Capítulo 2: O favor.

 Sem se importar, o rapaz move sua mão até o temporizador, mas antes que ele possa tocá-lo, a criatura o cobre com a mão e depois empurra para fora da mesa, o que espanta o rapaz um pouco:

 - Sem temporizador, assim poderemos pensar à vontade.

 - Hum, então não vamos marcar o tempo.

 - Para que? Temos todo o tempo do mundo.

 - (...) Ok, pior pra você.

 - Eu te desafiei, então pode começar.

 O rapaz, seguindo a sugestão, faz sua primeira jogada, movendo um peão, logo vem a criatura que também faz sua jogada. Em poucos segundos eles já moveram algumas peças:

 - Hum... O Gambito Dinamarquês, considerado por alguns a abertura mais agressiva do xadrez. Por acaso está com pressa para acabar a partida? - pergunta a criatura.

 - Não, eu só gosto dele mesmo, me ajuda a ganhar.

 - Hum, então você é naturalmente agressivo, que fascinante.

 - Sabe o que é mais fascinante, é a sua vez.

 - Oh, desculpe, então vamos lá.

 A criatura move uma peça, parece ser um movimento comum, mas o rapaz acaba ficando surpreso com isso por um instante, mas então ele volta sua expressão para o inexpressivo de sempre:

 - Você não é nada mal – diz o rapaz.

 .

 .

 .

 Após bastante tempo, horas para ser mais específico, ambas as figuras nessa sala continuavam absolvidas em meio a uma intensa partida de xadrez.

 O rapaz a cada movimento fica mais surpreso, afinal, ele sabia que deveria esperar tudo vindo dessa criatura, mas para ele, que já competiu e venceu os maiores jogadores do mundo, saber que existe alguém tão bom era uma surpresa:

 - Que curioso – diz o rapaz.

 - Hum, o que?

 - Estamos aqui a horas, mesmo assim, pude ver nas janelas que ainda está dia. Quando começamos a jogar, era para ser 5:30 da tarde, estranho, não? Isso sem falar do fato de que eu não estou sentindo fomo, vontade de ir ao banheiro, nem mesmo câimbra por estar sentado a muito tempo, esquisito, né?

 - Bom, eu disse, temos todo o tempo do mundo.

 - Hum, isso se a gente ainda estiver mesmo no mundo.

 A criatura volta a rir, enquanto o rapaz continua a encarar o tabuleiro em busca de seu próximo movimento:

 - Me diga, como você se sente ao estar vivo? - a criatura pergunta do nada.

 - Não existe um sentimento específico atribuído ao ato de viver, até porque a vida é uma mistura de todos os sentimentos que temos ao decorrer dela – diz o rapaz na lata.

 - Então vou mudar a pergunta, o que você sente com relação a estar vivo? O que esse fato te faz sentir?

 A pergunta é lançada bem quando ele estava movendo sua mão em direção ao tabuleiro, mas então, ele para, retraindo sua mão de volta para si:

 - Viver?... Sei lá, acho que eu aprendi a não me importar com isso, até porque eu não acho que eu vivo uma vida que valha a pena ser vivida.

 - Hum, então você despreza a sua vida?

  - (...) Uma vez um homem chamado Schopenhauer disse que a vida é um presente que todos recusariam se pudessem olhar com atenção antes de aceitar.

 - Você acredita mesmo nisso?

 - Hum, um pouco, eu nunca tive muita vontade de viver, por isso eu não respondo essa pergunta, porque eu acho que são aqueles que estão realmente apegados a vida e que puderam aproveitá-la que tem o direito de responder a essa pergunta.

 - Pragmático, como sempre.

 - Obrigado, sua vez.

 - Ah, você já moveu, eu...

 A criatura move a mão em direção do tabuleiro, mas no último segundo ela trava ao olhar as peças e depois novamente seu grande olho se volta para o rapaz:

 - Eu quase fiz uma jogada precipitada porque pensei que você estava um pouco desestabilizado por conta de minhas perguntas, mas o seu movimento foi perfeito, tanto que eu quase me dei mal. Me diga, foi de propósito, todo esse show de pena para tentar me distrair?

 - Hum, eu coincidentemente contei uma história emotiva, e concidentemente você quase cometeu um erro. Apenas isso.

 - Hihi, sua raposinha esperta.

 .

 .

 .

 - Cheque mate – diz a criatura, movendo seu cavalo e tomando o rei do rapaz.

 Ao perceber que acabou de perder, o garoto fica pasmo, ainda mais do que quando ele viu a criatura pela primeira vez. Ele olha o tabuleiro de ponta a ponta, se perguntando como acabou de perder, como ele deixou um movimento passar por ele:

 - Caramba, você não é mesmo humano – diz o rapaz.

 - Você jogou muito bem, faz tempo que eu não divirto tanto.

 - E o que alguém como você faz para se divertir?

 Em resposta, a criatura fica em silêncio, apenas encarando o jovem com um sorriso, ele por sua vez, apenas suspira:

 - Eu perdi, logo não vou receber nenhuma resposta, é justo.

 - Haha, você é realmente entende as coisas bem rápido.

 - Bom, agora seguindo os termos de nosso acordo. Vamos, me diga o grande favor que quer que faça, mas leve em conta que eu sou só uma criança frágil.

 - Isso não vai ser relevante, tenho certeza de que você será capaz, você tem todas as qualidades que eu julguei necessárias.

 - Se importa em responder quais são elas?

 - Bom, por ter relação com o meu pedido, acho que não faz mal. As qualidades que eu busco e encontrei em você são o pensamento frio e calculado, controle mental, você é jovem, por isso se adapta rápido, uma grande inteligência, mas por fim, o ponto mais crucial, um desapego para com a própria vida, você deseja viver, mas não gosta da sua vida, isso me diz que você poderia ser feliz em outra vida.

 - Feliz em outra vida? Bom, se a outra vida for boa, por que não? Mas eu ainda estou curioso, que tipo de tarefa é essa em que “não gostar da própria vida” ajuda?

 A criatura agora se levanta da cadeira e anda até o lado do garoto, ficando bem próxima dele. O olho gigantesco dela parece começar a ficar maior, e o rapaz apenas assiste essa cena com frieza:

 - Vou te responder depois... hihi.

 - (...) O que?

 - Para fazer o que quero você faça, você vai ter um período de preparação/teste, através disso você vai adquirir a capacidade para realizar o meu desejo, e também vai poder obter muitos lucros nesse meio tempo, tanto físicos como emocionais.

 - Em resumo, eu vou ter que me preparar sozinho as escuras, sem ter ideia do que vou ser obrigado a fazer, que saco. E seu falhar ou desistir?

 - Se falhar, você pode morrer, ou não, vai depender de você, mas em todos os resultados onde você não realiza a tarefa que eu pedi, você vai ser penalizado por mim.

 - Penalizado? Tipo, morrer?

 - Provavelmente, entenda que por mais que eu tenha chamado de favor, está mais para um presente, ou melhor, uma troca, em troca do que eu quero, eu vou te dar uma oportunidade.

 - Que tipo de oportunidade?

 - Você vai entender na hora certa.

 - Ok, você está me oferecendo um presente que eu não posso saber o que é, logo nem posso saber se eu quero ou não.

 - Digamos que eu estou usando as palavras do Schopenhauer contra você.

 A criatura, após essa breve conversa, retorna para o acento dela, encarando o rapaz em busca de sua resposta. O jovem fica parado enquanto pensa em suas opções.

 No momento, ele tem duas opções a vista, a morte ou um presente misterioso, dada as palavras da criatura, o presente parece ser bom, mas ele não pode garantir. Sem falar que mesmo que seja um presente incrível, ele ainda corre o risco de perdê-lo futuramente.

 Claro que ainda existe a possibilidade de tudo isso ser algum tipo de piada de mal gosto divina feita para zombar dele, embora ele acredite que não tenha sido tão ruim em vida a ponto de deus o esnobar desse jeito:

 - Hum, ei, se importa de me dar uma coisa como forma de garantia pra eu ter certeza de que não está me passando a perna? Já aviso que isso vai influenciar e muito na minha decisão - pergunta o rapaz.

 - Claro.

 - Eu quero saber como te matar.

 Em resposta a essa pergunta, a criatura se silencia, mas o rapaz não desiste e continua a encará-la em busca de sua resposta:

 - Me matar? E por que você quer algo assim? Logo eu, o seu grande benfeitor.

 - É apenas um jeito de me prevenir posteriormente, leve em conta de que você tem a minha vida em suas mãos, acho que é justo nós igualarmos isso, nem que seja um pouco.

 - Sinto muito, essa pergunta está fora de questão.

 - Olha, se não desse pra te matar, você diria logo de cara, mas você só desviou da pergunta, então tem mesmo um jeito de te matar.

 - Hum, há, você e bem ardiloso.

 - Ok, saber que você pode morrer já me dá uma certa segurança, acho que vou usar esse tempo de preparação para descobrir com te matar então.

 - Então isso significa que...

 - Eu aceito.

 - BELEZA!!!!!!!!!!!!

 A criatura se levanta e grita de forma espontânea, o grito repentino de criatura assustou o rapaz a ponto de ele cair com a cadeira para trás:

 - Ops, foi mal, eu me empolguei.

 - De boa... Olha, parece ser uma tarefa importante já que você ficou tão animado, tem certeza de que não tem pessoas mais qualificadas por aí não?

 - Hum, é difícil dizer, podemos dizer que seus talentos e capacidades de agora serão irrelevantes para realizar a minha tarefa, exceto por aqueles dentro do seu celebro, logo, sua inteligência.

 - Ok então.

 - Bem, vamos fechar um acordo.

 A criatura se debruça sobre a mesa e estende a mão para o rapaz, uma mão de aspecto lamacento. O jovem inicialmente reluta, não por estar com dúvidas, mas simplesmente por não se sentir confortável em tocar essa coisa, mas:

 - Ah, que se dane, eu já tô com o pé na bosta mesmo.

 Ele estende a mão e a cumprimenta, sentindo todo o aspecto cremoso e gelado da mão dela, uma sensação que o fez sentir um arrepio na espinha:

 - Nosso acordo está feito, não tem como voltar atrás... Ah, mas só mais um aviso.

 - O que?

 - Não se preocupe com a dor, não vai durar muito.

 - Hã?

 .

 .

 .

 O rapaz abre os olhos, por algum motivo, ele sente como se tivesse caído no sono de repente, como se tivesse desmaiado:

 - O que?... Aquele bicho, eu... Arrgggghhhh, dor, tá doendo!

 Ao recuperar o seu foco, o rapaz sente algo quente escorrendo pelo rosto dele, á sangue, o sangue dele, mas ele está indo da barriga dele para rosto, como se estivesse subindo, mas logo ele percebe:

 - Eu tô de ponta cabeça?... Espera, esse é... o carro do pai? Eu tô no carro do pai....

 Ele olha ao redor e percebe que está dentro do carro de seu pai, que está capotado no meio da rua, ele está de ponta cabeça, sendo segurado pelo cinto de segurança. Ele vê todas as janelas destruídas, a latarias do carro toda amassada, e ao olhar para fora outro carro destruído ao longe:

 - Um acidente? Sofremos um acidente?... Arrrrgghhh, mas o que...

 Uma dor toma conta do corpo dele, vinda da barriga dele. Ao olhar, ele percebe um grande estilhaço de metal fincado em seu corpo, o fazendo sangrar em um ritmo preocupante:

 - O que? Isso... Ah, tá doendo! Mas onde ele...

 O rapaz olha para a frente do carro e vê o pai dele, apagado na parte da frente e com alguns hematomas e cortes. Assim como ele, o pai está sendo segurado pelo cinto de segurança:

 - Ele não parece estar muito ferido... Vai sobreviver... Já eu...

 Mais uma vez, ele olha para sua barriga, enquanto sente o sangue da ferida descer e passar pelo seu rosto. Nesse momento ele escolhe apenas parar, e ficar ali, sentindo tudo, sabendo que não importa o que ele faça, só vai piorar, o único jeito de se salvar, seria recebendo ajuda externa, mas ele sabe que ninguém virá a tempo.

 Nesse momento, ele apenas se acalma, aceitando que vai morrer, mas ao mesmo tempo, a lembrança da criatura vem a sua mente:

 - Aquela coisa... Talvez... Talvez... Não, aquilo deve ter sido um delírio da minha cabeça, eu só desmaiei na hora do acidente, só isso...

 “Não se preocupe com a dor, não vai durar muito” a frase da criatura vem a mente dele:

 - Não vai durar? Vai se... ferrar...

 De repente, em um passe de mágica, o corpo dele para de se mexer, ficando imóvel, a respiração para e olhos perdem o brilho.

 Os últimos segundos agonizantes dele, uma notícia que reverberou por tudo o mundo. A morte de uma das mentes mais promissoras da história, tudo em um simples acidente de carro que aconteceu por causa de um motorista bêbado enquanto o gênio voltava para casa após vencer um campeonato de xadrez.

 O fim da história de um gênio, bom, ao menos, nesse mundo.

 .

 .

 .

 - (Hum, quentinho... Está bem quentinho aqui... Espera... acho que eu... O que eu tava...)

 As lembranças dos últimos minutos tomam conta da mente dele:

 - Hoooorrrrrrr!

 Por conta do choque inicial, ele gritou, mas então ele tem mais um segundo choque por causa da estranheza com a qual o grito dele saiu, um som completamente esquisito para ele, pareceu mais o grito de um animal ferido:

 - (O que foi isso? Eu fiquei com problema de garganta agora?... Espera!)

 - Harr.... Horrr... Uhhhh...

 Novamente, esses sons o fazem travar:

 - (Porque eu não tô conseguindo falar?... Talvez eu tenha perdido as cordas vocais no acidente... Acidente? Verdade, eu sofri um acidente, mas tô vivo).

 Ele olha ao redor, mas então ele se vê em lugar escuros e úmido, com chão paredes e teto de pedras e terra. Tal visão o faz ficar confuso, afinal, esse lugar não tem cara de hospital

 Sutilmente, ele leva sua mão até o queixo, um hábito de quando ele está pensando, mas ao sentir sua mão em seu rosto, a forma dela parece diferente, mais áspera e com unhas grandes como garras.

 Instintivamente, ele olha para sua mão, mas por algum motivo, tudo que ele vê é uma pata que parece ser de um cachorro:

 - (Hum, cadê? Onde tá a minha mão?)

 Em sua mente, ele dá o comando para a mão se mexer, mas então o que se mexe é a pata:

 - (... Isso...)

 Ele mexe novamente a pata. Depois, sem parecer se importar, ele olha para sua outra “mão”, que ele está usando para se apoiar no chão, mas novamente vê uma pata, ele olha cuidadosa e atentamente todo o seu corpo, percebendo que todo o corpo dele agora mudou, se tornando partes de um animal, no caso, de uma raposa albina, afinal tem uma pelagem toda branca:

 - (.......... Acho que eu tô vendo coisas).

 Continua...

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Comments

kitsune kumara

kitsune kumara

não acredito, como uma novel bem feita tem tão poucas visualizações

2025-01-09

2

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