Cap.03

A calourada era o evento mais esperado pelos novos alunos. As festas da universidade eram lendárias, mas a primeira tinha um peso especial: era o momento oficial de integração entre os calouros e os veteranos. Helena já estava ansiosa, mas seu coração disparou ainda mais quando encontrou Miguel no corredor, dias antes do evento.

— Você vai na calourada, né? — ele perguntou, encostando-se casualmente na parede.

Helena tentou parecer indiferente, mas o nervosismo a fez sorrir sem jeito.

— Talvez… — respondeu, brincando.

Miguel arqueou uma sobrancelha e sorriu de canto.

— Eu espero te ver lá. — E, com isso, saiu andando, deixando Helena completamente sem ar.

Na noite da festa, Helena caprichou no visual. Vestiu um shortinho de alfaiataria verde de cintura alta e uma blusa branca fofinha que destacava sua silhueta. Deixou os cabelos soltos e colocou uma maquiagem leve, apenas o suficiente para realçar seu olhar. Queria estar impecável, mas sem parecer que havia tentado demais.

Anita passou para buscá-la de carro, animada.

— Você tá um arraso! Hoje é teu dia! — disse, piscando para ela.

— Hoje eu beijo meu crush. — Helena pensou, determinada, enquanto entrava no carro.

Ao chegarem na festa, perceberam que estavam entre as primeiras a chegar. O som ainda não estava tão alto e poucas pessoas circulavam pelo espaço. Foi então que Helena avistou Miguel, conversando com alguns amigos. Assim que ele a viu, seus olhos brilharam com diversão e algo mais que ela não conseguiu decifrar.

Ele se aproximou devagar, com aquele jeito relaxado que a deixava inquieta.

— Você veio. — Sua voz era baixa, mas cheia de intenção.

— E parece que fui das primeiras — Helena respondeu, tentando soar confiante.

Miguel sorriu de lado, deixando o olhar correr por ela de maneira sutil.

— Valeu a pena chegar cedo. — O tom era casual, mas carregado de subtexto.

Helena sentiu o rosto esquentar e, pela primeira vez, teve certeza: aquela noite prometia.

A festa foi enchendo aos poucos, o barulho das conversas se misturando ao som crescente da música. Helena estava ao lado de Anita, segurando um copo com um drink qualquer que mal havia provado. Seu coração batia acelerado, e o motivo tinha nome: Miguel.

Desde que ela chegara, os olhares entre os dois se tornaram uma constante. No início, foram discretos, fugidios. Ele olhava, ela desviava. Depois, os papéis se inverteram. Ela observava, tentando captar cada detalhe dele: a forma como ria com os amigos, a maneira casual como levava a bebida aos lábios, o jeito que se inclinava levemente quando alguém falava com ele. E, sempre que seus olhos se cruzavam, ele sustentava o olhar por segundos a mais do que o necessário.

Ela sentiu um arrepio percorrer a espinha quando, em determinado momento, Miguel se afastou dos amigos e caminhou em direção ao balcão. No trajeto, passou perto dela. Perto o suficiente para que Helena sentisse seu perfume amadeirado misturado ao leve cheiro de álcool. Seus olhos se encontraram de novo, e dessa vez ele não desviou. Pelo contrário, sorriu de canto, de um jeito lento, como se soubesse exatamente o efeito que tinha sobre ela.

Helena umedeceu os lábios sem perceber, sentindo as bochechas queimarem. Ele se inclinou levemente em sua direção, mas não disse nada. Apenas segurou o olhar dela por mais alguns instantes antes de seguir seu caminho.

— Esse homem tá flertando com você descaradamente — sussurrou Anita, segurando o braço de Helena.

— Você acha? — Helena tentou disfarçar a ansiedade, mas sabia que não era imaginação.

— Tenho certeza. Se continuar assim, é só questão de tempo até esse jogo silencioso de vocês se transformar em algo mais.

Helena ainda sentia o calor dos olhares trocados, o jogo silencioso de provocações que a fazia acreditar que, naquela noite, tudo aconteceria. Mas então, tudo mudou.

De repente, Miguel fechou a cara. Sua expressão relaxada deu lugar a algo indecifrável — irritação, talvez? Ele desviou o olhar, pegou sua cerveja e deu um longo gole. Sem olhar para trás, virou-se e saiu da festa.

O coração de Helena apertou. O que havia acontecido? Ela tinha feito algo errado? O frio na barriga que antes era empolgante se transformou em uma sensação amarga de frustração. A cada minuto que passava sem vê-lo retornar, sua decepção aumentava. Será que tinha perdido sua chance?

E então, depois de horas, ele voltou.

Mas não estava sozinho.

Ao lado dele, uma mulher de cabelos escuros e expressão carregada. Ela mal disfarçava o incômodo, e quando seus olhos encontraram os de Helena, a mensagem foi clara: ela não era bem-vinda ali.

O estômago de Helena revirou. A expectativa e o encanto daquela noite foram esmagados pela realidade cruel. Seu crush, aquele que lhe lançava olhares intensos minutos atrás, agora estava ali, com outra.

A dor veio junto com um desejo impulsivo de entorpecer aquela sensação. Sem pensar muito, pegou o copo de Anita e deu um gole generoso. Depois, mais um. Em pouco tempo, já não sabia dizer quantas doses havia ingerido.

A noite virou flashes.

Luzes coloridas piscando, risadas ecoando ao fundo, o gosto forte do álcool na boca. Sentia o corpo leve, quase flutuando. Pessoas passavam ao seu redor, algumas falavam com ela, mas suas respostas vinham arrastadas.

O mundo girava. O gosto amargo de álcool misturado com arrependimento ainda estava na boca de Helena. Ela não sabia quantas bocas tinha beijado naquela noite, nem quantos copos de bebida haviam passado por suas mãos. O que sabia era que tinha tentado se aproximar de Miguel — bem ali, na frente da namorada dele.

Foi humilhante.

Ele não precisou dizer nada. O olhar de desprezo que lançou para ela, misturado com o riso debochado da garota ao seu lado, já diziam tudo. Mas, naquela altura da noite, Helena já estava entorpecida demais para sentir o impacto de verdade. Ao invés de recuar, ela se jogou ainda mais fundo na bagunça da festa. Dançou até os pés doerem, riu alto, aceitou qualquer drink que lhe oferecessem e beijou sem critério.

Agora, acordando na casa de Anita, a ressaca era tanto física quanto moral.

— Meu Deus… — murmurou ao abrir os olhos, sentindo a cabeça latejar.

A claridade invadiu sua visão e, por um instante, tudo parecia girar. Com esforço, levou a mão ao pescoço e sentiu a pele dolorida. Se arrastou até o espelho mais próximo e prendeu a respiração ao ver o estrago.

Chupões.

Muitos. Roxos, espalhados, impossíveis de esconder sem um cachecol ou uma blusa de gola alta. Helena arregalou os olhos, sentindo o desespero crescer no peito.

— Ah, não…

Anita entrou no quarto rindo.

— Bom dia pra você também, Bela Adormecida — brincou, cruzando os braços. — Como se sente depois de passar a noite agarrada com o veterano mais feio da festa?

Helena fechou os olhos e gemeu de frustração.

— Me diz que é brincadeira…

— Quem me dera! Você estava impossível, Helena. Pegou geral! Mas ficou grudada mesmo foi naquele cara que a gente sempre evitava no corredor porque… bom, porque ele parece um ogro.

Helena queria desaparecer.

— Eu nunca mais bebo — prometeu, enterrando o rosto nas mãos.

Anita riu e jogou uma blusa na direção dela.

— Melhor vestir isso. Você tem muito o que processar.

Os dias que se seguiram foram um verdadeiro teste para Helena. Ela evitava os corredores mais movimentados, mudava de trajeto sempre que via um grupo de veteranos ao longe e, acima de tudo, fazia de tudo para não cruzar com Miguel. A lembrança daquela noite desastrosa ainda a atormentava, mesmo que estivesse fragmentada em flashes desconexos.

Porém, se por um lado Helena fugia de Miguel, por outro, Eduardo Freitas, amigo dele, parecia cada vez mais interessado em se aproximar dela. No início, ela nem percebeu. As mensagens começaram de forma sutil, um comentário aqui, uma reação ali. Até que, de repente, ele começou a chamá-la para conversar com mais frequência.

“E aí, como tá a ressaca?”

“Se precisar de companhia no intervalo, me chama.”

“Te vi hoje, mas você tava apressada. Foge de mim também, é?”

Helena não sabia como reagir. A princípio, ignorava. Depois, começou a responder de forma vaga, sem se comprometer. Mas uma coisa a incomodava: Eduardo parecia saber mais daquela noite do que ela mesma.

Uma tarde, enquanto mexia no celular no intervalo entre as aulas, Anita espiou a tela e soltou um riso debochado.

— Olha só, seu novo admirador não desiste, hein?

— Eu não sei nem o que dizer… — Helena suspirou, largando o celular. — Eu nem lembro de ter ficado com ele.

— Mas ficou. E muito. — Anita fez uma careta. — E pelo jeito, ele gostou.

Helena se encolheu no banco, abraçando os joelhos.

— Isso tá uma bagunça…

— Então resolve. Você quer sair com ele? Quer saber mais do que rolou? Ou só quer esquecer essa história?

Helena ficou em silêncio, encarando o celular vibrando na mesa ao lado. A verdade era que ela não sabia.

Aos poucos, Helena começou a perceber que aquele universo universitário era bem diferente do que imaginava. Os veteranos não estavam apenas interessados em brincadeiras de trote ou conversas casuais. Eles queriam mais.

Ela passou a notar os olhares prolongados nos corredores, os sorrisos que carregavam segundas intenções, os convites aparentemente inocentes para festas e encontros que sempre pareciam ter um único objetivo. O que antes parecia apenas uma socialização comum começava a ter uma nova camada de significado.

Eduardo, por exemplo, não disfarçava mais suas intenções. Suas mensagens passaram de amigáveis para diretamente insinuantes. Helena já não precisava perguntar sobre aquela noite desastrosa; pelo jeito que ele se referia a ela, estava claro que ele se sentia no direito de continuar o que começaram – mesmo que ela não lembrasse de nada.

Naquele dia, enquanto terminava seu café na lanchonete da faculdade, Helena ouviu sem querer a conversa de um grupo de veteranos na mesa ao lado.

— Aquele trote foi ótimo — um deles comentou, rindo. — Teve caloura que não sabia nem onde tava quando a gente levou pra casa.

— Ah, normal — outro respondeu. — O primeiro semestre é pra isso mesmo. Caloura besta acha que só vai beijar, mas quando vê, já tá na minha cama.

As risadas foram altas, e o sangue de Helena gelou. Por mais que soubesse que havia um jogo de sedução dentro daquele novo ambiente, ela nunca tinha parado para pensar na intensidade disso.

Seu estômago revirou. Olhou ao redor e viu outras meninas, novatas como ela, completamente alheias a essa realidade, talvez prestes a cair no mesmo jogo sujo. Helena se perguntou quantas delas, assim como ela, estavam sendo cortejadas por caras que, no fundo, só esperavam uma oportunidade para levar a noite para um lugar mais privado.

A ideia de que seu nome poderia estar em conversas parecidas fez algo dentro dela se acender. Não queria ser apenas mais um comentário em um grupo de rapazes rindo no intervalo. Não queria ser mais uma história contada entre goles de cerveja.

Respirou fundo. Se queria sobreviver àquele novo universo, teria que aprender as regras rápido.

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Jaque Menenguci

Jaque Menenguci

amando a história

2025-05-16

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