Durante gerações, a família imperial manteve o controle firme sobre o pequeno e isolado reino de Liebya. Apesar de seu tamanho modesto, Liebya era conhecido entre todos os reinos por uma característica sombria: seu ódio visceral à magia. Enquanto outros povos temiam ou veneravam os abençoados pela mana, os habitantes de Liebya cultivavam um ressentimento profundo e violento.
Os humanos, frágeis diante de outras raças e incapazes de manipular a mana, viam os usuários de magia com inveja e temor. Essa inveja se transformava facilmente em desprezo e ódio. Em Liebya, qualquer um que demonstrasse afinidade com a magia era considerado uma ameaça à ordem estabelecida — uma afronta à supremacia humana que o reino tanto buscava impor.
O povo era incitado desde cedo a denunciar, perseguir e até mesmo caçar os chamados "abençoados". Esses indivíduos eram vistos como aberrações, traidores da própria humanidade. E o rei de Liebya, mais implacável do que qualquer um de seus antecessores, levava esse ódio ao extremo. Sob seu comando, os abençoados eram caçados como criminosos, expostos em praças públicas, humilhados e executados sem piedade, tudo em nome da pureza e do controle.
Liebya não apenas temia a magia — ela a odiava com fervor. E nesse solo envenenado pelo preconceito, qualquer faísca de poder arcano era rapidamente esmagada.
O rei de Liebya era um homem fraco disfarçado de tirano. Incapaz de liderar com sabedoria, ele reinava com punho de ferro e um medo irracional daquilo que não compreendia — principalmente da magia. Sob sua ordem, incontáveis mulheres foram acusadas de bruxaria e levadas à execução. Nenhuma investigação, nenhum julgamento justo. Apenas fogo, gritos e cinzas.
Ele via as bruxas como criaturas demoníacas, sementes do caos, ameaças à sua autoridade instável. E quanto mais o povo temia, mais poder ele sentia em sua cadeira manchada de sangue.
Entre tantas execuções brutais, houve uma que ficou marcada na memória do reino — e que, silenciosamente, mudou seu destino.
Ela era uma mulher simples, de olhos fundos e uma presença que fazia o ar parecer mais denso. Acusada de feitiçaria, foi capturada por soldados e arrastada pelas ruas sob vaias e pedradas. Mas o horror não terminou ali.
Ela já não lutava. Já não gritava. O corpo estava fraco demais para resistir, mas a alma... a alma queimava viva.
De joelhos, com os pulsos presos por correntes ásperas e os cabelos sujos colando-se ao rosto ensanguentado, a bruxa encarava o horror com olhos arregalados — olhos que já tinham visto demais. Ela tentou chamar pela filha, mas a voz não saiu. Tudo dentro dela havia se partido quando os soldados, rindo, arrastaram a menina para o centro da praça.
— Por favor... não. Não com ela...
Mas suas súplicas foram ignoradas. O rei, sentado em seu trono improvisado entre as bandeiras do império, apenas observava. Sorria, satisfeito com o espetáculo do sofrimento.
A menina gritava. Um som pequeno, frágil, engolido pelos risos de um povo envenenado. Ela tinha só dez anos. Era pequena demais para entender por que estavam fazendo aquilo com ela. O vestido azul, costurado com carinho pela mãe, rasgado à força. A inocência, arrancada entre o sangue e o pó da terra.
A bruxa gritou até a garganta rasgar. Tentou se arrastar, implorou, mordeu a língua e cuspiu sangue de tanto se debater contra as correntes. Mas tudo era em vão. Os guardas a seguravam com firmeza. Queriam que ela visse. Que ela sentisse.
E ela sentiu.
Sentiu o coração se despedaçar, lento e cruel, como vidro sob um martelo. Sentiu a alma se contorcer de dor, de impotência, de ódio. A respiração falhava. O ar pesava. A realidade parecia um pesadelo em que ela não podia acordar.
Quando o corpo pequeno da menina foi jogado ao chão, sem vida, os olhos da bruxa se apagaram por um segundo. E nesse segundo, algo dentro dela quebrou para sempre.
Ela já não era mais humana. Não era mais mãe. Era dor encarnada.
Mesmo quando foi levada para a estaca, amarrada com cordas que cortavam sua carne, não gritou. Não pedia clemência. Ela encarava o rei com olhos vazios, negros como um poço sem fundo. E então, com a voz tremendo de ódio e poder, começou a cantar.
Não era um cântico bonito. Era um lamento maldito, cada palavra escorrendo como veneno, alimentado por uma dor tão profunda que o próprio mundo pareceu parar para ouvir. Uma canção antiga, esquecida até pelos deuses. Uma maldição nascida da injustiça mais cruel.
Ela não queria apenas vingança. Queria que ele sofresse. Que visse tudo que amava apodrecer diante de seus olhos, assim como ela viu. Que chorasse como ela chorou. Que gritasse como sua filha gritou.
A multidão riu. Mas o céu se calou.
O céu escureceu subitamente. Um vento cortante soprou por entre os corpos imóveis da multidão, e uma sombra negra — densa, viva — se ergueu de suas palavras como se tivesse sido arrancada do próprio inferno. A maldição voou como uma lança em direção ao rei.
Mas o que ninguém sabia era que o rei, paranoico e covarde, havia feito um pacto secreto com uma bruxa mercenária. Ela o protegia das maldições que tanto temia, e foi ela quem desviou o feitiço no último segundo.
A maldição ricocheteou e atingiu a rainha, que observava tudo do alto da sacada, em silêncio. Naquele momento, ela estava grávida — a esperança do trono. O rei ficou paralisado. Ordenou a morte imediata da bruxa, e ela foi calada para sempre entre chamas. Mas o estrago parecia feito.
Nos dias seguintes, a corte mergulhou em paranoia. Guardas dobrados, conselheiros vigiados, orações e exorcismos sem fim. Mas, estranhamente, nada aconteceu. A rainha continuou saudável. A gravidez seguiu tranquila. Nenhum sinal de corrupção, nenhum presságio sombrio.
Aos poucos, os rumores se dissiparam. O povo passou a rir da maldição como se fosse apenas um último suspiro de desespero de uma mulher vencida.
Mas mal sabiam eles que o feitiço lançado naquele dia não havia falhado. Ele apenas estava esperando... crescendo nas sombras do ventre da rainha.
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Atualizado até capítulo 51
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