O parto começou ao amanhecer, quando o céu ainda estava coberto por nuvens densas, e a neblina rastejava lentamente pelos jardins do palácio como dedos gelados tocando o chão. Dentro da câmara silenciosa, o ar estava tenso, pesado de expectativa e medo. A rainha gritava em dor, seus lençóis encharcados de suor e sangue. Parteiras corriam de um lado para o outro, murmurando orações entre os dentes, como se temessem não a morte da mãe, mas algo mais — algo que não podiam nomear.
E então, ela nasceu.
O silêncio que normalmente precedia o choro de um recém-nascido foi quebrado por um som agudo, cortante como vidro quebrando. O choro da criança não era doce, nem frágil. Era alto, forte, quase um grito — não de vida, mas de desespero. O bebê se contorcia nos braços da parteira com movimentos espasmódicos, os punhos cerrados, os pés se encolhendo como se o próprio ar queimasse sua pele. A pele era pálida como a neve, úmida e trêmula. Mas o que fez todas as mãos vacilarem foi o olhar.
Dois olhos abertos, ainda envoltos em lágrimas, brilharam com um tom vermelho intenso, como brasas acesas no escuro. Olhos que pareciam antigos demais para um ser tão pequeno. E no centro do peito da criança, uma marca negra — redonda, perfeita, como se tivesse sido desenhada a fogo — pulsava suavemente, como se fosse viva. De dentro dela, finas rachaduras se espalhavam como raízes, como garras silenciosas agarradas à sua pele.
O pânico foi imediato. A parteira deixou escapar um grito abafado e quase deixou o bebê cair. Um guarda, postado à porta, deu um passo involuntário para trás. E a rainha, ainda exausta e sangrando, ergueu o pescoço com esforço para ver o fruto do próprio ventre… e chorou. Mas não de emoção. Chorou de medo.
— A maldição da bruxa… — alguém sussurrou. A frase pairou no ar como fumaça, envenenando cada pessoa naquela sala. E ali, no instante mais frágil de uma vida, quando tudo que uma criança precisa é calor e proteção, eu fui rejeitada. Ainda sem saber falar, sem saber quem eu era ou por que o mundo já me odiava, eu fui marcada como culpada.
Fui enrolada em trapos, não em seda. Meus berros foram abafados por murmúrios e orações nervosas. Ninguém me beijou a testa. Ninguém me chamou de “minha pequena”. Em vez disso, fui levada às pressas pelos corredores escuros do palácio, longe do olhar do povo, longe da luz, como se eu fosse uma coisa suja a ser escondida.
Meus primeiros dias de vida não foram celebrados com flores ou festas. Fui colocada, ainda frágil, em um velho barraco perto do palácio. A madeira das paredes era velha, lascada, rangia a cada sopro de vento. Não havia berço, só um cesto de palha improvisado. O teto vazava. O ar era frio, úmido, e o silêncio ali era absoluto — o tipo de silêncio que machuca. Eu tremia. Chorava até perder a voz, até os pulmões arderem, até meus olhos, vermelhos e ardentes, fecharem de puro cansaço.
O mundo era escuro. Frio. Tudo o que eu conhecia era a dureza do chão sob meu corpo, o ar úmido que machucava meus pulmões, e a fome... a fome que me queimava por dentro como brasas que não se apagavam. Eu não sabia o que era calor. Não sabia o que era carinho. Mas eu conhecia aquele som. O rangido da porta. O estalo dos passos apressados no chão de madeira. Era ela.
A mulher.
Ela sempre vinha assim: em silêncio, com o rosto duro e os olhos apertados como se não quisesse me ver. Seu cheiro era diferente do mofo do barraco. Era o cheiro do leite quente que fazia meu corpo se contorcer de necessidade antes mesmo que eu entendesse o que era aquilo. Eu chorava. Alto. Agudo. Como se só meu grito pudesse provar que eu existia.
Ela se agachava devagar, com movimentos rígidos, como quem segura uma criatura perigosa. Suas mãos, ásperas e hesitantes, me levantavam como se eu queimasse. Seu olhar nunca encontrava o meu. Seus lábios estavam sempre cerrados. E ainda assim, ela puxava o pano que cobria seu peito e o expunha diante de mim.
Era tudo o que eu queria.
Me agarrei ao seu seio com pressa, com desespero. Minhas mãos pequenas se fechavam em punhos ao redor de sua pele, e minha boca faminta sugava com força, engolindo rápido, quase sem respirar. O leite era quente. Vivo. Como um sol engarrafado. Ele escorria pela lateral da minha boca e se misturava às lágrimas que nunca paravam. Era a única coisa que me acalmava — não o toque dela, não sua presença, mas o alívio momentâneo da dor que me corroía por dentro.
Senti quando ela tremeu. O corpo dela sempre tremia. Ela se encolhia enquanto eu sugava, como se estivesse sendo drenada por algo que a enojava. Eu não entendia o que era medo, mas sentia o cheiro dele nela. Denso. Amedrontado. Como se a qualquer momento eu fosse morder, arranhar, ferir. Eu era só uma fome envolta em carne. Um erro que chorava. Uma maldição que mamava.
Quando eu terminava, ela me soltava rápido demais. Me deixava cair sobre os panos sujos como se suas mãos estivessem queimadas. Eu soluçava. Ainda faminta. Ainda querendo um pouco mais de calor que nunca vinha. Mas ela já cobria o seio, se afastando como uma sombra que foge da luz. Às vezes, ela olhava para mim por um breve segundo, com olhos cheios de uma mistura amarga de pena e repulsa. Nunca dizia nada. Nunca me chamava por nome algum. Apenas fechava a porta atrás de si, e eu voltava ao escuro. Ao frio.
Ao silêncio.
Meu mundo inteiro era fome e medo. E o único colo que me sustentava me fazia sentir, mesmo tão pequena, que eu era algo a ser suportado — nunca amado.
Enquanto outras crianças recebiam canções de ninar, eu aprendi a dormir com o som da minha própria angústia. Enquanto outras eram embaladas por braços quentes, eu fui deixada sozinha, envolta por correntes invisíveis de desprezo e medo. O povo dizia que meu nascimento trouxe tempestades, secas e colheitas ruins. Tudo o que acontecia era minha culpa. Tudo o que quebrava, murchava ou morria… era culpa minha. Mesmo que eu ainda nem soubesse falar. Mesmo que eu só soubesse chorar.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 51
Comments