Eu estava parada no corredor, minha mente girando como uma roleta descontrolada, tentando processar tudo o que havia acontecido.
Ridan havia partido, e agora eu estava sozinha. Só eu e esse labirinto sufocante de pedra, onde cada corredor parecia se estender para sempre, zombando da minha falta de direção. A mansão, imensa e silenciosa, tragava qualquer som como uma criatura faminta, seus corredores vazios me observando com olhos invisíveis.
Hesitei. Esquerda? Direita? Ou simplesmente ficar aqui e torcer para que algum figurante aparecesse para me guiar? Sempre foi assim, não foi? No jogo, eu nunca precisei decorar as rotas—bastava seguir a seta brilhante na tela, e tudo se resolvia. Eu era como um NPC secundário, dependendo de marcadores de missão e diálogos automáticos para seguir em frente.
Mas agora? Nada de setas. Nada de caminhos prontos. Só uma mansão sufocante e sem um botão de pausa.
— O que vem a seguir? Uma cutscene dramática? Uma tela preta e "dia seguinte" piscando no canto? — murmurei para mim mesma, cruzando os braços.
O pensamento era irônico, mas não menos inquietante. Cada corredor parecia um clone do anterior, com suas paredes de pedra fria e candelabros antigos projetando sombras oscilantes pelo chão.
Sacudi a cabeça, decidindo continuar andando. Talvez meu quarto estivesse perto. Talvez a sorte finalmente me sorrisse.
Ou talvez—e isso parecia bem mais provável—o universo decidisse me ferrar ainda mais.
As vozes ecoavam pelos corredores como pequenas navalhas de veneno cortando o silêncio.
— Acho que ela não vai durar muito mais aqui. É tão arrogante... os jovens mestres a odeiam, realmente.
Minha espinha se retesou. Ah, fofoca. A mais antiga das artes da criadagem. Sempre afiada, sempre mortal.
Eu já sabia que falavam de mim—ou melhor, da Evelyne. Mas ouvir as palavras assim, tão perto, era diferente. Era como assistir a um incêndio à distância e, de repente, sentir o cheiro da fumaça encher seus pulmões.
Mais palavras vieram, cada uma mais ácida que a anterior:
— Ela mal consegue disfarçar a arrogância, não sabe nem como se comportar como uma nobre.
— Vive quebrando tudo ao seu redor, como se o mundo fosse dela.
— Ninguém aguenta mais essa encenação.
— Nem a própria família a suporta. Se não fosse filha do Duque, já teriam dado um jeito nela.
Risadas baixas se espalharam pelo ar, como serpentes sibilando entre as pedras do chão.
Fechei os olhos por um segundo. Respirei fundo.
E foi aí que percebi.
Eu não estava irritada porque elas estavam falando mal de Evelyne. Eu estava irritada porque elas estavam tão confortáveis em fazer isso. Como se eu fosse algum tipo de piada inofensiva, uma figurante sem peso real. Como se a Evelyne da tela—e agora eu—fosse apenas um alvo fácil para suas línguas afiadas.
Não era indignação. Não era mágoa.
Era puro, frio e calculado desprezo.
E se tinha algo que eu odiava mais do que ser subestimada, era não responder à altura.
Sem hesitar, caminhei até elas. Meus passos ressoaram no chão de mármore, e o som foi o suficiente para que as duas criadas se congelassem. O momento em que perceberam minha presença foi quase cômico—os olhos arregalados, as bocas entreabertas, o pânico rapidamente se infiltrando em suas expressões.
Levantei a mão, e a luz que entrava pela janela fez o topázio do meu anel brilhar como um pequeno sol dourado. O anel que meu pai, o Duque, me dera. Aquele que me dava autoridade para conduzir eventos importantes. Se me permitia organizar um baile, por que não usá-lo agora?
— Ah, eu devo estar ouvindo mal. — murmurei, minha voz pingando sarcasmo. Inclinei a cabeça levemente, como quem realmente considera a questão. — Por favor, falem de novo. Alto o suficiente para que eu possa anotar direitinho no relatório da criadagem. Não seria uma pena se certas palavras chegassem aos ouvidos errados?
O silêncio delas era quase delicioso.
O medo estampado em seus rostos? Melhor ainda.
Ah, então agora eu não era mais um estorvo insignificante? Engraçado como a hierarquia só importava quando lhes convinha.
Cruzei os braços, deixando meu olhar se arrastar lentamente sobre cada uma delas, saboreando o desconforto.
— O que foi? O discurso acabou? — continuei, arqueando uma sobrancelha. — Poxa, e eu que achei que estava ouvindo algo importante...
Nada. Nem um sussurro. Apenas silêncio e nervosismo.
— Bom, já que vocês duas claramente têm tempo livre para conversas tão produtivas, imagino que tenham energia sobrando para limpar algumas alas extras da mansão. Fico feliz em informar que as janelas da ala sul estão imundas. Vou pedir para o mordomo pessoalmente que vocês fiquem responsáveis por isso.
— S-senhorita... nós não sabíamos que estava aqui…
A criada mais próxima gaguejou, a voz oscilando como um fio prestes a se partir. A outra permaneceu imóvel, como um cervo encurralado, olhos arregalados e a boca abrindo e fechando sem emitir som algum.
Quase soltei uma risada. Ah, então a desculpa era essa? Não sabiam que eu estava ali?
Inclinei ligeiramente a cabeça, observando-as como se fossem insetos presos sob um vidro.
— Engraçado. Isso quer dizer que, se soubessem, simplesmente teriam escolhido um lugar mais discreto para destilar veneno?
Nenhuma resposta. Apenas engoliram em seco.
Continuei, meu tom tão calmo quanto um lago antes da tempestade:
— Vocês falam como se eu fosse uma praga inevitável. Um erro ambulante. Mas, me digam… se sou tão irrelevante assim, por que desperdiçam tempo discutindo minha existência?
Um rubor desconfortável subiu pelo rosto da criada que havia falado primeiro. A outra, que antes parecia paralisada, fez menção de abaixar a cabeça, como se pudesse desaparecer.
— Oh, por favor, não parem agora. Estou me divertindo — acrescentei, cruzando os braços.
Silêncio.
Suspirei dramaticamente, batendo o pé no chão de mármore, o som ecoando pelo corredor.
— Nada? Nenhuma réplica? Nenhum comentário espirituoso sobre a minha personalidade? Tão falantes há um segundo e agora tão… obedientes.
Mais silêncio. Quase podia ouvir o coração acelerado de uma delas.
— Decepcionante — murmurei, girando o anel de topázio no dedo como se fosse apenas uma joia qualquer e não um lembrete incômodo de onde eu estava e do que representava.
Elas finalmente abaixaram as cabeças. Não por respeito genuíno, mas porque entenderam que, por mais vilã que eu fosse, ainda era a filha do Duque.
E no final, o poder sempre falava mais alto.
Passei por elas sem pressa, deixando-as afundadas no próprio medo.
Mas, antes de seguir pelo corredor, parei. Não me virei para encará-las, apenas falei, deixando as palavras se dissolverem no ar denso:
— Aprendam a ter cuidado com o que sussurram pelos corredores. As paredes têm ouvidos. E, por acaso, alguns deles pertencem a mim.
Então, continuei andando, sem olhar para trás.
Se algum dia alguém me dissesse que eu viveria para dar uma "lição de moral" em duas criadas fofoqueiras de um mundo fictício, eu teria rido na cara da pessoa.
Mas aqui estou eu.
E, quer saber?
Foi até satisfatório.
O peso da pressão parecia estar no ar, como um cobertor sufocante de expectativa e desprezo. Eu continuei andando, mais determinada do que nunca a encontrar meu quarto—ou qualquer maldita referência que me dissesse onde diabos eu estava.
"Agora... onde eu vou?" pensei, soltando um suspiro exasperado. O problema não era apenas a falta de direção. Era a sensação de estar presa num cenário que se repetia infinitamente, como um jogo bugado onde o personagem corre em círculos sem perceber.
O ar carregava um cheiro suave de cera de vela e madeira antiga, um peso invisível que fazia o tempo parecer mais lento.
As paredes de pedra ao meu redor pareciam se fechar um pouco mais a cada corredor que eu cruzava. Candelabros antigos projetavam sombras vacilantes no chão, e o silêncio esmagador só era interrompido pelo eco dos meus próprios passos. Não havia minimapa, não havia barra de missão piscando no canto da tela. Apenas eu e a arquitetura maldita dessa mansão, que parecia se divertir às minhas custas.
Então, vozes cortaram o silêncio.
— Ela mal sabe se portar como uma nobre…
— Os jovens mestres a desprezam.
Parei no meio do corredor. Ah, fofoca. A trilha sonora clássica de qualquer lugar onde empregados tinham tempo demais e respeito de menos.
Revirei os olhos, apertando o passo.
"Ótimo. Mais um diálogo passivo-agressivo sobre o desastre ambulante que diziam ser Evelyne. Será que se eu ficar parada o tempo suficiente, aparece um botão para pular essa parte?"
Dessa vez, nem me dei ao trabalho de escutar até o final. Era sempre a mesma ladainha—como se me menosprezar fosse um esporte nacional. Mas, diferentemente da primeira vez que ouvi, agora parecia distante. As palavras passavam por mim sem me tocar, sem causar impacto.
Eu estava cansada.
Perdida, impaciente e carregando o peso esmagador de ser Evelyne num mundo que queria me ver falhar.
Continuei andando, sentindo meu próprio humor se desgastar a cada corredor idêntico que eu atravessava. Se esse lugar queria me dobrar pelo cansaço, parabéns, estava no caminho certo.
Mas dobrar não significa quebrar.
E se acham que eu vou aceitar isso sem lutar...
Dobrei a esquina e parei.
A porta diante de mim parecia vagamente familiar, como um déjà vu incômodo. Madeira escura, adornada com detalhes dourados. Meu instinto dizia que era aqui.
"Se não for, paciência. No pior dos casos, acabo invadindo o quarto de algum nobre insuportável e adiciono mais um problema à minha lista interminável."
Empurrei a porta e fui recebida por um espetáculo que parecia saído de um sonho—ou de um catálogo ridiculamente caro de decoração.
O quarto era gigantesco. Não apenas grande, mas um insulto direto a qualquer noção de modéstia que eu já tivesse tido. O teto alto ostentava um lustre de cristal que brilhava como uma joia arrogante, as cortinas pesadas pareciam caras o suficiente para pagar meu aluguel por um ano, e a mobília… bem, vamos apenas dizer que minha antiga cama de solteiro choraria de inveja.
"Então é isso que significa ser rica. Interessante."
Andei pelo ambiente, meus passos ecoando no chão de mármore branco, e olhei ao redor. Tudo parecia saído de um conto de fadas – um daqueles que terminam com a princesa casando com um príncipe sem carisma, e não com a vilã reencarnada tentando descobrir como não morrer.
Parei em frente à janela. O jardim se estendia lá fora, uma pintura impecável de flores e arbustos perfeitamente podados. Mas foi o reflexo no vidro que realmente me prendeu.
Ali estava eu. Ou melhor, ali estava ela. Evelyne.
O reflexo me encarava de volta. Cabelos loiro-dourados caíam em ondas suaves ao redor da pele de porcelana, olhos turquesa puxados para o azul analisavam cada detalhe como se tentassem me decifrar. O formato delicado do rosto, as maçãs do rosto salientes, as mãos finas e elegantes… Nada ali me pertencia. Era o rosto de Evelyne, não o meu. E, por mais que eu tentasse encontrar vestígios de Rafaela sob essa nova identidade, tudo o que via era uma estranha. — uma estranha fusão entre inocência e autoridade.
Meus dedos deslizaram pelo vidro, notando as mãos finas e delicadas refletidas ali, tão diferentes das que eu lembrava possuir. Suspirei e me afastei, jogando-me na cama.
O colchão era absurdamente macio. Do tipo que fazia promessas perigosas – "relaxa, fecha os olhos, esquece essa história de sobrevivência e só dorme".
Mas o problema era esse.
Mesmo cercada por todo esse luxo, eu não conseguia esquecer.
Porque eu não era mais Rafaela. Mas também não era exatamente Evelyne.
Então… quem diabos eu era agora?
Fiquei encarando o teto, deixando que a pergunta ecoasse na minha mente.
E o pior?
Ainda não fazia ideia da resposta.
O cansaço me pegou de jeito assim que afundei na cama. Meus músculos finalmente cederam, meus olhos pesaram, e por um momento… paz.
Ou melhor, quase.
Porque a porta se escancarou de repente com um estrondo.
Minha alma quase saiu pela boca. Me sentei de um pulo, o coração martelando no peito. Que inferno—quem entra assim no quarto dos outros sem bater?!
Foi quando aconteceu.
Uma tela translúcida surgiu bem diante dos meus olhos, brilhando em um vermelho tão intenso que parecia gritar perigo.
⚠️ PERIGO - ALTO RISCO DE MORTE ⚠️
…Ah.
A exaustão evaporou na mesma hora. Meu corpo se retesou, um arrepio subindo pela espinha.
O aviso brilhava diretamente sobre a cabeça da pessoa que acabara de entrar.
O vermelho brilhou diante dos meus olhos, intenso e pulsante como um aviso de emergência prestes a explodir. Meu coração deu um salto no peito, o ar ficou pesado nos meus pulmões. Alto risco de morte. As palavras pareciam vibrar na minha mente, cada letra gritando perigo. Como se não bastasse, logo abaixo, outro aviso surgiu, transformando meu medo em puro desespero:
MODO LIVRE: DESATIVADO.
Meus músculos ficaram tensos. Minha boca secou. Eu estava presa na cena, sem controle, sem opção de saída. E pior… diante de alguém que, aparentemente, podia me matar
Ótimo. Perfeito. Só melhora.
Alto risco de morte e modo livre desativado? Então quer dizer que não só eu estava à mercê do roteiro, como também havia um grande potencial de eu não sair viva dessa cena.
Meus pensamentos dispararam, e minha primeira vontade foi xingar em voz alta, mas mesmo se quisesse minha voz não sairia, igual no tribunal, tendo de seguir as falas do jogo.
Mas, em vez disso, engoli a maldição e encarei a figura no umbral da porta.
Se eu estava prestes a morrer, pelo menos queria saber quem seria o responsável.
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Atualizado até capítulo 23
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