Cap.02

A primeira aula passou num piscar de olhos. Entre apresentações, explicações sobre a ementa do curso e um discurso motivacional do professor, Helena mal conseguia focar. Sua mente ainda estava presa nos corredores, nos olhares trocados com Miguel.

Assim que a aula terminou, ela saiu da sala acompanhada de Gisele e Anita. O corredor parecia mais movimentado do que antes, e Helena logo percebeu o motivo: um grupo de rapazes estava espalhado pelo espaço, observando atentamente as calouras que saíam da sala. Risadas e cumprimentos eram trocados, alguns mais ousados, outros apenas simpáticos. Eram os veteranos, ávidos para conhecer as novas alunas.

— Parece que somos o centro das atenções — Anita comentou em tom de brincadeira.

Gisele revirou os olhos, mas sorriu.

— Acho que essa é a parte do trote que ninguém menciona.

Helena, no entanto, não estava interessada na movimentação ao seu redor. Seu olhar foi direto para a sacada do corredor, onde teve a visão que fez seu coração vacilar mais uma vez.

Miguel estava lá embaixo, ao lado de sua motocicleta. Com um movimento fluído e natural, ele colocou o capacete sob o braço e ajeitou a jaqueta de couro. Estava prestes a partir. Como se sentisse o olhar dela, ele ergueu o rosto, e seus olhos se encontraram por um breve instante.

Um sorriso surgiu nos lábios dele.

Helena sentiu as pernas fraquejarem levemente, e, antes que pudesse reagir, Miguel montou na motocicleta, ligando o motor com um ronco grave. Ele ainda a observou por mais um segundo antes de acelerar e desaparecer pelo portão da universidade.

Helena chegou em casa no fim da tarde, exausta fisicamente, mas com a mente a mil por hora. Largou a mochila no canto do quarto e se jogou na cama, ainda usando a calça jeans apertada do dia. O ventilador girava preguiçoso no teto, mas nem o calor abafado foi suficiente para desviá-la do que realmente importava: Miguel.

Pegou o celular, desbloqueou com a digital e abriu o Instagram quase por instinto. Na busca, digitou com hesitação: "Miguel Direito Unifesspa". Nada muito relevante apareceu. Tentou mais algumas variações, até que uma das sugestões chamou sua atenção: @miguel.rocha7.

A foto de perfil era uma imagem desfocada dele sobre a moto, com o capacete preso ao braço. Mesmo com tão pouco, ela soube que era ele. Sentiu uma onda de expectativa crescer no peito ao clicar.

Perfil privado.

Helena soltou um suspiro frustrado.

"Claro que seria", pensou.

O nome no topo confirmava: Miguel Rocha. E na bio, apenas duas palavras: Direito - Unifesspa. Nada mais. Nenhuma frase enigmática, nenhum emoji, nenhum link. Tão reservado no digital quanto era em pessoa.

O polegar dela pairou sobre o botão azul por alguns segundos. Enviar solicitação ou não?

Ela mordeu o lábio inferior, sentindo-se boba por hesitar tanto por algo tão pequeno. Mas não era pequeno. Não para alguém que, até algumas horas atrás, nem fazia parte da vida dela.

Com um impulso súbito, clicou em "Seguir". O botão mudou para "Solicitação enviada".

Mas o alívio durou pouco.

Segundos depois, Helena se sentou na cama, o celular ainda nas mãos. A ansiedade começou a crescer. "E se ele achar estranho? E se pensar que eu sou só mais uma caloura deslumbrada?"

A vergonha subiu como uma maré. Com o coração acelerado, ela apertou o botão novamente e selecionou "Cancelar solicitação".

Pronto. Simples assim.

Ela soltou o ar num suspiro, agora misturado com uma risada nervosa. “Ridícula”, murmurou para si mesma.

Talvez não fosse assim que ele fosse notar ela.

Helena jogou o celular de lado e se deitou de costas, encarando o teto. Se Miguel fosse notar sua existência, seria de outro jeito. Presencialmente. Com tempo.

Os dias se seguiram num ritmo acelerado. Helena começava a se ambientar com a nova rotina, os corredores, os rostos e as dinâmicas do curso. As conversas com Gisele e Anita se tornaram frequentes, e o grupo das calouras se consolidava aos poucos. Mas, no fundo, Helena esperava apenas um momento: ver Miguel novamente. Desde o breve encontro de olhares na sacada, ele não cruzara seu caminho mais nenhuma vez.

E então, chegou o temido — e aguardado — dia do trote.

Naquela manhã, Helena se arrumou com um zelo quase ingênuo. Escolheu uma calça jeans que valorizava sua silhueta, uma blusa clara e simples, e deixou os cabelos soltos. Colocou um toque leve de maquiagem — só o suficiente para destacar o olhar.

A aula transcorria normalmente, com o professor explicando as divisões clássicas do Direito Público e Privado. O ambiente era tranquilo, os calouros atentos, até que a porta da sala se escancarou de repente com um estrondo.

— BOA TARDE, CALOUROS! — gritaram em uníssono vozes já bem conhecidas nos corredores.

Era a turma do sétimo semestre. Eles invadiram a sala como uma tempestade: risadas, gritos animados e ordens para que todos se levantassem. A confusão foi instantânea. Alguns alunos hesitaram, outros riam nervosamente, e o professor apenas observou tudo com um sorriso resignado — claramente cúmplice da emboscada.

— Todo mundo pra fora! — ordenou um dos veteranos, batendo palmas para apressá-los.

Sem escolha, Helena e os outros calouros foram conduzidos pelos corredores, formando uma longa corrente humana até a saída do bloco. O burburinho nos corredores aumentava à medida que outros alunos assistiam à cena com divertimento.

Assim que chegaram à praça do outro lado da rua da faculdade, o verdadeiro batismo começou. Farinha, tinta colorida, espuma de barbear e até confete — tudo era jogado sem piedade.

Helena tentava se esquivar, mas foi em vão. Entre risadas e gritos, um ovo se espatifou bem no topo da sua cabeça, fazendo-a gelar por um instante. O impacto foi leve, mas o conteúdo escorreu imediatamente entre seus cabelos e a testa.

— Bem-vinda oficialmente — disse Miguel, que segurava mais um ovo na mão e exibia um sorriso travesso.

Helena ficou paralisada por um segundo. Aquilo era tudo o que teria naquele dia: um ovo quebrado na cabeça, vindo exatamente de quem ela esperava um olhar diferente.

— Romântico, não é? — Anita ironizou, ao vê-la com clara de ovo escorrendo pela testa.

— Muito — respondeu Helena, rindo de si mesma.

Os calouros ganharam cartazes com frases engraçadas e foram posicionados nos semáforos para pedir moedas aos motoristas que passavam.

Helena, agora completamente coberta de tinta verde e rosa, mal conseguia abrir os olhos de tanto rir e tossir. O cheiro de ovo misturado à tinta invadia suas narinas, mas, de forma surpreendente, ela não estava triste.

O trote finalmente havia chegado ao fim. O cheiro de ovo impregnava as roupas e o cabelo de Helena, enquanto a mistura de tinta e farinha formava uma camada pegajosa sobre sua pele. Cada passo que dava era acompanhado de pequenos flocos de farinha caindo de seu corpo. Ela não poderia voltar para casa daquele jeito.

— Eu não posso entrar em um uber assim! Minha mãe não tá em casa! — Helena reclamou, puxando a camisa endurecida pela tinta.

— Relaxa, a gente dá um jeito. — Pedro respondeu, tirando o celular do bolso. — Vou ver se a Marina pode te salvar dessa.

Marina era uma amiga antiga de Pedro, alguém com quem ele tinha uma relação próxima. Naquele dia, ele já havia combinado de dormir na casa dela, então usou isso como argumento para insistir no favor.

Pedro digitou rapidamente e logo recebeu uma resposta.

— Ela disse que tudo bem, mas pra gente ir logo antes que você endureça feito cimento. — Ele riu, mostrando a mensagem no celular.

Helena suspirou aliviada. Ela mal conhecia Marina, mas, naquele momento, a moça se tornava sua salvadora. Caminharam até um ponto de ônibus, e, mesmo entre olhares curiosos dos passageiros, embarcaram sem cerimônia.

Quando chegaram ao pequeno apartamento de Marina, a garota abriu a porta já segurando uma toalha e um conjunto de roupas limpas.

— Meu Deus, realmente pegaram pesado nesse trote! — Marina exclamou, levando a mão ao nariz. — Entre logo antes que algum vizinho reclame do cheiro de ovo estragado.

Helena passou rapidamente por ela, murmurando um agradecimento envergonhado antes de desaparecer pelo banheiro. Ligou o chuveiro e deixou a água quente escorrer sobre seu corpo, levando consigo a sujeira e a exaustão daquele dia.

Do lado de fora, Pedro jogou a mochila no sofá e se jogou ao lado de Marina.

— Valeu mesmo por isso. — Ele disse, pegando um pacote de biscoitos na mesa e abrindo sem cerimônia.

— Você me deve essa. E talvez uma pizza. — Marina respondeu, cruzando os braços.

— Fechado. — Pedro riu, jogando um biscoito na boca.

Minutos depois, Helena saiu do banheiro vestindo uma blusa larga e um short que Marina emprestou. Seus cabelos ainda pingavam um pouco, mas ela se sentia renovada.

— Se olhar no espelho e não se reconhecer, é normal. — Marina brincou, entregando um pente para Helena.

— Obrigada de verdade, Marina. Sério. — Helena sorriu genuinamente.

— Sem problema. Mas e aí? Algum veterano gato pelo menos te tacou o ovo dele?— Marina provocou com um olhar divertido.

Helena riu, mas não respondeu. Apenas se lembrou do sorriso de Miguel, logo antes do ovo quebrar em sua cabeça.

Contudo, ao se olhar no espelho, percebeu um detalhe que a fez corar instantaneamente: a blusa larga de Marina não escondia nada. Sem sutiã, seus seios marcavam nitidamente no tecido claro.

— Ah, não… — murmurou para si mesma, cruzando os braços e tentando decidir o que fazer.

— Qual é o problema agora? — perguntou.

Helena hesitou, mas bufou em frustração.

— Essa blusa… está meio… transparente — disse, apontando para si mesma.

Pedro olhou por um breve segundo e logo desviou o olhar, coçando a nuca.

— Ah. É. Você tem um ponto. — Ele rapidamente tirou o próprio casaco e o estendeu para ela. — Toma, veste isso. Vai evitar que o motorista do Uber fique olhando demais.

Helena pegou o casaco sem hesitar e o vestiu, sentindo-se um pouco mais protegida.

— Obrigada. Você salvou minha dignidade — disse, rindo.

— Imagina — Pedro deu de ombros. — Mas, se quiser devolver lavadinho depois, eu agradeço.

Marina observava a cena com um sorriso malicioso.

— Olha só, cavalheirismo em pessoa — provocou.

— Corta essa, Marina — Pedro revirou os olhos.

O celular de Helena vibrou. O Uber havia chegado. Ela puxou o casaco de Pedro para mais perto do corpo e se despediu apressadamente.

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