Na Vara do Juiz

Na Vara do Juiz

Cap.01

Passos apressados, respiração ofegante...

— Meu Deus, será que eu vou me atrasar no primeiro dia de aula?

Helena freneticamente observava seu relógio de pulso e, para sua tristeza, os ponteiros marcavam exatamente 14h15. Quinze minutos de atraso para a primeira aula de um curso que moldaria os próximos cinco anos de sua vida: Direito.

Não era exatamente a escolha dos seus sonhos, mas sim um prêmio de consolação depois de anos tentando ingressar em Medicina. O desejo de ser médica pulsava em seu coração desde sempre, mas os sucessivos anos de cursinho sem aprovação a obrigaram a buscar um caminho alternativo. Direito era um curso gratuito, diferente da opção de Medicina em faculdades particulares, cujo custo era simplesmente inalcançável.

Aos 18 anos, Helena fez sua escolha. Após três anos de tentativas frustradas, viu seu sonho se esvair como areia entre os dedos. Com o peito pesado, abriu mão do que mais queria e optou por um caminho que nunca desejou para si. Decidiu que não seria mais um peso para os pais e, mentindo para si mesma, inscreveu-se na universidade em um curso que jamais imaginou cursar.

"Está tudo bem", repetia para si mesma. "Isso era o que eu queria." Mas, no fundo, sabia que não era verdade. O esforço dos pais, os custos com cursinhos, viagens para provas em outras cidades... Tudo isso pesava sobre ela como uma dívida impagável. Não podia mais ser um estorvo. Então, seguiu em frente, mesmo que cada passo parecesse um desvio do que um dia sonhara.

Naquela tarde, Helena corria desesperada para a parada de ônibus. Seu coração acelerado pulsava tanto pelo esforço quanto pela angústia que lhe rondava os pensamentos. Mas, ao virar a esquina, seu estômago revirou: o ônibus das 14h00 havia acabado de partir. O único naquele horário.

Ela parou, ofegante, e olhou ao redor, buscando uma solução. O sol castigava sua pele e o suor escorria pela testa. Com os ombros caídos, respirou fundo e mordeu o lábio inferior. O que faria agora? Caminhar até a universidade levaria mais de uma hora sob o calor intenso. Esperar um ônibus alternativo? Arriscado, pois poderia chegar ainda mais atrasada.

Um nó se formou em sua garganta. Tinha se comprometido a seguir esse novo caminho, a aceitar essa nova vida, mas tudo parecia conspirar contra. Sentiu os olhos marejarem, mas piscou rápido, recusando-se a chorar ali, no meio da rua. Não agora. Não por isso. Engolindo o choro e ignorando o aperto no peito, ergueu o queixo e se pôs a esperar.

Helena tamborilava os dedos contra a perna, tentando conter a frustração enquanto olhava para a rua deserta. O sol queimava sua pele e a mochila parecia pesar o dobro nas costas. O ônibus havia passado, e agora não restava outra opção a não ser esperar pelo próximo.

Foi então que uma buzina a tirou de seus pensamentos. Virando-se, viu um carro antigo, mas bem conservado, parar ao seu lado. No volante, um rosto familiar abriu um sorriso largo.

— Helena? É você mesmo? — Pedro Neves abaixou o vidro do carro, inclinando-se um pouco para enxergá-la melhor.

Helena piscou, surpresa. Pedro havia sido seu colega no último ano do ensino médio. Nunca foram exatamente próximos, mas trocavam conversas ocasionais nos corredores e tinham alguns amigos em comum.

— Pedro? Nossa, quanto tempo! — respondeu, ainda assimilando a presença dele ali.

— Pois é! Vi você aqui e achei que pudesse estar precisando de uma carona. Pra onde vai?

Helena hesitou por um instante. Não era acostumada a aceitar caronas de conhecidos que não faziam parte do seu círculo próximo, mas o calor e o atraso iminente a fizeram reconsiderar.

— Faculdade. Estou indo para a Unifesspa. — Suspirou, sentindo o peso daquelas palavras.

Pedro ergueu as sobrancelhas, surpreso.

— Jura? Eu também estou indo pra lá! Entro às 14h30. Qual curso?

— Direito. — disse, tentando soar animada, mas sem muito sucesso.

— Caracas! Que coincidência! Eu entrei em Ciências Sociais. Vem, entra aí, eu te levo.

Helena olhou para os lados, como se buscasse outra alternativa, mas no fundo sabia que aquela era a melhor solução. Abriu a porta e entrou no carro, sentindo o ar-condicionado refrescar sua pele.

— Obrigada, Pedro. Você salvou meu dia.

Ele sorriu, dando a partida.

— Relaxa. A primeira coisa que você precisa entender sobre a universidade pública é que ninguém é pontual. Se tiver sorte, seu professor vai hoje. Porque, geralmente, na primeira semana, nenhum professor ou aluno vai.

Pedro riu enquanto dirigia, uma mão no volante e a outra ajustando o volume do rádio. Helena soltou um suspiro, sentindo parte da tensão deixar seu corpo. Talvez não estivesse perdendo tanto assim.

— Jura? Eu me matei correndo pra chegar e, no fim, pode ser que nem tenha aula? — Ela cruzou os braços, olhando pela janela, vendo a cidade passar depressa.

— Exato. Bem-vinda ao caos organizado da Universidade Pública.

Helena não sabia se ria ou se ficava ainda mais frustrada. Tudo aquilo ainda parecia tão estranho, tão deslocado da realidade que ela imaginava. Pedro, por outro lado, parecia incrivelmente tranquilo. Ele tamborilava os dedos no volante ao ritmo da música que tocava baixinho.

— Mas e você? Sempre quis Ciências Sociais?

Pedro soltou um pequeno riso, como se já esperasse a pergunta.

— Não exatamente. Mas, ao contrário de você, eu não fiquei anos tentando outra coisa. Eu meio passei e aceitei.

— Sério?

Ele deu de ombros.

— Meu pai tem uma escola, no final das contas eu quem vou gerir ela mesmo. Ele só queria que eu fizesse algo útil  da vida e entrei aqui.

— E você quer isso?

Pedro ficou em silêncio por um instante, depois deu um meio sorriso.

— Eu ainda não sei. Mas vou descobrir.

Helena observou o rosto dele por um momento e se viu refletida naquela resposta. Talvez não estivesse sozinha nesse sentimento de estar no lugar errado. Talvez, assim como Pedro, ela também pudesse descobrir um caminho.

Ao atravessar os portões da Unifesspa, Helena sentiu o calor do sol amenizado pela sombra generosa das árvores que ladeavam o caminho. Mas o que realmente chamou sua atenção foram os ipês em plena floração. As pétalas amarelas e rosas se espalhavam pelo chão, formando um tapete colorido que contrastava lindamente com o concreto das calçadas e os prédios ao fundo.

— Uau… — murmurou, encantada com a cena.

Pedro sorriu ao perceber seu deslumbre.

— Bonito, né? Na época da floração, isso aqui fica parecendo um cartão-postal.

Helena girou devagar, absorvendo a paisagem ao redor. Tudo ali parecia ter uma energia própria, como se a natureza e o campus coexistissem em perfeita harmonia. Mas uma estrutura ao longe chamou sua atenção.

— O que é aquilo? — apontou para uma grande construção de madeira, elevada por pilares, com uma arquitetura que parecia respeitar a cultura local.

Pedro seguiu seu olhar e assentiu.

— Ah, esse é o Taipiri. Um espaço cultural e de convivência. Mas antigamente esse era nosso R.U, só que com a contenção de gastos feita por aquele presidente Genocida e Facista, esse restaurante parou de funcionar. Hoje em dia, o pessoal usa para eventos, debates, às vezes até para descansar entre uma aula e outra. Dizem que a estrutura segue o modelo das casas indígenas da região.

Helena franziu o cenho, intrigada.

— Que incrível! Nunca tinha visto nada assim. Dá vontade de conhecer mais.

— Aos poucos, vai se acostumando com tudo por aqui. Agora, vamos, seu prédio é aquele ali. — Pedro apontou para uma construção rústica, com grandes janelas e corredores amplos.

Eles caminharam juntos até a entrada. Helena sentia uma mistura de ansiedade e empolgação. Era como se, pela primeira vez desde que decidira cursar Direito, algo despertasse seu interesse genuíno.

Pedro parou diante da porta e sorriu.

— Bom, daqui pra frente, é com você. Qualquer coisa, me manda mensagem. E relaxa… se o professor vier, tenta não dormir na aula.

Helena riu, sentindo um conforto inesperado na presença dele.

— Obrigada pela carona e pela companhia, Pedro.

— Sempre que precisar. Bem-vinda à Unifesspa, Helena.

Helena atravessava os corredores da universidade, ainda absorvendo cada detalhe do novo ambiente. Os murais coloridos, os grupos de alunos espalhados pelos bancos, o cheiro característico de cigarro e as cantigas entoadas pelo grupo de artes visuais, além das várias vaginas desenhadas nos muros da faculdade. Tudo era novidade, tudo parecia um mundo à parte do que ela conhecia. Cada passo ecoava em sua mente como um lembrete de que aquele era o seu novo início.

Quando saiu para a área externa, a luz do sol a fez semicerrar os olhos por um instante. Ela seguiu pela calçada principal, sentindo a brisa morna brincar com os fios soltos do seu cabelo. E foi nesse exato momento que algo a fez parar. Um ruído grave, familiar, que vibrava levemente no ar: o ronco de uma motocicleta se aproximando lentamente.

O som vinha da entrada lateral do campus. Curiosa, Helena virou-se instintivamente para ver. Uma motocicleta preta com detalhes vermelhos brilhava sob o sol, deslizando suavemente até uma das vagas de estacionamento. O piloto manobrava com precisão, como se fizesse parte da máquina. Quando finalmente desligou o motor, a quietude momentânea pareceu acentuar o instante.

Foi então que seus olhos se encontraram.

Mesmo sob o capacete escuro, havia algo magnético naquele olhar. Intenso, fixo, curioso. Ele não desviou, e ela tampouco conseguiu. O mundo ao redor pareceu silenciar, como se todos os ruídos do campus fossem abafados pelo som do próprio coração de Helena, que agora batia acelerado demais para ser ignorado.

O rapaz tirou as luvas com movimentos lentos, seguros, mantendo os olhos nela. Havia uma aura de mistério em torno dele. Era como se cada gesto fosse calculado, como se aquele pequeno encontro tivesse sido orquestrado por algo maior. Ele começou a erguer o capacete, e por um segundo Helena pensou que finalmente veria seu rosto, mas ele apenas o levantou o suficiente para deixar ver um sorriso leve, de canto, provocador.

Helena sentiu as pernas vacilarem discretamente. Uma mistura de calor e nervosismo a dominou. "O que está acontecendo comigo?" pensou, tentando racionalizar a sensação incontrolável. Era como se aquele instante carregasse um significado que ela não sabia nomear. Não era amor, não era paixão. Era atração pura, crua, inesperada.

Ela desviou o olhar, forçando os pés a seguirem o caminho como se nada tivesse acontecido. Mas o coração... ah, o coração seguia batendo alto, como se quisesse voltar àquele olhar e ficar ali mais um pouco.

Mal conseguira ver o rosto dele por completo, mas sabia. Sabia que algo havia mudado dentro dela. Aquele fora seu primeiro crush na universidade — intenso, silencioso e totalmente inesperado.

Helena seguiu caminhando pelo corredor do pátio central, ainda assimilando tudo ao seu redor. O burburinho dos estudantes ecoava pelos amplos espaços abertos da faculdade, misturando-se ao som dos passos apressados e das risadas ocasionais. Tudo ali era novo.

Enquanto tentava localizar a sala de aula, viu duas garotas paradas próximas a um dos pilares do pátio, olhando para os celulares e trocando expressões confusas. Algo naquelas figuras lhe pareceu familiar. Helena estreitou os olhos, tentando reconhecê-las. E então, lembrou-se: eram Gisele Nunes e Anita Barros, suas colegas do grupo da sala no WhatsApp.

Ela hesitou por um instante, mas logo tomou a iniciativa e se aproximou.

— Ei, Gisele? Anita? — chamou, com um sorriso leve.

As duas levantaram os olhos dos celulares e, por um momento, pareceram processar quem era ela. Então, Gisele abriu um sorriso animado.

— Helena! É você mesmo! — exclamou, se aproximando.

— Nossa, até que enfim encontramos alguém! — Anita suspirou, rindo. — A gente tá completamente perdida por aqui.

Helena soltou uma risada compreensiva.

— Bem-vindas ao clube! Eu também não tenho a menor ideia de onde fica a nossa sala.

As três trocaram olhares e logo caíram na gargalhada. Era um alívio saber que não eram as únicas se sentindo deslocadas.

— A faculdade podia ter colocado umas plaquinhas mais evidentes, né? — Gisele comentou, cruzando os braços. — Fiquei rodando aqui por uns dez minutos e só achei um auditório que, obviamente, não é onde precisamos estar.

— Eu vi um mapa no site da faculdade, mas não entendi nada. Parece um labirinto. — Anita acrescentou, revirando os olhos.

Helena puxou o celular e abriu o grupo da sala, rolando as mensagens até encontrar algo útil.

— Espera, um dos veteranos mandou uma mensagem com uma dica… Aqui! Ele disse que a sala do primeiro semestre fica no segundo andar. E é a segunda sala.

— Ok, então temos um caminho.

As três se olharam e, sem precisar dizer nada, seguiram juntas pelo corredor.

Enquanto caminhavam pelo corredor, ainda debatendo sobre a localização da sala, Helena sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Era aquela estranha sensação de ser observada. Instintivamente, ela ergueu o olhar e, no mesmo instante, sentiu seu coração disparar.

Lá estava ele. O motociclista misterioso.

Agora, sem o capacete, ela finalmente podia ver seu rosto por completo. Os cabelos escuros ligeiramente bagunçados, o maxilar marcado e os olhos profundos que pareciam analisá-la com um brilho de curiosidade. Ele caminhava em direção a elas, com um passo confiante, como se tivesse todo o tempo do mundo. O coração de Helena bateu mais forte, e ela precisou se esforçar para manter a expressão neutra.

Quando ele parou bem à frente delas, os lábios se curvaram em um sorriso leve, quase divertido.

— Vocês são da turma nova do Direito? — Sua voz era grave, envolvente, e fez com que Helena sentisse um frio no estômago.

Ela trocou um rápido olhar com Gisele e Anita antes de responder, tentando parecer natural.

— S-Sim, somos.

Ele manteve o olhar fixo nela por um segundo a mais do que o necessário, antes de abrir um sorriso que fez Helena prender a respiração.

— Bem-vindas. Sou o veterano de vocês.

Helena sentiu seu rosto esquentar. O que era isso? Ele tinha esse efeito em todo mundo ou era só nela? Gisele e Anita também pareciam um pouco surpresas, mas foi Helena quem sentiu as pernas ameaçarem vacilar.

— H-Hm… que bom! — tentou dizer, mas sua voz soou mais trémula do que gostaria.

Ele deu uma risada baixa, como se percebesse seu nervosismo, e cruzou os braços.

— Precisando de ajuda para se achar por aqui?

Helena engoliu em seco. De todas as coisas que poderia ter imaginado para seu primeiro dia, ser guiada pelo seu primeiro crush universitário definitivamente não estava na lista. Mas, no fundo, ela sabia que aquela seria uma apresentação que jamais esqueceria.

Enquanto Helena tentava processar a revelação de que o misterioso rapaz era seu veterano, Gisele, sempre mais desinibida, cruzou os braços e sorriu com interesse.

— E como nosso veterano, vai nos ajudar a encontrar nossa sala? Porque estamos completamente perdidas.

Ele soltou uma risada baixa, um som despreocupado que fez Helena sentir um arrepio inesperado.

— Claro, esse é o meu trabalho, não é? — Ele indicou com a cabeça para que o seguissem. — Vamos, eu levo vocês até lá.

As três trocaram olhares antes de começarem a segui-lo pelos corredores da faculdade. Helena se esforçava para focar no caminho, mas era impossível ignorar a presença dele tão próxima. Ele caminhava com confiança, cumprimentando algumas pessoas pelo caminho, claramente já acostumado com aquele ambiente.

— Qual o seu nome? — Anita perguntou, quebrando o silêncio.

Ele virou ligeiramente a cabeça e sorriu de canto antes de responder:

— Miguel.

Helena sentiu o nome ressoar em sua mente, como se precisasse memorizá-lo.

— Você está em que semestre? — Gisele questionou.

— Sétimo. Já passei pela fase de calouro perdido que vocês estão vivendo agora.

— Que bom para você — Anita disse, rindo. — Porque a gente não tem nem ideia de como as coisas funcionam aqui.

Ele diminuiu o passo e olhou para elas, especialmente para Helena, que sentiu suas bochechas esquentarem.

— Vocês vão aprender rápido.

Helena desviou o olhar, fingindo observar os murais do corredor, mas a verdade é que ela estava processando tudo. Não era só a voz dele ou o jeito confiante, havia algo mais em Miguel que a deixava inquieta, como se ele soubesse algo que ela ainda não compreendia.

Quando finalmente chegaram em frente à sala delas, Miguel parou e se virou para as três.

— Pronto, aqui está. Qualquer coisa, estarei por aqui.

Antes que pudesse dizer algo, Gisele agradeceu e puxou Anita para dentro. Helena, no entanto, hesitou por um segundo a mais, e foi o suficiente para que Miguel percebesse.

— Espero que goste do curso — ele disse, em tom casual, mas havia algo em sua expressão que a deixou ainda mais nervosa.

— Obrigada... — foi tudo o que conseguiu responder antes de se virar apressadamente para entrar na sala.

Seu coração ainda batia acelerado, e ela sabia que aquele era apenas o começo.

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