A viagem seguiu silenciosa.
O grupo avançava pela trilha estreita entre as montanhas, atentos ao caminho traiçoeiro e à sensação incômoda de estarem sendo observados. Selene, mais do que ninguém, sabia que Kael ainda estava por perto. Ela não o via, mas conhecia bem seus métodos. Ele não gostava de ser visto se não quisesse.
Ao fim da tarde, encontraram um local adequado para acampar perto de um riacho. A fogueira crepitava suavemente quando Selene se afastou, fingindo buscar lenha. Caminhou alguns metros pela floresta até sentir a presença dele.
Ela parou, cruzando os braços.
— Pode sair agora.
O silêncio respondeu.
Selene rolou os olhos.
— Você pode ser sorrateiro com os outros, mas não comigo.
A voz veio das sombras, carregada de ironia:
— Eu deveria me sentir lisonjeado ou preocupado com o fato de que você me conhece tão bem?
Ela suspirou.
— Me sentir observada o tempo todo me incomoda.
— Você prefere que eu fique onde possa ver?
— Preferia que fosse embora.
Kael soltou um riso baixo.
— Isso seria um desperdício.
— Um desperdício de quê?
— Da oportunidade de descobrir até onde vocês vão chegar.
Ela estreitou os olhos.
— Então, é só curiosidade?
— Entre outras coisas.
— Quais outras coisas?
Silêncio.
Selene esperou, mas Kael não respondeu.
Ela suspirou, massageando as têmporas.
— Você é irritante.
— Já me disseram isso antes.
— Vai continuar nos seguindo sem dizer nada?
— Até onde me for conveniente.
— E se deixar de ser conveniente?
— Então talvez vocês tenham um problema.
Ela tentou encará-lo, mas só via sombras entre as árvores.
— Kael...
— Durma bem, Selene.
E então, ele se foi.
• • •
Na manhã seguinte, enquanto desmontavam o acampamento, Kael apareceu sem pressa, como se estivesse apenas passeando.
Darius o observou por um instante antes de cruzar os braços.
— Gostaria de saber por que você está nos seguindo.
Kael sorriu de canto.
— Você já sabe a resposta.
Darius estreitou os olhos.
— Valkorian?
O sorriso de Kael sumiu.
— Não fale esse nome como se fosse só uma palavra.
Darius respirou fundo.
— Eu... sinto muito pelo seu pai. Ele era um grande homem. Seus pais significavam muito para o reino.
Kael ficou em silêncio.
Então, algo aconteceu.
Ele cambaleou um passo para trás, pressionando a têmpora como se tivesse sido atingido por um golpe invisível.
A dor foi como uma lâmina quente perfurando seu crânio.
E então, vieram as memórias.
Gritos. O fogo consumindo as muralhas. O cheiro de carne queimada e sangue no chão de pedra.
Seu pai, caído no salão, a túnica azul encharcada de vermelho. Seus olhos vidrados olhando para o nada.
— Kael, corra!
A voz desesperada de sua madrasta ecoava pelo corredor enquanto soldados inimigos avançavam.
E então, ele viu.
O escudeiro Ethan, parado entre os invasores e o rei Dorian.
O jovem guerreiro ergueu o escudo, defendendo um golpe que teria acertado o rei. A lâmina se cravou em seu peito.
Kael se lembrava dos olhos de Ethan, da determinação neles. Mesmo morrendo, ele não hesitou.
Ele protegeu Dorian.
A lembrança o atingiu com força.
De volta à realidade, Kael caiu de joelhos, ofegante.
Selene se aproximou, segurando-o pelos ombros.
— Kael! O que foi?
Ele afastou a mão dela e olhou para Ethan, seus olhos cheios de algo entre raiva e compreensão.
— Você assumiu o nome dele.
Ethan não negou.
Kael respirou fundo, tentando organizar os próprios pensamentos.
— Eu o vi morrer.
Ethan manteve a expressão séria.
— Sim.
Kael se levantou devagar, limpando o sangue dos lábios.
— Não entendo por que um paladino seguiria ordens de um rei morto.
Darius finalmente quebrou o silêncio.
— Você não entende muitas coisas, garoto.
Kael olhou para ele, o semblante endurecido.
Darius riu baixinho.
— Ainda me lembro de quando você era só um menino bisbilhoteiro.
Kael franziu a testa.
— O que quer dizer com isso?
— Quero dizer que vi você crescer. Vi você tentando se esconder nos corredores do palácio, evitando cerimônias, fugindo para treinar longe dos olhos dos nobres. Vi você ajudar criados quando achava que ninguém estava olhando. E também vi sua impaciência, sua curiosidade insaciável.
Kael desviou o olhar.
— Isso não importa agora.
— Importa, sim. Porque você não mudou tanto quanto pensa.
Kael apertou os punhos.
Selene observava a cena com atenção.
Darius suspirou.
— Você pode continuar fingindo que não se importa, mas a verdade é que ainda está aqui.
Kael lançou um olhar irritado para ele.
— E o que isso significa?
Darius sorriu de leve.
— Significa que, por mais que tente negar, você ainda não tomou sua decisão.
Kael ficou em silêncio por um momento, depois deu um meio sorriso.
— Talvez.
Então, sem dizer mais nada, virou-se e desapareceu na floresta.
Darius e Selene trocaram olhares.
— Ele vai voltar — ela disse.
Darius assentiu.
— Sempre volta.
Ethan observava o horizonte, seus pensamentos distantes.
O passado ainda os perseguia.
E, de alguma forma, todos sabiam que Kael não estava pronto para deixá-lo para trás.
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Atualizado até capítulo 22
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