Um Péssimo Começo

O tribunal ainda ecoava com aqueles murmúrios irritantes. Vozes abafadas, julgamentos, decisões... tanto faz. Meu foco agora era um só: sair dali. O barulho dos meus passos contra o chão de pedra soava mais alto do que o normal, ou talvez fosse só minha mente dramatizando tudo porque, honestamente, eu estava cansada.

Ridan ia na frente, andando com aquele jeito de quem sabe exatamente o que está fazendo. Diferente de mim, que só seguia, sem ideia nenhuma do que vinha a seguir. Ele nem olhou para trás, mas dava para sentir sua atenção em mim. Isso me incomodava? Sim. Isso fazia eu parar de encarar a nuca dele de tempos em tempos? Não.

Quando saímos, o ar fresco bateu no meu rosto. A cidade estava envolta naquela luz de fim de tarde bonita, mas eu estava ocupada demais processando os últimos acontecimentos para me importar. Casas rústicas de madeira se alinhavam pelas ruas estreitas, seus telhados baixos e janelas pequenas pareciam espiar a gente passando. Algumas pessoas andavam por ali, mas ninguém prestava muita atenção em nós. Melhor assim.

Então, a carruagem apareceu no meu campo de visão. Enorme, escura, com detalhes dourados que brilhavam com a luz do sol. Grande demais, chique demais. Claro que Ridan não andaria em qualquer coisa.

Ele parou ao lado e estendeu a mão para mim.

Por um segundo, considerei me virar e fingir que não vi, e, sejamos sinceros, se era para tropeçar e cair de cara no chão, melhor aceitar a ajuda.

Peguei a mão dele, sentindo a firmeza do toque. Ridan me puxou para cima com facilidade, como se eu pesasse tanto quanto uma pena. Que ótimo, além de misterioso e mandão, ele ainda fazia parecer que eu não tinha peso nenhum. Minha autoestima agradece.

Me ajeitei no banco da carruagem, tentando não pensar muito na proximidade. Ridan subiu logo depois, e então o silêncio se instalou. A carruagem começou a se mover, e foi aí que as coisas ficaram... estranhas.

No início, era só um balanço chato. Mas aí veio o enjoo. Primeiro, só um incômodo. Depois, uma náusea real, daquelas que te fazem considerar o quão humilhante seria vomitar na frente de alguém.

Tentei olhar pela janela para me distrair. Ruas de pedra, casas simples, algumas árvores. Nada ajudou. Meu estômago estava oficialmente travando uma guerra comigo.

Ah, que ótimo. Eu sobrevivo a julgamentos tensos e olhares ameaçadores, mas sou derrotada por uma carruagem em movimento. Isso só pode ser um castigo divino.

— Você está bem? — A voz de Ridan quebrou minha linha de pensamento trágica.

Virei o rosto devagar. Ele me encarava com as sobrancelhas levemente franzidas.

— Maravilhosamente bem. Nunca me senti melhor. — respondi, antes de soltar um suspiro e admitir: — Tá, mentira. Acho que essa coisa tá me matando.

Ridan não hesitou. Fez um sinal para o cocheiro, e a carruagem diminuiu o ritmo como se fosse algo costumeiro, será que Evelyne sempre se sente enjoada em viagens de carruagem?

Adiantou alguma coisa? Não. A náusea continuava firme e forte. Fechei os olhos, respirei fundo, mas até isso parecia me deixar mais tonta.

Se eu vomitar agora, será que dá para fingir que foi um acidente? Ou será que perco toda a moral que lutei tanto para manter?

Ridan continuava me observando, e por algum motivo, isso me deixava ainda mais nervosa.

O silêncio voltou, exceto pelo som das rodas contra o chão irregular. A carruagem seguia um pouco mais devagar agora, mas o estrago já estava feito. Meu estômago ainda dava voltas, e minha cabeça latejava como se tivesse acabado de ser sacudida por um furacão.

Ótimo. Meu segundo grande desafio nesse novo mundo? Sobreviver a uma maldita viagem de carruagem.

Ridan, por outro lado, parecia indiferente ao meu sofrimento. Sentado com a postura impecável, observava a cidade do lado de fora como se absolutamente nada estivesse acontecendo. O cara realmente não se abalava com nada?

Eu, por outro lado, estava à beira de um colapso.

Respirei fundo e encostei a cabeça no encosto de madeira dura. Talvez se eu fechasse os olhos por um tempo...

Erro. Grande erro.

O mundo girou de um jeito que me fez agarrar o banco, os dedos apertando o estofado com uma força que nem sabia que tinha.

Ridan percebeu o movimento, mas não disse nada. O que, sinceramente, eu preferia. Se ele soltasse algum comentário, provavelmente eu mandaria ele se ferrar antes de ter a chance de vomitar em cima das botas dele.

Respirei fundo de novo. O cheiro da madeira da carruagem misturado ao leve aroma de couro dos assentos não ajudou em nada. Minha boca ficou amarga.

— Quanto tempo isso vai durar? — Perguntei, sentindo minha paciência (e meu estômago) indo pelo ralo.

— Até chegarmos. — Ridan respondeu sem emoção alguma, como se isso fosse óbvio.

Fechei os olhos por um segundo, respirando fundo para não xingar.

— E onde exatamente é esse "chegarmos"?

Ele virou o rosto devagar, me encarando como se minha pergunta fosse a coisa mais estúpida que já saiu da minha boca.

— Em casa.

Abri os olhos e encarei o teto da carruagem.

“Maluco do caralho” Eu queria dizer alto, mas o enjoo não deixava, e achei melhor manter isso pra mim também.

Tentei focar no balanço da carruagem, respirar devagar, mas era impossível ignorar a sensação horrível no meu estômago. As ruas de pedra passavam devagar pela janela, as casas de madeira pareciam me encarar com um julgamento silencioso, e eu só conseguia pensar que, se não chegássemos logo, o que possa estar em meu estômago viraria um presente inesperado para o estofado caro dessa carruagem.

Ridan continuava alheio a tudo. Imóvel, postura impecável, como se tivesse sido esculpido direto da madeira que revestia o veículo. Que inveja.

Eu já estava aceitando meu destino trágico quando senti a carruagem diminuir ainda mais a velocidade. Será que finalmente estávamos perto?

— Falta muito? — Perguntei, esperançosa.

Ridan me lançou um olhar breve, depois voltou a observar a rua.

— Pouco.

"Pouco." Eu daria um braço para saber o que "pouco" significava no dicionário dele.

Mas tudo bem. Eu só precisava segurar um pouco mais. Fácil, fácil minha bunda.

Respirei fundo de novo, tentando manter alguma dignidade.

“Tá tudo bem. Você só precisa sobreviver mais um pouco. Se concentra. Você não vai vomitar. Você não vai…”

A carruagem passou por uma pedra maior, balançando forte. Meu estômago fez uma pirueta olímpica e eu soltei um gemido baixo de desespero.

Ridan nem se moveu.

Sério, esse homem era feito de pedra? Nenhuma reação ao balanço, nenhum sinal de incômodo? Ele era algum tipo de mutante que não sentia os efeitos da gravidade?

— Você parece pálida. — Ele comentou, finalmente, com o mesmo tom neutro de quem observa uma nuvem no céu.

— Nossa, que observação incrível. Nem tinha percebido. Obrigada por avisar. — Revirei os olhos, agarrando o estofado com ainda mais força.

Ele arqueou uma sobrancelha, como se estivesse me analisando.

— Se você vomitar, avise antes.

Eu pisquei devagar.

Joguei um olhar mortal pra ele, mas não adiantou nada. O desgraçado continuava inabalável, e eu continuava me segurando pra não transformar essa carruagem em uma cena de crime biológico.

Que inferno de viagem.

Demorou um século, mas, de repente, a carruagem finalmente parou. Meu estômago, já em crise, pareceu dar um nó ainda maior, e o cansaço do meu corpo, que antes estava disfarçado pela agitação, se tornou mais evidente.

Ridan me olhou, com aquele semblante calmo e quase entediante, e perguntou, com a voz quase educada demais:

— Precisa de ajuda para sair?

Eu o encarei por alguns segundos, como se ele tivesse acabado de perguntar se eu queria um tapinha nas costas também. Ah, claro. Como se o homem não tivesse uma expressão de quem sequer percebe o inferno que é a minha vida naquele momento. Falsa preocupação, essa era a vibe dele.

— Não, obrigada. — Respondi, o tom seco. — Já basta essa cara de paisagem, não preciso de mais um show de bondade forçada.

Ele apenas me observou, sem dizer nada. Claro, ele jamais diria. Era tipo uma regra não dita no manual de "como ser insuportável".

Eu me forçava a sair da carruagem, tentando parecer minimamente digna. Se eu caísse agora, bem... seria só mais uma daquelas cenas constrangedoras que não saem da sua cabeça por uma eternidade.

Alguém abriu a porta da carruagem, antes que eu pudesse fazer. Era um senhor bem vestido, com a postura impecável de um mordomo de alta classe. Ele tinha um olhar preocupado, mas de uma forma... calorosa, como se minha presença ali fosse algo que ele pessoalmente tivesse que garantir que fosse bem-sucedido.

No topo da cabeça dele, algo brilhou com um pequeno reflexo dourado. Era como uma faísca, uma luz tênue que desapareceu tão rapidamente quanto apareceu.

Foi impressão minha?

Eu estreitei os olhos, tentando focar naquilo, mas não conseguia lembrar de onde já tinha visto algo tão peculiar. Um brilho, talvez? Não fazia sentido, mas algo me dizia que eu já tinha presenciado aquilo antes... só não conseguia me lembrar.

— Senhora, por favor, posso ajudá-la a descer? — O mordomo perguntou, com uma voz suave, mas firme, sempre mantendo aquele olhar atencioso. Ele estendeu a mão de forma educada.

Eu franzi a testa. Esse brilho não me saía da cabeça.

— Eu... — comecei a responder, mas me interrompi. Não fazia sentido ficar pensando sobre isso agora. De qualquer forma, não estava na hora de me perder em mistérios. A situação já estava caótica o suficiente.

Estendi a mão, já cansada de pensar ou hesitar. Eu só queria sair daquela coisa balançante e me sufocandte. O enjoo estava me consumindo, mas ainda era melhor do que ficar presa naquela claustrofobia sobre rodas.

O mordomo me ajudou a descer, com uma gentileza que só aumentou a minha impaciência. Cada movimento parecia mais devagar do que o necessário. Finalmente, o chão firme apareceu e eu respirei aliviada. Não estava 100% melhor, mas ao menos não estava mais dentro daquela maldita carruagem.

O balanço ainda me perseguia, rodopiando lá dentro, mas o ar fresco da rua já ajudava. Olhei ao redor, tentando desviar da náusea que ainda me acompanhava.

O lugar era impressionante, luxuoso, e eu não fazia ideia de como tinha ido parar ali. Parecia o tipo de lugar que faria qualquer um se sentir pequeno só por estar lá. Mas eu não estava ali para admirar a arquitetura.

O mordomo ficou parado ao meu lado, me observando com aquela calma exagerada. Como se ele fosse uma espécie de guardião pessoal ou algo assim. O que estava acontecendo ali já era confuso o suficiente, e agora ele parecia ser parte disso.

Ele se inclinou levemente, como se fosse me contar um segredo, mas apenas quebrou o silêncio.

— Senhorita Evelyne, sempre se sente enjoada nas carruagens…. Fui informado tarde demais que foi levada às pressas antes e não pude entregar isso a você. — Sua voz suave parecia medir cada palavra. E então me ofereceu o saquinho de ervas.

Eu olhei para o saquinho, duvidando se aquilo realmente faria algo. Como se ervas secas fossem resolver meus problemas. Eu estava prestes a me jogar na primeira poça de água, mas, bom, não tinha nada a perder.

Sem mais delongas, peguei o saquinho e levei até o nariz. O cheiro foi intenso, mas, para minha surpresa, foi calmante. Terroso, picante, mas de alguma forma eficaz. O enjoo, que estava prestes a me fazer gritar, foi se dissipando aos poucos. Não era um milagre, mas parecia estar funcionando. O peso que eu sentia no peito foi diminuindo, e a leveza voltou de maneira sutil.

Olhei para o mordomo com um sorriso mínimo, mais por educação do que por real gratidão.

— Obrigada. Isso já está ajudando. Uma pena que meu estômago não seja tão educado quanto você.

Ele inclinou a cabeça, como se já soubesse que eu não era capaz de fazer grandes demonstrações de afeto.

O mordomo fez aquele gesto exagerado de satisfação, como se tivesse acabado de salvar o dia. Ah, claro, um simples saquinho de ervas e eu já era uma nova pessoa. Ele parecia feliz por ter sido útil, e, para ser sincera, eu até senti um pequeno conforto naquele gesto. Não que isso fosse algo extraordinário, mas, nesse mar de caos, qualquer coisa parecia bem-vinda.

Enquanto isso, Ridan simplesmente seguiu em frente, sem nem olhar para trás. Ah, claro, o mundo não tinha acontecido para ele. Ele estava ocupado demais sendo o ser humano mais indiferente possível, como se eu fosse só mais uma distração que ele não queria lidar. Senti um impulso de lançar alguma piada sarcástica, mas, sinceramente, não estava no clima para isso agora.

Respirei fundo, inalando o cheiro das ervas com mais força. Talvez eu estivesse começando a acreditar nelas, quem sabe. O cheiro forte me atingiu, mas, por incrível que pareça, até me acalmou um pouco. O enjoo não desapareceu de uma vez, mas já não parecia tão ameaçador. A brisa da tarde, tentava fazer seu papel, mas eu sabia que não seria a brisa que resolveria tudo. Ainda assim, não podia negar que era um alívio ter algo além da sensação de estar à beira de um colapso.

O som da carruagem sendo retirada da frente da mansão foi o único barulho que quebrou o silêncio. E, mesmo que fosse só o barulho de uma carruagem indo embora, parecia que o mundo inteiro estava tentando me dar um tempo para pensar. 

Olhei para a direção onde ele estava indo. Ridan já se afastava, subindo as escadas da mansão com passos longos e decididos, como se não houvesse nada ali que merecesse sua atenção. Franzi a testa, e, por um instante, a frustração tomou conta dos meus pensamentos. Não havia tempo a perder, e eu não podia me dar ao luxo de esperar.

Enquanto eu tentava organizar minha mente, o mordomo se aproximou discretamente. Ele inclinou a cabeça, como se soubesse exatamente o que eu precisava.

— Minha senhorita, talvez seja melhor seguir o jovem mestre. Ele está à frente. — Sua voz suave interrompeu o turbilhão de meus pensamentos.

Somente agradeci e resolvi seguir sua instrução, por ser um NPC ele sabia mais que eu.

Com o estômago mais calmo, dei um último suspiro e caminhei rapidamente em direção às grandes portas de entrada, decidida a seguir Ridan e entender o que exatamente ele esperava de mim ali.

Como seria capaz de me adaptar a esse mundo estranho, onde até os próprios móveis pareciam imponentes e a presença de Ridan, tão indiferente, apenas piorava a situação?

O interior era ainda mais grandioso do que eu imaginara. O hall de entrada parecia um palácio por si só. As paredes eram adornadas com tapeçarias ricas e douradas que narravam histórias de uma era longínqua. O cheiro de madeira polida e cera permeava o ar, criando uma sensação de imponência que fazia qualquer um se sentir pequeno. As escadas em espiral à direita conduziam ao segundo andar, onde as portas de salas fechadas sugeriam mais mistérios e segredos a serem desvendados. Eu não sabia o que me aguardava ali, mas não tinha mais escolha a não ser seguir o caminho que Ridan já havia iniciado.

Ridan parou em frente à porta imponente, sua figura alta e imperturbável se projetando contra o fundo escuro do corredor, como se ele fosse feito de pedra. Eu, por outro lado, ainda me sentia como uma marionete desengonçada nesse teatro estranho. A mansão em si parecia zombar da minha presença, com suas paredes altas e silêncios esmagadores. 

Ele se virou para me olhar, e, por um momento, aquele olhar gélido quase me paralisou. Não era medo o que senti, mas algo mais profundo, uma mistura de frustração e o incômodo de estar sob os holofotes de um palco que eu não havia escolhido. Ainda sentia os efeitos da insegurança, como um resquício da náusea que me assolara mais cedo, mas isso agora parecia um incômodo distante.

— Não fale nada, eu mesmo direi. — a voz de Ridan cortou o silêncio, grave e implacável, como se as palavras saíssem de um bloco de gelo. Ele me encarou com um olhar que mais parecia uma lâmina, afiada e impessoal. O tom com que falou sugeria que qualquer tentativa de interferir seria o suficiente para me enterrar. Um ultimato. E, como esperado, meu estômago se revirou, mas não por medo. Era mais como um incômodo irritante que me fazia querer devolver à altura.

A raiva se formou dentro de mim, lentamente, como uma tempestade se acumulando no horizonte.

Respirei fundo, tentando controlar o turbilhão dentro de mim. Olhei para ele, de volta, com mais firmeza do que ele provavelmente esperava. Meu rosto não mostrava nenhuma emoção, mas meus olhos, ah, meus olhos disseram tudo. Eles eram um espelho daquilo que eu não conseguia verbalizar. Um tipo de desafio silencioso que ele não deveria subestimar. Pelo menos, era o que eu esperava.

Ridan, alheio ao que se passava em minha mente, se virou de costas sem sequer esperar mais uma palavra. Ele girou a maçaneta da porta com um movimento impessoal, como se estivesse apenas cumprindo uma tarefa rotineira. O som da porta se abrindo ecoou pelo corredor.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!