Era um dia cinzento, com nuvens baixas e um vento gelado que cortava a pele. Eu estava voltando para a casa abandonada onde escondi Luna, para garantir que ela estivesse bem. Mas, para minha surpresa, ao me aproximar da porta velha e rangente, ouvi vozes abafadas vindas do interior. Meu corpo travou por um segundo, e depois avancei com passos silenciosos.
Quando abri a porta com cuidado, lá estavam Josh e sua irmãzinha. Luna estava nos braços dela, ronronando feliz, enquanto a garotinha acariciava sua pelagem branca como neve. Josh se virou para mim assim que percebeu minha presença.
— Você veio — ele disse, com um tom estranho que não consegui decifrar.
— Claro que eu vim. — falei, cruzando os braços e fingindo indiferença, mesmo que meu coração estivesse acelerado. — Pelo visto, você conseguiu encontrá-la sozinho.
Josh ergueu uma sobrancelha, mas antes que pudesse responder, sua irmãzinha veio correndo na minha direção.
— Obrigada por cuidar da Luna! Eu sei que não foi fácil para você... Meu irmão disse que você é chata e esquisita, mas eu achei você bem legal! — Ela disse com um sorriso largo, abraçando minha cintura antes que eu pudesse reagir.
Meu corpo ficou estático. O calor do abraço era estranho, desconfortável... Mas, ao mesmo tempo, algo em mim amoleceu um pouco. Naquele instante, percebi que era o primeiro abraço que recebia na vida. Eu não sabia como lidar com aquilo. Meu peito apertou de um jeito esquisito, quase dolorido.
— Tudo bem, garotinha... — resmunguei, tentando afastar o olhar de Josh, que me observava atentamente. — Só não deixe a Luna fugir, certo?
A menina concordou com um aceno enérgico e voltou para perto da gatinha. Josh, porém, continuava me olhando, como se quisesse dizer algo, mas não soubesse por onde começar.
— O que foi agora, Thorne? Vai me acusar de mais alguma coisa? — disparei, quebrando o silêncio incômodo.
— Eu não... Eu não sei o que dizer. Talvez um obrigado? — Ele coçou a nuca, desviando o olhar por um instante antes de voltar a me encarar. — Não sei por que você fez isso, mas... Obrigado.
Eu não esperava isso. Meu peito deu um aperto estranho, mas balancei a cabeça, afastando qualquer emoção que estivesse surgindo.
— Eu não fiz isso por você. Fiz pela gata. E não se engane, se você me irritar de novo, eu não vou pensar duas vezes antes de jogar você numa piscina de novo. — Um sorriso sarcástico surgiu no meu rosto, escondendo qualquer fragilidade.
Josh soltou uma risada baixa, como se estivesse tentando segurar algo maior.
— Claro, Evernight. Claro.
Ele começou a sair da casa abandonada, levando a irmãzinha. Antes de cruzar a porta, no entanto, ele se virou mais uma vez, o olhar sério, mas não tão severo como de costume.
— Mesmo assim... Eu não vou esquecer isso.
E com essas palavras, ele se foi. Eu fiquei ali, sozinha, no silêncio da casa vazia, tentando entender por que aquelas últimas palavras pareciam pesar tanto.
A manhã começou com a inesperada notícia de que a escola organizaria uma gincana esportiva, e os professores decidiram formar as duplas. Claro, para garantir a paz mundial (ou não), eles colocaram os alunos que não se dão bem juntos. Quando ouvi meu nome sendo chamado ao lado de Josh Thorne, meu coração afundou. O universo com certeza adora me torturar.
Assim que a primeira atividade foi anunciada — uma corrida de saco em duplas —, Josh apareceu ao meu lado com aquele jeito relaxado e meio zombeteiro de sempre.
— Parece que vamos fazer história hoje, Evernight. — Ele sorriu, ajustando os óculos com o indicador.
— Não me toque — resmunguei, antes mesmo de ele tentar qualquer coisa. — Só me diga onde colocar os pés para não tropeçar.
Ele deu uma risada baixa.
— Certo, certo. Sem toques. Mas você percebe que vamos ter que nos coordenar, não é?
— Só ande, Thorne. Deixe o resto comigo. — Eu puxei o saco de estopa para cima das pernas com impaciência.
A corrida começou com um apito estridente, e imediatamente percebi que Josh era péssimo em seguir ordens. Ele pulava para frente enquanto eu tentava ir para a esquerda, e acabamos caindo no chão duas vezes antes de finalmente conseguirmos sincronizar os movimentos. Apesar disso, cruzamos a linha de chegada antes de algumas duplas, mas não sem discussões no meio do caminho.
— Você não sabe diferenciar esquerda de direita, não é? — Eu disse, ofegante.
— Eu? Você que estava tentando me empurrar para fora do saco! — Josh retrucou, limpando a grama da camiseta. — Mas, admito, foi divertido.
— Para você, talvez. — Revirei os olhos, ignorando o sorriso dele.
Enquanto esperávamos a próxima atividade, percebi que os oponentes da última rodada estavam discutindo feio. Um gritava para o outro: “Eu disse esquerda, você foi para direita!”. Aquilo só reforçou o caos generalizado da gincana.
A próxima atividade foi ainda pior. Tínhamos que formar duplas para um jogo em que uma pessoa ficaria nos ombros da outra, enquanto tentava derrubar o oponente de cima de outra dupla. Josh olhou para mim com as sobrancelhas levantadas.
— Então... Vai querer subir ou carregar?
— Eu não vou subir em você! — exclamei, horrorizada com a ideia.
— Ótimo, porque eu também não queria ser esmagado. — Ele piscou, como se estivesse se divertindo com o meu desconforto. — Sobe aí, Evernight. Vamos acabar com eles.
Relutante, subi nos ombros dele, tentando ao máximo evitar contato visual. Meu rosto queimava, mas fingi indiferença. Ele segurou minhas pernas com firmeza, o que só aumentou meu desconforto.
— Segura firme. Não quero que você caia e me culpe depois. — A voz dele estava levemente divertida.
— Cala a boca e anda, Thorne.
Quando a partida começou, me concentrei em derrubar o adversário enquanto Josh tentava me manter equilibrada. Os movimentos bruscos dele quase me fizeram cair várias vezes, e o barulho da torcida só aumentava a pressão.
— Você pode parar de se mexer tanto? — resmunguei, tentando manter o foco.
— Eu estou tentando nos manter vivos, Evernight! — Ele respondeu, segurando firme enquanto dava passos rápidos para evitar os ataques.
Nossos oponentes, no entanto, estavam muito mais desorganizados. O garoto que carregava parecia estar prestes a derrubar a própria dupla, enquanto a menina no topo gritava ordens desencontradas.
— Você é um desastre! — ela gritou.
— E você é insuportável! — ele rebateu, dando um passo errado que quase os jogou no chão.
A confusão entre eles quase nos distraiu, mas com um golpe rápido, consegui derrubar a garota do outro time, e o apito final soou. Josh ergueu os braços em comemoração, me fazendo quase perder o equilíbrio novamente.
— Conseguimos! — Ele gritou, com um sorriso tão grande que por um segundo parecia sincero demais.
— Me coloca no chão, idiota! — Resmunguei, batendo de leve na cabeça dele.
Depois que ele finalmente me ajudou a descer, cruzei os braços e tentei ignorar o fato de que meu coração ainda estava acelerado.
— Nada mal, Evernight. Você até que é boa nisso. — Josh comentou, ainda sorrindo.
— Não precisa me elogiar, Thorne. Eu sei que sou boa. — Dei as costas para ele, mas não pude evitar um pequeno sorriso que surgiu no canto dos meus lábios.
_________
Estava na sala de estar quando ouvi o início da conversa. Era sempre o mesmo tom: depreciativo, frio e cheio de desprezo. Meu pai estava sentado na poltrona de couro preto, com a postura rígida de quem governa um império. Minha mãe, como sempre, estava ao lado dele, concordando com tudo. Dessa vez, o assunto era Josh Thorne e sua família.
— Os Thornes sempre foram uma pedra no sapato, — meu pai começou, a voz grave ecoando pela sala. — Pessoas fracas e medíocres. Não é à toa que vivem perdendo tudo o que têm.
Minha mãe assentiu, segurando uma xícara de chá com as mãos perfeitamente alinhadas.
— É uma vergonha que a mãe dele ainda esteja tentando se manter de pé. Clara Thorne nunca soube quando desistir.
Senti meu estômago revirar, mas fiquei em silêncio. Era mais fácil assim. Não envolvia riscos, não envolvia problemas. Mas, antes que eu pudesse controlar minha língua, as palavras escaparam:
— Josh não é tão ruim assim.
Os dois se viraram para mim simultaneamente, como se eu tivesse acabado de cometer o maior pecado da casa Evernight.
— O quê? — Meu pai perguntou, a voz carregada de incredulidade.
Pensei em recuar, em fingir que tinha falado algo sem pensar. Mas, ao lembrar do abraço da irmãzinha dele, do jeito como ele protegeu a gata, algo em mim se recusou a voltar atrás.
— Ele não é como vocês dizem, — continuei, tentando manter a voz firme. — Ele é... diferente.
Meu pai levantou-se lentamente, o olhar duro fixo em mim.
— Diferente? — Ele repetiu, a voz baixa, perigosa. — Ele é um Thorne, Mavis. Isso já diz tudo.
— E o que isso significa, exatamente? — Perguntei, a raiva começando a subir pela minha garganta. — Que qualquer pessoa que não siga suas regras absurdas não vale nada?
Ele deu um passo em minha direção, e minha mãe colocou a xícara de chá na mesa com um movimento meticuloso, como se já estivesse acostumada a situações assim.
— Isso significa, — meu pai começou, o tom mais frio do que nunca, — que você está esquecendo o que significa ser uma Evernight. Essa fraqueza, essa... simpatia, não tem lugar aqui.
— Não é fraqueza, — retruquei, cruzando os braços. — Talvez seja o contrário disso. Talvez vocês é que sejam fracos por se esconderem atrás de toda essa... frieza.
O tapa que ele deu na mesa foi tão forte que fez o som ecoar pela sala, mas não foi só isso. Ele avançou em minha direção, e antes que eu pudesse reagir, senti o impacto da mão dele no meu rosto me fazendo cair no chão. Com certeza foi o pior soco que levei na vida.
A dor foi aguda, mas o que me fez congelar não foi o físico. Foi o olhar dele — gelado, impenetrável, como se eu não fosse nada além de um obstáculo para ele.
Minha mãe continuou sentada, imóvel, como se tudo aquilo fosse parte de uma rotina banal.
— Você vai aprender a respeitar sua família, Mavis, — ele rosnou. — E nunca mais ouse defender os Thornes ou qualquer outra pessoa que nos desrespeite. Está entendendo?
Assenti, o corpo inteiro tremendo, mas sem coragem de falar uma palavra sequer.
— Agora, suba para o seu quarto. E pense muito bem no que acabou de fazer.
Saí da sala com passos vacilantes, segurando as lágrimas que ameaçavam cair. Quando cheguei ao meu quarto, fechei a porta e me encostei contra ela, tentando recuperar o fôlego. A mão ainda estava em meu rosto, a marca ardendo como uma lembrança que eu não poderia apagar.
Eu me senti pequena. Menor do que jamais havia me sentido.
Naquela noite, enquanto olhava para o teto, fiz uma promessa a mim mesma: não cometeria o mesmo erro de novo. Não deixaria que meus sentimentos, ou qualquer coisa que Josh Thorne fizesse, me colocassem naquela posição outra vez.
Se eu estava começando a abrir uma brecha no gelo, ela agora havia sido selada. Não havia espaço para fraquezas, não havia espaço para ele. Eu seria exatamente o que eles esperavam de mim: fria, calculista e intocável. Mesmo que isso me consumisse por dentro.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 25
Comments