Capítulo 4: A Primeira Fissura

Os dias passaram como cenas suaves de um filme que Celine não queria que terminasse. Cada noite ela encontrava Ethan no jardim secreto, e cada conversa com ele fazia o mundo parecer mais bonito, mais calmo, mais certo. Não era só a presença dele que a atraía — era o modo como ele a olhava, como se ela fosse a única pessoa viva naquele instante. E talvez, para ele, fosse mesmo.

Ela começou a perceber os efeitos disso no dia a dia. Suas fotos mudaram. Antes, suas imagens capturavam sombras, reflexos, abandono. Agora, mesmo sem perceber, ela buscava luzes, contrastes suaves, toques de cor. Era como se sua visão do mundo estivesse se transformando à medida que Ethan se tornava parte dela.

Mas como toda história, mesmo as mais belas, havia rachaduras se formando sob a superfície.

Naquela noite, Celine chegou ao jardim com um leve sorriso, mas os ombros caídos. Ela havia passado o dia em uma reunião com uma antiga colega de faculdade, que agora trabalhava em uma revista digital. A amiga, empolgada com o novo projeto, a convidara para fazer uma exposição das suas fotos. Era uma oportunidade real, uma que ela deveria comemorar. Mas durante todo o tempo, tudo o que conseguiu pensar foi: “Como eu contaria isso para ele?”

Ethan já estava lá, sentado no velho banco de ferro coberto de musgo. Ao vê-la, levantou-se com o mesmo cuidado de sempre — como quem sabe o peso de cada movimento no tempo.

— Boa noite — ele disse.

— Boa noite — respondeu, forçando um sorriso.

Ele a observou por um instante, depois apontou para o banco.

— Quer se sentar?

Ela assentiu, e os dois se acomodaram lado a lado. O silêncio entre eles, geralmente confortável, agora parecia pesado. Celine puxou o casaco para mais perto do corpo, mesmo que o frio fosse suave.

— O que aconteceu hoje? — ele perguntou, com delicadeza.

— Recebi uma proposta para fazer uma exposição. Na galeria onde a minha amiga trabalha. Fotografias minhas. — Ela olhou para ele. — É grande.

Ethan sorriu levemente.

— Isso é maravilhoso, Celine.

— É... — ela respondeu, mas sua voz não soava empolgada.

— Mas?

Ela olhou para o céu, respirando fundo.

— Eu não sei se quero. Quer dizer, eu quero... mas isso muda tudo. Me expõe. Me coloca em um caminho diferente.

— Você tem medo?

— De mudar. De deixar de ser quem sou agora. E também de... nos deixar para trás.

Ele não respondeu de imediato. Ficou em silêncio, os olhos fixos na lua, como sempre fazia quando precisava organizar os próprios pensamentos.

— Você não pode deixar de viver a sua vida por minha causa, Celine — ele disse, finalmente. — Eu sou parte da sua noite, mas você pertence ao dia.

A frase doeu mais do que ela esperava. Como se ele estivesse empurrando-a de volta para uma realidade que ela tentava esquecer.

— Você fala como se isso tudo fosse temporário — sussurrou.

— Porque talvez seja.

Ela se virou para encará-lo. Os olhos dele estavam mais escuros do que de costume, como se uma tempestade se formasse por trás deles.

— Eu não quero que seja.

— Mas um dia, você vai envelhecer. Vai viver coisas que eu não posso acompanhar. Vai querer filhos, uma casa, um futuro... Eu não posso te dar nada disso.

— E quem disse que eu quero tudo isso?

— Você pode pensar que não agora. Mas o tempo... o tempo muda tudo.

Ela se levantou, frustrada.

— O tempo. Sempre o tempo. Você vive fugindo dele, Ethan. Mas talvez o que te assuste de verdade não seja o tempo... seja o que sente por mim.

Ele ficou em silêncio, o rosto impassível. Mas os olhos — os olhos mostravam dor.

— Eu sinto por você, Celine. Mais do que deveria. Mais do que é seguro.

— Então por que me afasta?

— Porque um dia, você vai me odiar por não ter envelhecido com você. Porque vai me ver parado, enquanto o mundo ao seu redor muda, e isso vai doer. Já vi isso acontecer antes. E não quero que aconteça de novo.

Ela se calou. Sabia que ele falava de experiência. De décadas — séculos — de perdas que ela nem conseguia imaginar.

— Então é isso? Você vai se esconder outra vez? Vai me afastar antes que fique difícil demais?

Ethan se aproximou devagar, ficando a poucos centímetros dela.

— Eu não sei o que é certo. Só sei que, quando estou com você, me sinto mais humano do que em todos esses anos. Mas isso me apavora, Celine. Porque se eu perder você, não sei se vou aguentar.

Ela sentiu o coração apertar. Tudo nele era contraditório — força e fragilidade, presença e distância. Mas ali, agora, ele era real. E isso bastava.

— Então me deixa ser parte da sua eternidade — ela disse. — Nem que seja por um instante.

Ele estendeu a mão e tocou seu rosto com delicadeza. O frio da pele dele não a assustava mais. Era familiar. Reconfortante.

— Eu vou tentar. Mas prometa uma coisa.

— O quê?

— Que se um dia isso machucar demais, você vai me dizer. Mesmo que doa.

Celine assentiu, e se aproximou, encostando a testa na dele.

— E você, prometa que não vai fugir de mim.

— Eu prometo.

Ficaram ali, no meio do jardim, com o mundo inteiro suspenso ao redor. As palavras ditas haviam deixado marcas, pequenas fissuras. Mas não os afastaram. Pelo contrário — tornaram o vínculo ainda mais verdadeiro.

Porque amar alguém, ela pensou, é aceitar que o tempo nem sempre está ao nosso lado.

Mas que o agora pode ser eterno — se os dois escolherem permanecer.

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Comments

Ester

Ester

como se amam se nem deram um beijinho ainda /Facepalm//Facepalm//Facepalm//Facepalm//Facepalm//Facepalm/ platônico isso sim

2025-04-09

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