Cap.04

Os meses se passaram, e Helena e Miguel mantiveram distância. Embora ele tivesse enviado um pedido para segui-la no Instagram, ela não teve coragem de aceitar. A vergonha ainda era grande, o que fez com que ela preferisse se manter no anonimato ao menos no mundo virtual.

Nesse meio-tempo, Helena passou a se aproximar de um velho amigo de infância, Arthur Melo. O contato se reestabeleceu por meio de conversas suaves nas redes sociais, nostálgicas e despretensiosas. Ele era alguém com quem ela se sentia segura, e a leveza da amizade reacendida trouxe certo conforto.

Quando surgiu a tão esperada calourada de Medicina, o grupo de amigas de Helena se organizou para ir. A festa prometia ser grandiosa, reunindo alunos de diversos cursos. Helena não quis perder a oportunidade e decidiu ir acompanhada de sua irmã.

Para a ocasião, escolheu uma mini saia preta justinha, combinada com um body elegante e seu inseparável coturno. Queria se sentir confiante, e, de fato, ao se olhar no espelho antes de sair, soube que estava impecável.

A festa começou tranquila. A música alta, as luzes coloridas e a energia vibrante do lugar tornavam o ambiente eletrizante. Entre danças e risadas, Helena se perdeu na multidão até ser localizada por Arthur. Ele se aproximou sorridente, e não demorou para que os dois começassem a trocar beijos intensos. A química parecia inegável.

Por longos minutos, Helena se permitiu aproveitar aquele momento. No entanto, bastou um descuido para que tudo mudasse. Arthur, sem qualquer aviso, afastou-se e, como se não fosse nada demais, partiu para beijar outra garota ali mesmo, diante dos olhos dela.

Helena se afastou da pista de dança, mas a noite ainda lhe reservava outra surpresa desagradável.

Um amigo das amigas de Helena, alguém que ela mal conhecia, se aproximou com um sorriso malicioso e ofereceu uma cerveja que ele abriu na frente dela. Helena deu um gole na cerveja e eles continuaram conversando. As musicas mesclavam entre funk e brega funk e Helena não viu problema em dançar com ele. E então, helena começou a ficar tonta. Pensou consigo que talvez havia bebido demais.

— Quer dar uma volta? — ele perguntou, a voz baixa, insinuante.

Helena hesitou, mas acabou concordando. Não via mal algum em conversar com alguém novo, e precisava descansar um pouco, já que sua mente estava girando.

O que ela não esperava era a insistência. O rapaz a conduziu para um local mais reservado da festa, onde havia menos gente e a música parecia mais abafada. Quando ficaram a sós, ele se aproximou demais, tentando beijá-la sem dar espaço para recuo. Suas mãos não demoraram a buscar contato além do permitido.

A mente de Helena Girava, estava sem forças no seu corpo.

A música pulsava, o ritmo acelerado contrastando com a escuridão crescente que envolvia Helena. O que havia começado como uma festa animada rapidamente se transformara em um pesadelo do qual ela parecia incapaz de acordar. Conduzida a um canto escuro, longe dos olhares e da segurança da multidão, Helena sentiu o mundo girar à sua volta, suas percepções distorcidas, sua capacidade de pensar e agir comprometida. O rapaz, cujos olhos brilhavam com uma malícia sombria, aproveitou-se de sua vulnerabilidade. Ele a pressionou contra a parede fria, a mão tapando sua boca, impedindo-a de gritar por socorro.

As mãos dele, ásperas e exigentes, começaram a explorar seu corpo, apalpando, beliscando, agarrando sem nenhum traço de gentileza. Helena, através da névoa que entorpecia sua mente, sentiu ondas de náusea e terror tomar conta de si. Tentou resistir, mas seus membros estavam pesados, desobedientes, como se fossem feitos de chumbo.

Então veio a dor. Uma agonia excruciante quando ele tentou penetrá-la sem nenhum cuidado, sem lubrificação. Helena sentiu como se estivesse sendo rasgada ao meio, a invasão de seu corpo tão brutal que parecia que mil facas a estavam dilacerando internamente. Ela urrou contra a mão que a silenciava, mas seus gritos eram abafados, inúteis.

Ele forçou, empurrou, exigiu entrada em seu corpo, enquanto Helena tentava de todas as maneiras impedir a invasão. Mas ele era mais forte, e com um empurrão final, conseguiu o que queria.

Ele a penetrou contra a vontade dela machucando-a, e a cada estocada uma agonia, O mundo de Helena reduziu-se à dor, à humilhação e à desesperança. Ela sentiu-se cair em um abismo, isolada do mundo em uma bolha de angústia e terror.

E então, tão abruptamente quanto havia começado, ele parou, desistindo de sua tentativa brutal. Foi nesse instante que ela recobrou um pouco da consciência, a realidade da situação atingindo-a com força total. Com a voz trêmula, ela perguntou: "O que você está fazendo?"

O som abafado da música ainda ecoava ao longe, como se estivesse em outro mundo. Helena piscava com dificuldade, os olhos pesados e a mente nublada. Era como se o tempo estivesse preso em um lugar estranho — cada segundo mais lento, cada sensação mais confusa. A bebida misturada com alguma substância desconhecida roubava-lhe o controle do próprio corpo. Ela não sabia ao certo como tinha chegado ali, atrás daquela construção abandonada da praça, com um rapaz quase desconhecido.

Lembrava-se dos risos das amigas, de Arthur se afastando para beijar outra garota, e depois… um vazio. Um breu preenchido por imagens desconexas, por toques que não eram desejados, por palavras que ela não entendia — ou queria entender.

As mãos dele, o peso do corpo, a forma como a empurrou contra o chão, tentando fazer parecer tudo natural, tudo "certo". Mas não era. Nada daquilo era. E mesmo quando Helena tentou se afastar, seu corpo não respondia. As pernas falhavam, os braços eram fracos. Ela balbuciava palavras que mal saíam da garganta. Era como gritar dentro da água.

O rapaz se afastou, ajeitando a própria roupa com pressa. Respirava ofegante, como se tivesse feito algo grandioso, e olhou para ela com uma frieza que cortava mais que qualquer palavra dita.

— Pensei que você quisesse — disse, a voz baixa, como se justificasse para si mesmo.

Helena, caída na grama úmida, tentava se recompor. A saia levantada, o body torcido, o corpo ainda dormente. A realidade começou a despontar, lenta e dolorosa. Ela não queria estar ali. Não daquele jeito. E nunca, nunca quis aquilo.

— Eu era virgem… — sussurrou, num fio de voz que parecia vir de uma parte muito distante dentro dela.

Ele parou. Apenas por um segundo. Depois deu de ombros.

— Agora não é mais. Relaxa. Você veio comigo, você não disse “não”, não gritou… Então, foi, né?

Foi?

As palavras dele ecoaram com violência. Como se sua dor pudesse ser apagada pela omissão de um "não" claro. Como se sua paralisia, sua confusão, sua fraqueza fossem consentimento. Ele sequer entendia — ou se importava.

— Eu não queria… — murmurou, as lágrimas escorrendo pelo rosto.

Mas ele já não a ouvia mais. Disse que voltaria com uma água, e desapareceu entre a escuridão e as luzes da festa ao fundo.

Helena ficou ali, sozinha. O corpo sujo, a alma em pedaços. Tudo doía — física e emocionalmente. A vergonha, o medo, o nojo. Não sabia o que fazer. Não sabia como sair dali. Só sabia que algo dentro dela tinha se rompido. Algo que talvez nunca voltasse ao lugar.

Ela se encolheu, abraçando os próprios joelhos, tentando se proteger do frio e da dor. A festa continuava do outro lado, como se nada tivesse acontecido. E talvez, para o mundo, nada tivesse mesmo. Mas para Helena… tudo havia mudado.

Ela ainda não sabia como contaria. Para quem contaria. Se contaria.

Helena saiu da festa sozinha.

Ninguém a viu partir. Ninguém notou a forma como ela caminhava, os passos trêmulos, os olhos vidrados tentando conter o que o corpo mal conseguia segurar. A música ainda pulsava alto atrás dela, misturando-se aos gritos, gargalhadas e conversas que agora pareciam vir de um planeta distante. Ela não pertencia mais àquilo. Não depois do que havia acontecido.

Pegou um carro por aplicativo, digitando o endereço com dedos trêmulos. O motorista não perguntou nada, e ela agradeceu silenciosamente por isso. Passou o trajeto inteiro em silêncio, com os olhos fixos na janela, tentando encontrar algum ponto de equilíbrio no mundo lá fora, algo que a lembrasse que ela ainda estava ali. Que ainda existia.

Mas por dentro, tudo estava diferente.

Nos dias que seguiram, Helena se tornou outra. A garota falante, sonhadora, que acreditava em borboletas no estômago e em beijos sob luzes de festa, havia sido silenciada. Um vazio se instalou no lugar onde antes vivia sua espontaneidade. Não falava com ninguém sobre aquela noite. Nem com Anita, nem com Gisele, nem mesmo com a irmã.

Ela apenas se afastou.

Parou de ir às festas, bloqueou os convites nos grupos, evitava os corredores movimentados e qualquer lugar onde pudesse cruzar com veteranos ou desconhecidos. Suas roupas mudaram. Seus gestos mudaram. Até o tom de sua voz parecia mais baixo.

Focou nos estudos como uma forma de anestesia. Livros, resumos, trabalhos, provas. Era ali, na rotina acadêmica, que ela conseguia controlar algo. Se agarrava à estrutura da faculdade como um náufrago a uma tábua de madeira — não porque estivesse forte, mas porque era tudo o que tinha.

E mesmo entre os colegas, Helena se tornou sombra. Estava presente, mas não envolvida. Respondia quando chamada, sorria quando necessário, mas ninguém realmente a via.

Ela se protegia por trás do silêncio. E o silêncio, por mais cruel que fosse, parecia mais seguro do que correr o risco de viver outra vez o que tinha vivido naquela noite.

Helena nunca mais foi a mesma.

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