O sol nascia de maneira tímida, como se o mundo ainda estivesse processando o que havia acontecido durante a noite. O vilarejo estava em ruínas, as chamas ainda ardiam aqui e ali, iluminando o cenário sombrio. Mas entre as ruínas, havia também sinais de vida — os aldeões estavam reunidos em pequenos grupos, cuidando dos feridos, tentando restaurar um pouco da normalidade em meio ao caos.
Ethan tentava manter os olhos abertos, focando no som do vento que passava pelas brechas da madeira, mas o cansaço era demais. Depois de um dia inteiro descansando, ele mal conseguia se manter acordado, e o calor de sua febre parecia cobrir seu corpo como uma manta pesada.
No segundo dia, ele finalmente conseguiu se levantar, suas pernas tremendo levemente ao sustentar seu peso. A dor no ferimento estava mais suportável, mas ainda longe de ser algo que ele pudesse ignorar. Ele caminhou até a janela, olhando para fora. O vilarejo estava em reconstrução, e os aldeões estavam ocupados, mas as chamas ainda tingiam o horizonte com um brilho sinistro.
Isamara se aproximou dele, e ao vê-la, Ethan percebeu o quanto ela havia se tornado essencial para o grupo, não apenas como guerreira, mas como uma líder silenciosa. Seus olhos dourados estavam fixos no vilarejo, como se ela tivesse enxergado além da destruição.
— Está melhor? — ela perguntou, sem se virar. Sua voz era tranquila, mas carregava uma preocupação que ela tentava esconder.
Ethan assentiu, mesmo que fosse uma mentira. — Melhor do que antes.
Ela não respondeu de imediato, apenas deu um leve aceno com a cabeça e se afastou para continuar sua vigilância. Ela estava agora assumindo a liderança nas tarefas de defesa. A cada dois ou três minutos, seus olhos percorriam o vilarejo, observando cada movimento com atenção, como uma falha em qualquer parte da segurança poderia ser fatal.
Darius apareceu por trás de Ethan, dando-lhe uma tapa leve nas costas, fazendo com que ele quase perdesse o equilíbrio. Ele riu, sem se importar com a seriedade do momento.
— Você vai acabar me matando com esses tapinhas, Darius — Ethan disse com um sorriso fraco.
— Você já está morto de cansaço, meu amigo. Eu só estou tentando te manter vivo por mais um dia — respondeu Darius, sempre com seu tom irreverente.
Ele estava ajudando na reconstrução, usando sua força para levantar tábuas, mover pedras e ajudar os aldeões a reconstruírem as partes do vilarejo que haviam sido destruídas. Ele não estava apenas se aproveitando do caos, como muitos poderiam fazer, mas dava exemplo de como um guerreiro pode ser útil em momentos como aquele.
Selene estava na enfermaria improvisada, ao lado de alguns curandeiros locais, ajudando a tratar os feridos. Seu trabalho era silencioso, mas preciso, e Ethan sabia que ela estava se esforçando mais do que qualquer um para garantir que ninguém sucumbisse aos ferimentos. Seus olhos estavam fixos nas feridas, mas sempre que um aldeão olhava para ela, podia ver a preocupação em seu semblante, como se ela estivesse dando uma parte de si mesma para cada um que ela tratava.
Enquanto isso, o chefe do vilarejo, um homem de pele enrugada e expressão cansada, tentava coordenar os esforços de reconstrução. Isamara caminhou até ele, seus passos firmes e decididos. Ela precisava garantir que os aldeões não ficassem sem recursos e que a vigilância continuasse forte.
— Como está a situação? — Isamara perguntou, sua voz séria, mas com um toque de suavidade.
O chefe olhou para ela com um leve suspiro. — Estamos sobrevivendo, graças a vocês. Mas estamos com pouco. A comida vai durar mais alguns dias, mas não sabemos como vamos conseguir o resto. Alguns outros vilarejos nos devem favores, mas vai levar tempo.
Isamara olhou para ele com uma intensidade silenciosa. Ela sabia que aquele homem tinha mais preocupações do que gostaria de admitir. — Eu vou garantir que a defesa do vilarejo continue firme. Fique tranquilo quanto a isso. Quanto a mantimentos, talvez possamos ir atrás de alguns recursos ao longo do caminho. Eu posso organizar uma busca.
O homem assentiu, visivelmente aliviado, mas ainda tenso. — Agradeço, Isamara. De verdade.
Isamara o deixou para ir até onde os outros estavam se preparando para partir. Ela sentia o peso da responsabilidade não apenas por sua própria jornada, mas também pelos que ficavam para trás.
Mais tarde, ela organizou uma pequena caçada para garantir que os aldeões tivessem algo para comer enquanto se reerguiam. Selene, que havia acabado de perder um paciente na enfermaria, estava ansiosa por algo que a distraísse. Juntou-se a Isamara e Darius para a caçada. O grupo partiu para a floresta nas proximidades, com o sol ainda baixo no horizonte.
A floresta estava silenciosa, a única coisa que quebrava o som era o estalar das folhas secas sob os pés. Selene liderava o grupo, movendo-se com a destreza de uma predadora, seus olhos atentos a cada movimento, ouvindo o som das árvores e o leve sussurro do vento. Isamara e Darius a seguiam em silêncio, respeitando a habilidade e os instintos aguçados da amiga.
Em um ponto, Selene parou de repente, sinalizando para o grupo que se aproximassem. Ela havia avistado um cervo, tranquilo, com a cabeça abaixada enquanto pastava em uma clareira iluminada pela luz suave do fim da tarde. Selene se agachou lentamente, puxando seu arco, o movimento tão suave e silencioso que parecia parte da própria floresta.
Ela fitou o cervo por um momento, avaliando a distância e o vento. O animal ainda não a tinha notado, completamente imerso em sua alimentação. Com calma, Selene ajustou a flecha na corda do arco, os dedos firmes, mas relaxados, a tensão em seus músculos só aumentando o foco.
"Agora", ela pensou, e, com uma precisão silenciosa, soltou a flecha. O som da corda do arco estalando era quase imperceptível, mas a flecha cortou o ar com uma velocidade letal. O cervo foi atingido no pescoço, sua expressão de surpresa sendo rapidamente substituída por um colapso silencioso.
Darius foi o primeiro a se aproximar, sorrindo de maneira irreverente. — "Impressionante. Você vai fazer disso uma rotina, ou vai compartilhar o segredo?"
Selene abaixou o arco com um sorriso discreto, mas nos olhos um brilho de satisfação. Ela não gostava de celebrar uma caça, mas sabia que aquela flecha não era apenas uma necessidade para alimentar o grupo, mas também uma forma de conectar-se com o que ainda era natural e certo.
Isamara, que tinha permanecido em silêncio, observou o cervo cair, e seus olhos se suavizaram por um momento, como se ela entendesse algo além da cena. — "É sempre bom ter alguém como você ao nosso lado, Selene."
Selene apenas assentiu, ainda com o olhar fixo no cervo caído, como se sentisse uma conexão silenciosa com a natureza que acabara de interromper. Não era apenas uma caçada; era um momento de equilíbrio, algo fundamental na sua essência.
Ao final do dia, o grupo retornou ao vilarejo com boa caça. O cheiro da carne assada, misturado com o frescor da floresta, trouxe uma sensação de alívio. Isamara, Selene e Darius estavam cansados, mas satisfeitos com o que conseguiram.
No final da semana, quando Ethan já estava recuperado e a necessidade de partir era iminente, o grupo se reuniu para se despedir dos aldeões. O chefe do vilarejo agradeceu mais uma vez, e Isamara fez uma última verificação nos arredores para garantir que tudo estivesse seguro.
Darius sorriu, ajustando o saco de mantimentos nas costas e brincando com o peso da situação.
— Não é o banquete de um rei, mas vai servir para o caminho — disse, fazendo todos rirem um pouco.
Ethan, com um leve sorriso, sentiu uma sensação de paz, algo que não sentia há muito tempo. Ele olhou para o grupo, para os amigos que o acompanhavam. Não estava mais sozinho. E isso tornava o caminho mais leve, mesmo que cheio de incertezas.
Com um último olhar para o vilarejo em ruínas, que ainda fumegava, o grupo se afastou da aldeia. A jornada à frente era incerta, mas agora, com eles juntos, Ethan sentiu que talvez houvesse algo a ser encontrado além do sofrimento. Eles não estavam apenas seguindo em frente, mas criando algo novo.
O grupo estava reunido na estrada, com os primeiros raios de sol atravessando as árvores. O cheiro de cinzas do vilarejo ainda pairava no ar, mas eles já olhavam para frente.
Ethan passou a mão na alça da espada, pensativo, antes de falar:
— Vamos para Eresmor.
Darius, que amarrava o último saco de mantimentos na sela, parou e virou para ele. — Ah, sim, claro. Vamos atravessar um caminho cheio de bandidos e bestas só para visitar uma cidade grande. Alguma razão específica, ou só quer nos testar?
Ethan deu um meio sorriso. — Eresmor tem contatos, informação... Sempre foi um ponto de passagem importante. Se há algo acontecendo no mundo, as notícias chegam lá primeiro.
Isamara assentiu devagar. — Eresmor não é um destino ruim. Mas é longe e perigoso.
— E por isso devemos ir — Ethan respondeu sem hesitar. — Ficarmos em vilarejos pequenos nos mantém vivos por um tempo, mas se quisermos entender melhor o que está acontecendo por aí, precisamos de algo mais.
Selene ajeitou o arco nos ombros. — Você já decidiu, não é?
Ethan a olhou por um instante e deu de ombros. — Só se vocês concordarem.
Darius bufou, mas um sorriso puxou o canto de seus lábios. — Como se tivéssemos escolha.
— Sempre temos escolha — Ethan respondeu, firme.
Darius cruzou os braços. — Certo. Então minha escolha é seguir com vocês... e cobrar cada gota de vinho quando chegarmos.
Selene suspirou. — Se for esse o caminho, vamos logo.
Isamara olhou para Ethan por um instante antes de falar. — Se vamos para Eresmor, temos que estar preparados. Não será uma viagem tranquila.
— Nunca é — Ethan disse, e começou a caminhar.
O grupo seguiu, deixando para trás as ruínas do vilarejo e entrando na estrada que os levaria para o desconhecido.
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Atualizado até capítulo 22
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