Convite ao caos

O escritório tinha aquele ar de "nada aqui é normal". As paredes de madeira escura praticamente engoliam a luz, e os móveis grandes e pesados me faziam sentir como se estivesse dentro de um daqueles livros antigos, onde tudo é exagerado e sem sentido. Eu não era uma dama de alta classe. Eu era só uma estranha jogada nesse lugar por... bem, sei lá, alguma força maior.

A escrivaninha de carvalho parecia mais uma mesa de comando de algum império antigo, e o Duque, sentado atrás dela, tinha a postura de quem controla o mundo com um só olhar. Aquelas olhadas de "eu sou poderoso e você é só mais uma".

Ok, não era o meu corpo. Não era a minha vida. Eu estava presa nesse maldito jogo otome tentando, sei lá, achar um final feliz para a vilã. Mas não me sentia nem um pouco feliz em passar por tudo isso. Quem consciente no mundo se sentiria?

O Duque era, essencialmente, uma versão mais velha de Ridan. Seus traços eram semelhantes: os olhos azuis penetrantes, a mandíbula bem definida e o cabelo loiro, já com fios prateados nas têmporas, o que só aumentava sua aura de autoridade. A postura era igualmente imponente, mas com um peso de experiência que tornava seu olhar ainda mais incisivo e calculista. Ele tinha a mesma elegância fria de seu filho, mas com uma calma autoritária, como se já tivesse visto tudo e estivesse apenas esperando o momento certo para agir.

Quando o Duque finalmente levantou os olhos, ele demorou um segundo a mais do que o normal, me analisando como se estivesse procurando uma falha. Eu podia sentir o peso do olhar dele como se fosse uma faca afiada.

— Ah, meu filho... — Ele disse com aquela voz suave, mas com algo frio por trás. — E você trouxe... Evelyne.

Tentei não demonstrar o quanto estava nervosa.

— Você parece cansada. — Ele comentou olhando pra mim, e aquilo me deu arrepios. Claro que eu parecia cansada. Eu estava presa nesse jogo ridículo!

Ele inclinou a cabeça, como se tivesse captado algo que eu não queria que ele soubesse. Aquele olhar de quem sabia mais do que eu queria admitir. Ele me estava lendo, e isso me deixava nervosa.

— Isso pode ser um bom sinal. — Ele disse com uma leve diversão na voz.

Ele falava como se estivesse em um monólogo, Ridan me dava olhares furtivos para que eu não respondesse, já que antes tinha me dado o alerta e resolvi concordar.

Eu, que até então me sentia como um peixe fora d'água, agora estava começando a sentir que o peixe estava prestes a ser fisgado. O Duque me observava com um interesse um tanto desconfortável, como se estivesse avaliando cada movimento meu, cada respiração.

Ao lado dele, Ridan mantinha a postura impenetrável, como sempre. Seu semblante frio e calculista não mudava, e era como se ele já soubesse a exata direção da conversa.

— Diga-me, filho, como foi? — Sua voz tinha aquele tom de quem já sabia a resposta, mas estava interessado em ouvir de Ridan, como se fosse mais um entretenimento do que qualquer outra coisa.

Ridan começou a narrar os eventos no tribunal com uma precisão cortante, como se estivesse apenas repetindo uma história que já conhecia de cor. Sua voz suave e controlada era quase um eco, enquanto as palavras saíam da sua boca com a precisão de um cirurgião.

Eu apenas escutava, permanecendo em silêncio, sentindo as palavras de Ridan como um peso no ar. O silêncio que se seguiu entre os dois homens parecia carregado de tensão, como uma corda esticada, prestes a se romper. E eu? Bem, eu estava ali, observando e tentando não mostrar o quanto queria rir ou, quem sabe, chorar. Como eu odiava essa sensação de estar sendo reduzida a um mero personagem em um jogo.

Quando Ridan terminou de falar, o Duque não pareceu surpreso. Na verdade, ele parecia mais satisfeito com a situação, mas a expressão dele estava tão impassível quanto antes. Ele se recostou na cadeira, os olhos ainda fixos em mim, como se estivesse me avaliando de alguma forma.

— Interessante... — ele disse, com aquela voz grave que fazia a gente se perguntar se ele estava realmente dizendo algo ou só deixando o silêncio ocupar o espaço. Ele virou-se então para mim, e a intensidade no olhar dele não diminuiu. — Não foi como eu esperava, devo admitir. Mas, mesmo assim... você me surpreendeu.

Eu senti um calafrio passar pela espinha, mas não deixei transparecer

Então, como se estivesse me medindo em alguma escala de utilidade, ele fez um gesto com a mão para que eu me aproximasse. Respirei fundo e dei um passo à frente, mesmo com os pés pesando mais do que nunca. Eu não ia hesitar agora.

— Você tem mais em você do que eu pensava... — disse o Duque, com aquela voz calculada. Olhei diretamente nos olhos dele, com uma determinação que até eu mesma não sabia que tinha. 

Ridan, ao meu lado, continuava naquela pose de quem tanto fazia se o mundo estivesse pegando fogo ou se estivesse só assistindo a um teatro. Mas eu sabia que não era bem assim. Ele estava prestando atenção. Observando. Esperando para ver se eu ia vacilar ou se conseguia segurar a onda.

E, bem… eu estava segurando. Por enquanto.

O olhar do Duque percorria cada detalhe meu, como se procurasse uma falha invisível.

O silêncio se arrastou por mais alguns segundos, até que o Duque finalmente se inclinou para frente, os olhos ainda presos nos meus.

— Vamos ver o quanto você consegue suportar…

Ah, mas é claro que ele tinha que soltar uma frase dramática dessas.

— Muito bem… já que estamos falando do seu desempenho, acho que é a hora perfeita para testá-la em algo mais desafiador — disse o Duque, com aquele tom controlado, mas cheio de segundas intenções.

Ótimo. Porque a minha vida não podia simplesmente ser fácil, né?

Eu não fiz nenhuma careta, mas por dentro já sentia o estômago apertando. Vinha bomba por aí, eu podia sentir.

— Meu aniversário se aproxima e, como de costume, haverá um baile em comemoração — ele continuou, como se estivesse anunciando a chegada do apocalipse. — Um evento social importante, frequentado pela nobreza e por diversas figuras de influência. Normalmente, a anfitriã da casa é responsável por organizá-lo. No entanto…

Pausa dramática. Óbvio. Porque se tem uma coisa que esses figurões adoram, é um bom suspense antes de jogar a sentença.

— Quero que você cuide disso.

Minha boca secou na hora.

— Eu…?

A palavra escapou antes que eu pudesse evitar. Porque, sério, EU?

Organizar um baile de aristocratas cheios de frescura? Eu mal conseguia lidar com uma festa de aniversário, e agora tinha que planejar um evento de gala?

Era isso. Oficialmente, o universo estava de sacanagem comigo.

Ridan, que até então só observava com aquela expressão de quem já previa o desastre, franziu a testa e inclinou-se levemente para frente.

— Pai, isso não faz sentido — ele disse, a voz carregada de puro desagrado. — Ela não tem experiência com esse tipo de evento. O baile precisa ser impecável, não uma brincadeira.

Ah, obrigada, Ridan, querido. Não que eu quisesse concordar com ele, mas, dessa vez, eu estava 100% ao lado do meu carcereiro loiro.

O Duque, no entanto, apenas lhe lançou um meio sorriso enigmático.

— Exatamente. E é por isso que será um ótimo teste.

Testes. Sempre testes. Não podiam simplesmente me dar um descanso e me deixar beber um chá em paz?

Antes que eu pudesse argumentar, bem diante dos meus olhos, uma nova janela de jogo surgiu:

🔹 MISSÃO: BAILE ANUAL 🔹

🎯 Objetivo: Organizar o aniversário do Duque com sucesso.

🏆 Recompensas:

• +5% de afinidade com todos os protagonistas masculinos

• +5% de afinidade entre as relações próximas

• +10% de carisma

⚠ Falha: O evento será um desastre e sua reputação cairá (-30%)

⏳Tempo: 0:59

🔹 Aceitar missão? 🔹

> Sim   > Não

Ótimo. Porque se tem uma coisa que eu sempre sonhei em fazer, era organizar festas para nobres metidos enquanto minha sanidade desmorona.

O silêncio que se seguiu foi tão pesado que eu quase pude ouvi-lo se arrastando pelo chão como um tapete mal assombrado, estava considerando as opções, eu conseguiria 5% com os alvos, e até agora só tinha Ridan com 1% eu nem conhecia os outros.

Eu sentia o olhar de Ridan queimando sobre mim, e, por um momento, tive certeza de que ele estava esperando que eu recusasse. Na verdade, acho que ele contava com isso. Mas, antes que ele pudesse abrir a boca para despejar mais um sermão sobre a minha suposta incompetência, ergui o queixo e soltei, sem hesitar:

— Eu aceito!

⏳Tempo esgotado: escolha feita.

🔹 Aceitar missão? 🔹

✅ Sim ❌ Não

A reação foi instantânea. Ridan virou o rosto na minha direção tão rápido que, por um segundo, achei que ele ia deslocar o pescoço. Seus olhos se estreitaram, um brilho perigoso de irritação misturado com surpresa. Ele definitivamente não esperava por isso.

Já o Duque? Bem, ele não era tão fácil de abalar. Seu interesse aumentou de forma sutil, como se estivesse observando um rato de laboratório que, por algum motivo, resolveu escapar do labirinto em vez de seguir o roteiro.

— Tem certeza? — Ele perguntou, pausado, como se estivesse me dando uma última chance de usar o cérebro.

Ah, sim. Claro. Eu adoraria recuar agora e perder o pouco de dignidade que ainda me restava.

Segurei o impulso de hesitar. O olhar de Ridan ainda queimava sobre mim como uma sentença de morte, mas algo dentro de mim sabia que essa era a minha chance. Se eu quisesse ser levada a sério, se eu quisesse sobreviver a esse jogo sem acabar como uma figurante irrelevante, não dava para sair correndo no primeiro obstáculo.

— Sim — Respondi, com firmeza.

Se eu ia me ferrar? Provavelmente. Mas pelo menos ia fazer isso de cabeça erguida.

O Duque me observou por um longo momento, como se esperasse algum sinal de arrependimento da minha parte.

— Muito bem. — Ele se inclinou levemente para frente, e eu quase pude sentir o peso de mais uma responsabilidade sendo colocada sobre as minhas costas. — Você tem total responsabilidade pelo baile. Isso inclui a escolha da decoração, convidados, menu e entretenimento.

Ah, claro, porque eu tenho muita experiência com festas da nobreza. Na minha vida real, o mais perto que cheguei de organizar um evento desse porte foi decidir quantas pizzas pedir para uma maratona de séries.

— E, claro — ele continuou, sua voz carregada daquela frieza habitual — será julgada por todos que comparecerem.

Ótimo. Como se organizar um baile para um bando de nobres esnobes já não fosse complicado o suficiente, ainda tinha que lidar com o fato de que qualquer erro meu viraria fofoca de corredor.

Mas recuar? Nem pensar.

Mirei o Duque com um olhar firme, segurando a vontade de fazer uma piada sobre o quanto isso parecia uma péssima ideia.

— Não irei decepcioná-lo — afirmei, com mais convicção do que realmente sentia.

Ao meu lado, Ridan soltou um suspiro irritado, passando a mão pelo rosto como se estivesse reunindo paciência para lidar comigo.

— Veremos.

A resposta veio seca, carregada de ceticismo. Se ele achava que eu ia implorar ajuda, bem... ia ficar esperando.

Já o Duque, por outro lado, apenas sorriu. Um daqueles sorrisos enigmáticos que faz a gente se perguntar se acabou de entrar em um jogo mortal ou se ele simplesmente gosta de assistir as pessoas se debatendo.

O som da gaveta deslizando foi quase imperceptível no silêncio solene do escritório, mas minha ansiedade amplificou cada pequeno ruído. Meu olhar seguiu o movimento do Duque enquanto ele retirava um pequeno objeto lá de dentro.

Ele fechou a gaveta com calma e, sem pressa, estendeu a mão na minha direção. No centro de sua palma descansava um anel.

Não um anel qualquer.

O topázio brilhava com uma luz discreta, engastado em ouro trabalhado com detalhes absurdamente refinados. Mas o que realmente me chamou atenção foi o brasão entalhado no metal — o símbolo da família.

Ah, ótimo. Isso com certeza não era apenas uma joia bonita.

— Pegue — ordenou o Duque, sua voz carregada de significado.

Fiquei encarando o anel por um segundo a mais do que deveria, porque, convenhamos, coisas assim nunca vêm sem um preço. Mas, no fim, estendi a mão e aceitei.

O metal estava frio contra minha pele, e a pedra preciosa captava a luz de um jeito quase hipnotizante. Mas, mais do que beleza, aquele anel carregava algo muito mais pesado: responsabilidade.

— Esse anel representa minha autorização para que tenha acesso aos documentos e fundos da família, assim como para que possa tomar decisões em meu nome na organização do baile. — explicou o Duque, entrelaçando os dedos sobre a mesa e me estudando com aqueles olhos que pareciam ver além da carne. — Use-o com sabedoria.

Certo. Então era isso.

Esse anel era mais do que um adereço elegante. Era um passe livre para comandar e movimentar dinheiro como bem entendesse. Era uma forma de garantir que eu não tivesse desculpas para falhar.

Uma armadilha com design sofisticado.

Se eu errasse, não poderia alegar falta de recursos. Não poderia dizer que ninguém me ouviu. Com esse anel no dedo, cada decisão errada seria inteiramente minha culpa.

Fantástico.

Mas se eu recusasse agora? Bem, essa não era exatamente uma opção.

Ridan, que até então estava me divertindo com sua irritação silenciosa, não pôde mais conter a expressão quando viu o anel na minha mão. Seus olhos se estreitaram, e ele soltou um suspiro pesado.

— Isso é um exagero, não? — A desconfiança transbordava em sua voz, como se ele mal pudesse acreditar no que estava vendo. — Dar a ela acesso irrestrito aos fundos da família...

O Duque, sem pressa de dar explicações, lançou um sorriso enigmático para o filho, como se estivesse brincando de gato e rato.

— Se ela vai organizar o baile, precisa ter os meios para isso. — disse ele, com aquela calma irritante que sempre tinha um propósito por trás. — Além disso... será um bom experimento.

Experimentos. O que poderia dar errado, certo?

Ridan revirou os olhos, claramente exasperado, e virou o rosto para mim com uma expressão de quem já sabia que eu estava prestes a me enfiar em mais uma encrenca.

— Só espero que você saiba no que está se metendo. — ele disse, cruzando os braços, um olhar de cautela.

Eu só pude apertar os dedos ao redor do punho, sentindo a frieza do metal contra minha pele, como se ele quisesse me lembrar do peso do que tinha acabado de aceitar.

— Eu sei — respondi, sem hesitar, como se tudo estivesse absolutamente sob controle. (Claro, só não me perguntem como.)

O Duque observou a troca entre nós dois, com aquele sorriso quase imperceptível de quem está se divertindo. Ele devia achar que estava me colocando em uma espécie de teste psicológico.

— Ótimo. Então, Evelyne, espero que não me decepcione.

Eu podia sentir o peso das palavras dele, mas engoli seco e mantive o olhar firme.

O Duque se inclinou levemente para trás, cruzando as mãos sobre a mesa com a tranquilidade de alguém que estava se livrando de mais um detalhe insignificante. Seu olhar, ainda afiado, não dizia mais nada. Ele já tinha feito o que queria.

— Podem se retirar.

A voz dele estava fria, sem a menor tentativa de gentileza. Apenas autoridade.

Ridan foi o primeiro a se mover, claro, sempre com aquele controle irritante. Sem dar a mínima reação. Eu, por outro lado, fiz uma reverência, talvez um pouco mais exagerada do que o necessário, antes de me virar para sair.

Acho que não precisava disso… Enfim, ja fiz.

Até que a porta se fechou atrás de mim.

O som do trinco batendo ecoou no corredor, um estalo seco e sutil que parecia carregar todo o peso do momento. E então, o ar mudou.

Ridan, como se estivesse esperando, virou-se ligeiramente para mim. Os olhos dele estavam num azul mais escuro do que nunca, e o ódio ali não era disfarçado — era visceral, como uma faca pronta para cortar a qualquer momento.

— Espero realmente que o baile seja um sucesso. — Ele falou, sua voz baixa, mas com um fio de ameaça que fez meus pelos se arrepiarem.

Eu senti a pressão na minha espinha, mas tentei não demonstrar. Não podia. Não seria esse tipo de pessoa.

— Se não for... — Ele se aproximou, e o tom cortante dele fez meu estômago se revirar. — Vou me certificar de que você nunca mais veja a luz do sol novamente.

A ameaça estava ali, escorrendo pela sua voz, sem necessidade de volume. Cada palavra soava como veneno. Eu sabia que ele não estava brincando. Mas, em vez de me encolher, o que eu fiz? Mantive meu olhar fixo no dele. Não iria lhe dar o prazer de ver a minha insegurança.

Por um momento, nenhum de nós se moveu. A tensão no ar estava tão densa que dava para cortar com uma faca.

Então, sem mais uma palavra, Ridan se virou e partiu.

E eu fiquei lá, no corredor, respirando como se tivesse acabado de sair de uma luta.

Seria interessante ver até onde ele iria.

Os passos de Ridan ainda ecoavam, mas eu estava congelada ali, meio entre o pânico e a vontade de dar um soco na parede. Ódio. Eu podia sentir o ódio dele. E por que isso? Ah, claro, eu agora sou a vilã, não é?

Fechei os olhos. Não era hora de entrar em crise existencial. Eu tinha um baile para organizar. Um baile, claro, porque eu sou perfeita para isso, né?

Mas, sinceramente, eu não tinha ideia de por onde começar. Convites? Menu? Músicas? Eu nem sabia organizar meu próprio aniversário, quanto mais isso. A ansiedade quase me derrubou, mas respirei fundo.

Não. Eu não ia quebrar. Vou mostrar para todos que posso fazer isso, mesmo que tenha que improvisar o tempo inteiro.

Com essa empolgação toda, levantei a cabeça e saí. Agora, era hora de fingir que eu sabia o que estava fazendo.

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