Fui chamada à sala da diretora logo depois da aula. Minha única reação foi bufar. Era óbvio que isso tinha a ver com o “incidente” no intervalo. Não que eu estivesse arrependida. Scarlet mereceu cada pedaço daquela bandeja.
— Mavis, seu pai já está vindo. — A voz da diretora era calma, mas carregava aquele tom de reprovação que parecia estar gravado no DNA de todo adulto responsável por alunos.
Eu cruzei os braços e me joguei na cadeira diante da mesa dela. Não era como se eu estivesse ansiosa para aquele encontro. Meu pai não era exatamente conhecido por sua paciência.
Quando ele entrou, o ar pareceu mudar. Lucian Evernight sempre emanava uma autoridade que fazia qualquer um se encolher, até mesmo a diretora.
— O que aconteceu desta vez? — ele perguntou, seco. Seus olhos claros varreram a sala, parando em mim com uma expressão de puro desdém.
A diretora pigarreou antes de explicar.
— Senhor Evernight, Mavis se envolveu em um incidente no intervalo. No entanto, antes de mais nada, quero esclarecer que, apesar do ocorrido, a atitude dela foi uma boa ação. Ela defendeu uma aluna que estava sendo intimidada por Scarlet e...
Meu pai levantou uma mão, interrompendo-a.
— Corte as formalidades. Quero saber exatamente o que ela fez.
A diretora hesitou, claramente desconfortável com a presença dele.
— Ela... atirou uma bandeja na cara de Scarlet.
— Atirou uma bandeja? — Ele me lançou um olhar que prometia consequências. — E por que exatamente você achou que isso era uma boa ideia, Mavis?
Abri a boca para me defender, mas a diretora falou primeiro.
— Senhor Evernight, é importante entender o contexto. Scarlet estava praticando bullying contra outra aluna, e Mavis interveio. Foi um ato de defesa, mas...
— Basta. — Ele a interrompeu novamente. Sua voz era afiada como uma navalha. Ele se virou para mim. — Vamos para casa. Agora.
O caminho de volta foi um silêncio sufocante. Cada batida do meu coração parecia um martelo me lembrando do que estava por vir. Assim que cruzamos a porta de casa, ele se virou para mim como um furacão.
— O que você acha que estava fazendo, Mavis? Defendendo alguém? Você? — Ele riu, mas era um som frio, desprovido de humor. — Que tipo de idiota você está se tornando?
Eu mantive a postura rígida, mas meu estômago revirava.
— Scarlet estava passando dos limites. Alguém precisava fazer algo.
— E por que precisava ser você? — Ele deu um passo à frente, a voz ganhando intensidade. — Você é uma Evernight! Nós não ajudamos ninguém. Nós não somos bondosos com ninguém , nós não pensamos em ninguém, Nós não nos envolvemos em brigas que não são nossas. Você acha que esse tipo de fraqueza é aceitável?
— Não foi fraqueza...
— Foi exatamente isso! Fraqueza! — Ele gritou, apontando um dedo para mim. — Você está começando a parecer uma dessas pessoas patéticas que deixam sentimentos atrapalharem. Frágil. Vulnerável. Bondosa. Eu não criei você para ser uma pessoa bondosa, Eu criei você para ser melhor do que isso!
— Eu só... — Comecei, mas ele não deixou.
— Você só nada, Mavis! Pessoas fracas são esmagadas neste mundo. E se você continuar assim, vai acabar do mesmo jeito. O que você fez hoje foi patético.
Ele avançou mais um passo, e meu instinto foi recuar, mas o impacto veio rápido. Um tapa forte cruzou meu rosto, me deixando atordoada por um segundo. Era um movimento calculado, mas o suficiente para me lembrar quem estava no controle.
— Isso é para você aprender. Nunca mais. Entendeu? Nunca mais! — Ele cuspiu as palavras, antes de me deixar sozinha na sala.
Fiquei lá por um momento, com a mão no rosto, o impacto ainda pulsando. Não chorei. Não conseguiria, mesmo que quisesse. Apenas me joguei no sofá, olhando para o teto, enquanto a raiva fervia no meu peito.
Fraca? Vulnerável? Talvez ele estivesse certo. Mas uma parte de mim odiava o fato de que, mesmo depois de tudo isso, eu ainda conseguia me importar com o que ele pensava.
E isso era a coisa mais irritante
Depois que meu pai saiu da sala, o silêncio caiu sobre a casa como uma nuvem pesada. O lado do meu rosto ainda ardia, mas a dor física era um nada comparado à fúria que borbulhava dentro de mim. Não por ele ter me batido — isso eu já esperava —, mas pelas palavras que ele disse. Como ele ousava me chamar de fraca? Eu fiz o que ninguém mais teve coragem de fazer.
Levantei do sofá, sentindo a tensão nos ombros, e comecei a subir as escadas em direção ao meu quarto. Foi quando ouvi vozes vindas do escritório dele. Parei no meio do caminho, meus pés congelados no degrau, enquanto o som da conversa de meus pais flutuava pelo corredor.
— Lucian, você acha que pegou pesado? — Era minha mãe. A voz dela era firme, mas havia um traço de hesitação.
— Não foi o suficiente, Eleanor. — A resposta do meu pai era tão fria que me fez estremecer. — Ela precisa aprender. Essa coisa de se importar com os outros... isso vai destruí-la.
Minha mãe suspirou.
— Mas ela é só uma garota, Lucian.
— E daí? — ele rebateu, impiedoso. — Garota ou não, ela é uma Evernight. Nós não nos rebaixamos a esse tipo de fraqueza ,Eu não vou permitir que isso aconteça. Mavis vai aprender, Eleanor. E se isso significar que precisamos ser mais rígidos, que assim seja.
Meu coração bateu forte. Minha garganta parecia apertada, como se eu tivesse engolido algo pesado demais. Eu sabia que eles não se importavam realmente comigo, mas ouvir aquelas palavras — ouvir que eles estavam planejando “dar um jeito em mim” — fez algo dentro de mim rachar.
Eu não queria ouvir mais nada. Subi as escadas rapidamente, o mais silenciosamente possível, e fechei a porta do meu quarto. Encostei-me contra ela, respirando fundo, tentando processar o que tinha acabado de ouvir.
Na manhã seguinte, a tensão dentro de casa estava tão espessa quanto o silêncio. Eu descia para tomar café, esperando evitar qualquer tipo de interação com meus pais, mas, claro, isso nunca funciona como planejado.
— Mavis. — A voz cortante do meu pai me parou na metade do caminho até a cozinha. Ele estava sentado à mesa com minha mãe ao lado, ambos com expressões sérias que me deram arrepios.
— O quê? — perguntei, tentando soar indiferente, mas meu estômago já estava apertado.
Ele apontou para a janela da sala, onde minha gatinha preta Night, estava enrolada confortavelmente na almofada. Pela janela, dava para ver o quintal da casa de Josh, e, como sempre, a gatinha branca deles, Luna, estava vagando por lá.
— Essa gata do Thorne. Ela está causando problemas de novo.
Minha mãe cruzou os braços, olhando para mim com aquele olhar calculista que sempre me fazia querer sumir.
— As duas ficam brigando constantemente. Aquela maldita gata dos thornes fica entrando aqui em casa para arranjar confusão com a Night, Night até voltou arranhada da última vez. Não podemos permitir que isso continue.
— O que vocês querem que eu faça? — perguntei, mesmo sabendo que não iria gostar da resposta.
Meu pai levantou-se da cadeira, aproximando-se de mim. Ele parou a poucos centímetros de distância, sua presença opressora me fazendo querer recuar.
— Você vai dar um jeito naquela gata. Mate-a, se livre dela, suma com ela...
— O quê? — Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia, mas não pude evitar. — Vocês estão loucos? Não posso simplesmente... me livrar de uma gata que nem é nossa!
Ele sorriu, mas não era um sorriso amigável.
— Se você não fizer isso, nós vamos cuidar disso. E não de uma forma gentil.
— Vocês não podem estar falando sério. — Eu recuei um passo, sentindo a raiva subir dentro de mim. Olhei para minha mãe, esperando encontrar alguma hesitação ou desacordo, mas ela apenas assentiu, concordando com ele.
— Você tem até o fim do dia, Mavis, — disse ela, sua voz fria e distante. — Ou nós mesmos resolveremos.
Eu odiava a ideia de fazer qualquer coisa que ajudasse meus pais, mas odiava ainda mais o pensamento de Luna sendo machucada por eles.
Eu não tinha escolha.
Subi as escadas, meu sangue fervendo de raiva e indignação. Como eles podiam esperar isso de mim? Desde quando minha vida se resumiu a obedecer ordens irracionais? Encostei a porta do meu quarto e me joguei na cama, tentando pensar em uma solução.
Minha mente correndo com possibilidades.
Se eu fosse até Josh e explicasse o que estava acontecendo? Não... ele provavelmente não acreditaria em mim, ou pior, me provocaria. E, para ser honesta, eu não queria que ele soubesse o tipo de monstros que meus pais eram.
Mas eu também não podia simplesmente obedecer.
Fiquei olhando para o teto, enquanto minha cabeça girava com planos. Talvez... talvez houvesse um jeito de proteger Luna e frustrar meus pais ao mesmo tempo.
Eu só precisava ser mais esperta que eles.
A noite estava pesada, um silêncio cortante que fazia até o vento parecer hesitar em passar. aquela bolinha branca de pelos — se movia despreocupada no quintal dos Thorne.
O quintal deles era bem cuidado, ao contrário do meu. Grama aparada, cercas bem pintadas, tudo tão perfeito que dava nos nervos.
Pisquei várias vezes, tentando reunir coragem.
— Certo, Mavis. Você entra, pega a gata e sai. Simples assim.
Tinha que ser rápido. Se alguém me visse... Não. Não ia pensar nisso agora. Respirei fundo e cruzei a rua com passos leves, como uma sombra, ignorando o barulho das folhas secas sob meus pés.
Chegar até Luna foi fácil; ela nem percebeu minha aproximação. Agachei-me ao lado dela e, com a voz mais suave que consegui, murmurei:
— Oi bolinha de neve, Vamos dar um passeio, ok?
Luna era tão leve que parecia um travesseiro nas minhas mãos.
— Você não faz ideia do que estou salvando você, pequena.
Quando me virei para sair, ouvi um barulho vindo da casa. Uma luz se acendeu na cozinha, iluminando parte do quintal. Congelei no lugar, meu coração batendo tão forte que parecia ecoar no silêncio.
— Merda. — apertei Luna contra o peito, tentando me misturar à sombra do arbusto.
A silhueta de alguém apareceu na janela. Não precisei olhar duas vezes para saber quem era: Josh. Ele parecia estar mexendo no celular, o rosto sério como sempre. Por um segundo, achei que ele tinha me visto, mas, em seguida, ele saiu de perto da janela, apagando a luz.
Suspirei aliviada e, com passos rápidos, atravessei de volta para o outro lado da rua. Luna estava tranquila, como se aquele momento não fosse nada demais.
— Você realmente tem nervos de aço, hein? — murmurei, enquanto seguia em direção ao meu destino: a velha casa abandonada.
A casa era como eu lembrava: uma relíquia esquecida no tempo, com janelas quebradas e paredes descascando. A porta rangeu quando a empurrei, e o cheiro de poeira e madeira velha invadiu minhas narinas. Não era o melhor lugar do mundo, mas era seguro.
Coloquei Luna no chão em um quarto fechado da casa e ela imediatamente começou a explorar o ambiente. Observei enquanto ela farejava um canto, depois outro, antes de se acomodar em um pedaço de cobertor que eu havia trazido.
— Não é um hotel cinco estrelas, mas vai servir por enquanto. — Enchi duas tigelas, uma com água e outra com ração, e as coloquei ao lado dela.
Sentei-me no chão, observando-a comer, e senti um peso estranho no peito. Era como se, por um momento, eu estivesse fazendo algo certo — algo que fazia sentido.
— Só espero que ninguém descubra isso. Especialmente não o idiota do seu dono.
Fiquei mais alguns minutos ali, ajeitando o espaço e garantindo que ela estivesse confortável. Quando me levantei para ir embora, murmurei:
— Eu volto amanhã. Fique bem, Luna.
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Atualizado até capítulo 25
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