O Último Juramento

O Último Juramento

Cicatrizes Visíveis e Ocultas

O céu se tingia de vermelho enquanto o vilarejo queimava. Chamas dançavam sobre os telhados de madeira, iluminando a noite com um brilho cruel. O cheiro de fumaça e sangue impregnava o ar, misturando-se aos gritos de desespero que ecoavam pelas ruas estreitas.

No centro do caos, Ethan se mantinha firme. Seu escudo estava coberto de fuligem, sua espada já sem brilho, manchada pela batalha. Ele sentia o suor e o sangue escorrendo pelo rosto, mas ignorava a dor. Um ex paladino, uma vez antes a  serviço de um reino, nunca se permitiria fraquejar. Não importa a dificuldade.

Ele girou a lâmina e derrubou um dos invasores com um golpe limpo no pescoço. Outro surgiu de seu lado, um brutamontes empunhando uma clava. Ethan ergueu o escudo no último instante, sentindo o impacto brutal sacudir seus ossos. Mesmo assim, avançou. Sua espada rasgou o couro da armadura inimiga, perfurando-o até o coração.

Ao redor, os aldeões tentavam escapar como podiam. Mulheres e crianças corriam para os abrigos improvisados, enquanto os poucos guerreiros que restavam defendiam suas casas com tudo o que tinham. Mas estavam em menor número. A batalha não se inclinava a seu favor.

Foi então que um clarão prateado cortou a noite.

Uma guerreira emergiu acima do caos da batalha, sua lança reluzindo à luz do fogo. Os cabelos escuros estavam presos em uma trança apertada, e seus olhos dourados pareciam brilhar com uma fúria antiga.

Isamara.

Ela se movia com uma precisão quase sobrenatural, saltando do telhado de uma das casas. Seu primeiro golpe trespassou um dos mercenários, que caiu sem nem ao menos gritar. O segundo foi rápido demais para que o inimigo reagisse. Com uma investida, ela varreu dois homens de uma vez, sua lâmina perfurando armaduras como se fossem feitas de papel.

Ethan congelou por um breve momento. Ele conhecia aquela guerreira. Mesmo após tantos anos, sua presença ainda era inconfundível.

— Você… — murmurou, mas a voz se perdeu no estrondo de aço contra aço.

Não havia tempo para perguntas. O inimigo não pararia enquanto houvesse algo para destruir.

Lutaram lado a lado, sem necessidade de palavras. Ethan ergueu seu escudo no instante certo para bloquear uma flecha que teria atingido Isamara. Em resposta, ela girou a lança e desarmou um adversário que tentava apunhalá-lo pelas costas.

Cada movimento era preciso, sincronizado. Ele atacava e ela finalizava. Ela avançava e ele a protegia. Um ritmo quase instintivo, como se seus corpos ainda se lembrassem de algo que suas mentes haviam quase esquecido.

O tempo se tornou um borrão até que, finalmente, o último inimigo caiu.

Por um momento, tudo o que se ouvia era o crepitar das chamas e os gemidos dos feridos. O vilarejo estava devastado, mas ainda de pé.

Ethan soltou um suspiro aliviado… e então sentiu a dor.

Olhou para o próprio abdômen e viu o corte profundo, o sangue tingindo sua armadura. O frio da fraqueza tomou seu corpo, suas pernas vacilaram.

Antes de cair, Isamara o segurou.

— Idiota… — murmurou ela, sua voz carregada de algo entre irritação e preocupação.

Então, tudo escureceu.

A primeira coisa que Ethan sentiu foi o cheiro de ervas e cinzas.

Seus olhos se abriram devagar, ajustando-se à luz fraca das velas. Estava deitado sobre uma cama improvisada, em um dos poucos edifícios que ainda restavam inteiros. A dor em seu abdômen era uma lembrança cruel da batalha.

Ele estava vivo.

Ao seu lado, Isamara afiava uma lança de madeira com movimentos meticulosos. Sua expressão era indecifrável, mas seus olhos estavam sombrios, refletindo a dança bruxuleante das chamas.

— Você não mudou nada. — Sua voz rompeu o silêncio. — Ainda se joga na frente dos outros para morrer.

Ethan tentou rir, mas a dor o fez se calar.

— E você não mudou nada — respondeu, com um sorriso fraco. — Ainda luta como se estivesse carregando o mundo.

Isamara não respondeu de imediato. Continuou deslizando a pedra sobre o fio da lança, o som ecoando no pequeno quarto.

— Você salvou o vilarejo. — Ethan quebrou o silêncio novamente. — Os aldeões estão vivos por sua causa.

Ela parou por um instante. Seus dedos apertaram o cabo da lança.

— Houve muitas perdas, não acho que tenho motivos para me vangloriar

O olhar dela se perdeu na escuridão do cômodo, e Ethan reconheceu aquela dor. Não eram apenas as feridas visíveis que doíam. Haviam cicatrizes mais profundas, essas nem o tempo pode apagar

O silêncio entre eles era um abraço silencioso, um reconhecimento mútuo de que as feridas da guerra não cicatrizavam facilmente. Era a compreensão de que ambos haviam perdido algo valioso, e que a jornada para a cura seria longa e árdua. E, talvez, ao se permitirem baixar a guarda um pouco, estivessem prestes a vislumbrar a tênue esperança de que, juntos, poderiam encontrar um novo propósito.

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Marta Iglesias 📚

Marta Iglesias 📚

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2025-03-07

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