Capítulo 3: Ecos do Passado

O jardim esquecido tornou-se um ponto de refúgio para Celine e Ethan. Ao longo das noites seguintes, ela retornava sem hesitação, e ele sempre estava lá, como se o tempo obedecesse àquela promessa silenciosa entre os dois. Na presença dele, o mundo parecia suspenso — as vozes das ruas, os relógios, até mesmo a lógica comum das coisas.

Celine não contou a ninguém. Não que tivesse alguém em quem realmente confiasse para compartilhar aquilo. Os poucos amigos com quem ainda mantinha contato não entenderiam. Como explicar que estava se encontrando todas as noites com um homem que afirmava ter mais de duzentos anos e que era, tecnicamente, um vampiro?

Mas com Ethan, tudo fazia sentido. O modo como ele falava do mundo, como se tivesse assistido ao passar das décadas como páginas de um livro. A tristeza velada no olhar, o cuidado com cada palavra, o modo como parecia enxergar através dela — não só através do corpo, mas da alma. Ela sentia que poderia passar horas ali, apenas ouvindo.

Naquela noite, o céu estava limpo, e a lua brilhava cheia, lançando sombras longas pelo jardim. Celine chegou com a câmera na mão, mas nem tentou usá-la. Já aceitara que Ethan não sairia em nenhuma foto.

— Como foi o mundo quando você nasceu? — perguntou, sentando-se ao lado dele em uma pedra coberta de musgo.

Ethan inclinou a cabeça, como quem volta no tempo.

— Eu nasci em 1816. Era um vilarejo pequeno, no interior da Inglaterra. Minha família era simples. Tínhamos campos, gado... vida dura, mas honesta.

— E quando... mudou?

Ele demorou a responder. Olhava para o chão, os dedos trançados sobre os joelhos.

— Eu tinha vinte e seis anos quando fui transformado. Por uma mulher. O nome dela era Lysandra.

Celine sentiu um aperto no peito. Uma parte dela não queria ouvir, mas a outra precisava saber.

— Você a amava?

Ethan sorriu com tristeza.

— Ela me fascinava. Era como uma tempestade — impossível de prever, impossível de resistir. Mas o amor... não sei se era amor ou feitiço. Ela me escolheu, e eu... aceitei.

— Você não teve escolha?

— Não exatamente. Foi um acordo. Ela me ofereceu a eternidade. Disse que eu teria tempo para fazer tudo o que quisesse, ver o mundo, ser livre. E naquele tempo... isso parecia irresistível.

Celine olhou para ele, tentando imaginar como teria sido. Um jovem homem do século XIX, diante da promessa de imortalidade.

— E foi? — ela perguntou. — Você foi livre?

— No começo, sim. Viajei com ela. Conhecemos cidades, impérios, ruínas. Mas logo percebi que a eternidade não era liberdade. Era prisão. O tempo deixa de ter sentido, e as pessoas... passam. Morrem. Desaparecem. Só nós permanecemos. E isso... isso corrói.

O silêncio se instalou entre eles. O vento balançava as folhas, criando uma melodia suave e melancólica.

— O que aconteceu com ela? — Celine perguntou, mais suave.

— Sumiu. Um dia, simplesmente... partiu. Deixou uma carta, dizendo que eu precisava aprender a caminhar sozinho. E desde então... eu caminho.

Ela sentiu vontade de tocá-lo, de segurar sua mão. Mas ficou imóvel, absorvendo tudo.

— Você nunca tentou se reconectar com sua antiga vida?

— Tentei. Voltei ao vilarejo anos depois. Meus pais estavam mortos. Meus irmãos... envelhecidos. Um deles me reconheceu. Pensou que era um fantasma. Eu fugi naquela mesma noite. Entendi que o tempo tinha me levado embora deles.

— Que solidão, Ethan...

— É. Mas com o tempo, você aprende a viver com ela. Até que, às vezes, alguém aparece. Alguém que te vê. Como você.

Celine prendeu a respiração. As palavras dele eram suaves, mas carregavam um peso que a fazia tremer por dentro.

— Eu te vejo — ela sussurrou.

Ele virou-se para ela, e por um instante, os olhos dele brilharam — não de sede ou fome, mas de emoção genuína. Como se não estivesse mais sozinho.

— Obrigado — ele disse.

Ela sentiu as lágrimas subindo aos olhos. Aquela troca silenciosa, intensa, a conectava a ele de uma forma que ela jamais havia vivido. E pela primeira vez, percebeu que não era só ele que estava sozinho.

— Meu pai morreu quando eu tinha oito anos — ela disse, quase sem pensar. — Minha mãe se trancou no luto e nunca mais saiu. Cresci rodeada de ausências. Eu via as outras pessoas se conectando, rindo com suas famílias, e tudo que eu conseguia sentir era... distância.

Ethan a ouvia com atenção absoluta, como se cada palavra dela fosse sagrada.

— Acho que por isso a fotografia me atrai tanto. É uma forma de capturar o que está desaparecendo. De congelar aquilo que o tempo leva.

— Você enxerga a beleza na impermanência — disse ele. — Isso é raro.

Ela sorriu, ainda com os olhos marejados.

— E você é eterno... talvez por isso eu me sinta segura perto de você. Como se por um instante o tempo parasse.

Ethan estendeu a mão devagar, oferecendo-a como um convite. Ela hesitou apenas um segundo antes de pousar a dela sobre a dele.

O toque era frio, mas surpreendentemente reconfortante. A pele dele era firme, quase imóvel, como mármore aquecido pelo sol.

— Tenho medo — ela disse. — Medo de me perder nisso.

— E eu tenho medo de te machucar.

— Então que a gente vá com cuidado. Um passo por vez.

Ele assentiu, e naquele momento, o mundo parecia mais simples. O tempo, menos cruel.

Eles permaneceram de mãos dadas por alguns minutos, sem dizer nada. A lua seguia brilhando acima, indiferente e eterna, mas agora havia calor no jardim abandonado. Um calor nascido de dois corações que, apesar de tudo, ainda batiam — um por escolha, outro por natureza.

E enquanto a madrugada se aproximava, Celine soube, com uma clareza inegável, que não conseguiria mais se afastar dele.

Nem queria.

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