fotos que um dia estiveram em um porta-retratos esquecido. Olhos castanhos intensos, profundos, que pareciam buscar algo — ou alguém.

— Você deve ser a nova auxiliar — disse ele, sem saber que estava diante da mulher que amou.

Ela engoliu em seco. Algo dentro dela vibrou, como se sua alma o reconhecesse, mesmo que sua mente não conseguisse explicar.

— Sente-se, Isadora.

Aquele nome. Aquela voz.

Ela sentou-se devagar, sem saber que aquele homem, que agora lhe dava ordens, era seu marido. Que aquele sobrenome na porta era, na verdade, o dela. Que aquele escritório era o último lugar onde deveria estar — e o único onde talvez reencontrasse a si mesma.

E assim começou tudo de novo. Como um fio solto sendo puxado.

E mais cedo ou mais tarde... a verdade viria à tona.

O dia no escritório passou como uma neblina espessa.

Isadora — ou melhor, Clara, ainda sem saber disso — passava de mesa em mesa com uma prancheta nas mãos e uma confusão crescente na cabeça. Era como viver num lugar que, ao mesmo tempo, lhe era novo e absurdamente familiar.

Rafael falava pouco, mas a observava demais. Cada vez que ela entrava na sala, ele parecia vacilar por um segundo antes de voltar a ser o chefe distante e profissional. Como se algo nele gritasse que já a conhecia — mas fosse incapaz de entender de onde.

— Você lembra se já trabalhou com documentos jurídicos? — ele perguntou em certo momento, os olhos fixos nos dela.

Ela hesitou.

— Acho que não. Mas algumas coisas parecem... intuitivas.

Rafael apenas assentiu, mas a dúvida crescia silenciosa em seu olhar. Ele conhecia aqueles trejeitos. Aquela forma de segurar a caneta, de franzir a testa quando concentrada. Era como ver um fantasma.

---

No fim do expediente, a chuva fina voltava a cair sobre a cidade. Isadora caminhou de volta para casa envolta no próprio silêncio. A voz de Rafael ainda ecoava em sua mente, assim como o olhar dele — como se ele enxergasse algo que nem ela conseguia ver.

Ao chegar, o pai adotivo já estava dormindo. A casa estava escura, fria e silenciosa, como sempre.

Ela se enfiou no banheiro e acendeu a luz fluorescente. O espelho a recebeu com a mesma expressão confusa de sempre.

Encostou os dedos no próprio rosto.

— Quem é você? — sussurrou.

Não era só uma sensação. Era um vazio real. Como se aquele rosto não fosse exatamente o seu. Como se as feições tivessem sido rearranjadas, curadas por uma cirurgia que ela não lembrava de ter feito.

Uma cicatriz fina ainda cruzava a linha do couro cabeludo. E sob os olhos, a sombra do que poderia ter sido um trauma. Mas o que mais incomodava era a sensação de que sua memória — seu reflexo — estava mentindo.

Ela passou a mão no vidro, como se pudesse limpar a imagem e ver além.

> "Será que esse sempre foi o meu rosto?"

> "E se não for?

[..]

Naquele instante, Rafael estava chegando em casa. Tirou os sapatos, pendurou o casaco e olhou em direção à cozinha, onde ela — a mulher que ele conhecia como Clara — preparava o jantar, com aquele jeito distraído de sempre.

Ele sorriu, como se tudo estivesse bem. Como se não houvesse nada errado.

Mas havia.

Ele só não sabia ainda.

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