Anjo sob Dor
Enquanto eu crescia, desejei a morte tantas vezes que perdi a conta. Ela era como uma velha conhecida que me observava da escuridão, sempre à espreita, sempre oferecendo o alívio que o mundo me negava. Não havia um só espelho em que eu não visse minha própria ruína. Cada manhã era uma batalha. Cada noite, um suspiro de cansaço que não acabava. E, mesmo assim, eu não fui capaz. Não por covardia... mas por exaustão. Eu estava tão cansada que nem morrer conseguia.
Eu achava que minha maldição acabaria me levando. Que ela me mataria lenta e silenciosamente, como vinha fazendo desde o início. A cada lua cheia, meu corpo se transformava em um campo de guerra. A dor não era apenas física — era uma chama que queimava dentro de mim, corroendo carne, osso, alma. Eu me contorcia em silêncio, longe dos olhos dos outros, sufocando gritos, mordendo os lábios até sangrar para não acordar ninguém. Eu me sentava e esperava. Esperava que fosse a última vez. Esperava que, finalmente, o coração parasse. Mas ele continuava batendo… sempre batendo.
E eu me perguntava, noite após noite: o que eu fiz? O que fiz para merecer tanto ódio, tanta rejeição, tanto abandono? Meu crime foi existir? Nascer? Carregar algo dentro de mim que eu nunca pedi? Eu sabia que o mundo era injusto. Mas viver nele era como andar em chamas todos os dias e ainda ser culpada por gritar de dor.
E, no fundo, eu achava que morrer era a única saída.
Mas agora... anos depois... com a morte finalmente me olhando nos olhos, com seus dedos frios ao redor do meu pescoço, eu percebo que não. Eu não quero morrer. Não assim. Não agora.
Porque eu encontrei algo. Algo que me deu chão. Algo que me deu coragem para seguir respirando mesmo nos piores dias. Eu encontrei amor. Não aquele amor frágil das histórias que contam para enganar meninas... mas amor real. Aquele que cura, que acolhe, que toca a alma. Eu encontrei alguém que me olhou e não viu uma maldição. Viu a mulher por trás das cicatrizes. Viu o meu coração, mesmo partido, e decidiu amá-lo.
E agora que finalmente sei o que é viver — por que isso está acontecendo?
A neve cai em silêncio, como se respeitasse minha dor. Flocos delicados repousam sobre meu corpo ferido, sobre minha pele gelada e sem cor. Meus dedos estão entorpecidos, quase azuis. O frio me invade como lâminas, cortando sem piedade. Cada respiração parece uma faca entrando pelos meus pulmões — ardente, áspera, insuportável. Minha visão oscila, turva, e as bordas do mundo começam a desaparecer em um branco interminável.
Mas nada... nada disso se compara à dor que vive dentro de mim agora.
Minha mão trêmula, coberta de sangue seco e fresco, se arrasta até minha barriga. Inchada, pesada, ainda quente. Ainda viva.
— Meu filho...
A palavra escapa de mim como um sussurro quebrado. Não sei se alguém ouviu. Não sei se importa. Mas eu disse. E cada sílaba pesa mais do que o mundo inteiro.
Eu lutei. Meu Deus, como eu lutei. Eu me arrastei por cada inferno, carregando meu corpo ferido, minha alma em pedaços. Sobrevivi a dores que ninguém deveria sentir. E agora... agora que eu ia ter meu filho em meus braços... é assim que tudo acaba?
O medo me invade como um mar gelado. Não é um medo comum. É um medo ancestral. O medo de não vê-lo nascer. De não poder embalá-lo. De não ouvi-lo chorar pela primeira vez, de não saber se ele tem meus olhos ou o sorriso de quem eu amo. O medo de ele nascer no mundo que me destruiu, e eu não estar lá para protegê-lo.
Estou sozinha.
Tão sozinha.
Minha pele arde, minhas pernas não se movem mais, minha boca está seca, e as lágrimas congelam no rosto antes mesmo de escorrerem.
E mesmo assim... eu luto. Ainda respiro. Ainda seguro minha barriga como se isso pudesse me manter aqui por mais um segundo.
Eu tenho medo. Medo de morrer agora. Medo de partir quando finalmente havia encontrado um motivo para ficar.
Se houver algo lá fora… alguém… qualquer coisa que me escute… por favor.
Não por mim. Mas por ele.
Salvem o meu filho.
Quando volto no tempo, mesmo que só dentro da minha mente, consigo ver tudo com uma nitidez quase cruel. As lembranças não me confortam — elas me assombram. Consigo me lembrar de cada momento que vivi, como se fossem pedaços de um espelho quebrado onde ainda vejo meu reflexo: os caminhos que escolhi seguir, as palavras que deixei de dizer, os sonhos que guardei só para mim.
Lembro da vida que construí com as próprias mãos, mesmo quando o mundo parecia determinado a me destruir. Lembro dos olhares desconfiados, dos muros erguidos ao meu redor, da solidão que se tornava mais densa a cada dia. E lembro, com uma dor que ainda pulsa dentro de mim, da discussão que selou meu destino.
Foi mais do que uma briga. Foi uma ruptura. Um momento onde tudo o que fui, tudo o que suportei, transbordou de uma vez só. Gritos, lágrimas, verdades vomitadas sem piedade... e depois, o silêncio. Um silêncio tão absoluto que parecia já anunciar minha morte antes mesmo dela acontecer.
Hoje entendo que minha queda começou muito antes daquele dia. Mas foi ali, naquela última ferida aberta, que minha história começou a desmoronar de verdade.
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Atualizado até capítulo 51
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