DIFICULDADES DO DIA A DIA

No interior abafado de um pequeno apartamento no centro de Santana do Livramento, Tiago, um homem de 30 anos, está parado à porta, segurando um envelope amassado com as mãos trêmulas.
Era um notificação oficial que o obrigava a resolver um problema urgente na prefeitura. Ele adiará o quanto pôde, mas o prazo acabou.
Agora, ele precisa sair, enfrentar o mundo lá fora, um mundo que ele evitou por anos.
O som distante de motos cruzando a Avenida Tamandaré e o latido dos cães de rua invade o silêncio do apartamento, trazendo consigo a ansiedade.
Tiago respira fundo, apoiando-se no batente da porta como se precisasse de força física para dar o próximo passo.
Sua mente está em Turbilhão:
Tiago
Tiago
{ E se alguém falar comigo? E se me olharem? }
Após minutos que pareciam horas, ele veste uma jaqueta surrada e coloca um boné, abaixando a aba o máximo possível para esconder o rosto.
Ele abre a porta com um rangido hesitante e sai. O ar fresco da manhã fria de Santana do Livramento o atinge como uma bofetada.
O cheiro de asfalto molhado e o vento carregado de umidade o deixam mais alerta, mas também mais desconfortável.
Ele ajeita a jaqueta, tentando se proteger não só do frio, mas da exposição.
Ao caminhar pelas ruas de paralelepípedos, ele mantém o olhar fixo no chão, desviando de pessoas que conversam em português e espanhol, as suas vozes ecoando como um zumbido na mente dele.
As fachadas coloridas dos prédios históricos passam como borrões. Ele tenta ignorar os carros que passam lentamente e as pessoas que o encaram por breves segundos.
A sensação de ser observado é insuportável, mesmo que ele saiba, racionalmente, que ninguém está a prestar atenção nele.
Chegando à fila da prefeitura, a sua respiração se acelera. As pessoas ao redor parecem ocupar todo o espaço.
Ele sente os ombros se comprimirem e o coração martelar contra o peito.
Ele encontra um canto afastado para esperar, mas mesmo ali, o barulho de conversas, passos e portas se abrindo e fechando é ensurdecedor. A sua cabeça dói.
Tiago
Tiago
{Só isso. Eu resolvo isso e volto para casa.
Repete como um mantra, tentando ignorar o suor frio que desce pela nuca, apesar do clima gelado.
Quando chega a sua vez, ele mal consegue articular as palavras. A voz sai baixa e hesitante, as suas mãos apertando o envelope como se fosse um escudo.
O atendente parece impaciente, mas Tiago não tem coragem de encará-lo diretamente.
Depois do que parece uma eternidade, ele sai da repartição com os papéis resolvidos, o peito ainda pesado.
O alívio só chega quando ele cruza novamente a porta do seu apartamento, se joga no sofá e fecha os olhos, tentando esquecer o mundo que deixou lá fora.
Tiago permaneceu deitado no sofá, imóvel, enquanto o silêncio de seu pequeno apartamento lentamente tomava o lugar da cacofonia da rua que ainda ecoava em sua mente.
Ele não ligava a TV, não abria o celular. Tudo parecia uma ameaça à sua frágil sensação de alívio.
Seu corpo estava exausto, como se tivesse corrido uma maratona, mesmo que tudo o que tivesse feito fosse sair e voltar.
Minutos passaram. Talvez horas. O envelope com os papéis que ele trouxera da prefeitura ainda estava ao lado dele, intacto, como um troféu de uma batalha que ele não desejava lutar.
Olhando para ele, Tiago sentiu um misto de alívio e arrependimento.
Tiago
Tiago
{ Será que fiz tudo certo? }
Tiago
Tiago
{ E se esqueci alguma coisa? }
Sua mente ansiosa começando a girar de novo.
Levantando-se devagar, ele caminhou até a cozinha, onde uma xícara suja ainda estava sobre a pia. Ele a lavou sem pensar, distraído, enquanto olhava pela janela.
Do outro lado, um pedaço da cidade ainda se movia. Crianças jogando bola em um beco próximo, e uma senhora conversava com alguém do outro lado da calçada.
Tudo parecia tão natural para elas.
Tiago
Tiago
{ Como conseguem fazer isso todos os dias? }
Mesmo com a porta trancada, a sensação de vulnerabilidade persistia. Era como se a cidade tivesse invadido sua mente, trazendo de volta todas aquelas vozes e olhares que ele tentou evitar.
Ele sabia que precisava descansar, mas a inquietação o mantinha preso.
Tiago sentou-se na mesa com sua velha caderneta, um refúgio de pensamentos que ele mantinha há anos. Com uma caneta que falhava nas bordas das palavras, ele começou a escrever:
Tiago
Tiago
Sai hoje. Não foi fácil.
Tiago
Tiago
A fila era longa, e o mundo parecia grande demais.
Tiago
Tiago
As pessoas falavam como se eu não existisse.
Tiago
Tiago
Mas eu sentia cada olhar.
Tiago
Tiago
Consegui. Resolvi o problema, mas o cansaço não some.
Tiago
Tiago
Me pergunto se isso um dia vai mudar.
Tiago
Tiago
Talvez não, mas, pelo menos, voltei para casa.
Fechou o caderno, soltando um longo suspiro. Talvez escrever fosse o único momento em que ele se sentia no controle.
O dia já escurecia, e Tiago olhou para o relógio.
Tiago
Tiago
{ Mais um dia passou }
Amanhã seria outro dia, e ele faria de tudo para não precisar enfrentar o mundo novamente.
Por ora, ele permitiu que o silêncio da noite envolvesse seu pequeno universo. A solidão, ainda que pesada, parecia menos cruel do que o caos lá fora.
Naquela noite, exausto pelo esforço de ter saído, Tiago adormeceu cedo, afundado no sofá com um cobertor fino cobrindo o corpo.
Porém, o sono não trouxe paz.
Ele se viu de volta à sala de aula do ensino médio, com suas paredes amareladas e janelas altas que deixavam a luz entrar de forma dura e implacável.
Tiago estava sentado no fundo, como sempre fazia, tentando Desaparecer. Ao redor dele, os colegas riam, trocavam piadas e passavam bilhetes. Ele não fazia parte disso.
Rogério
Rogério
Ei, Tiago! Tá vivo aí ou virou estátua?
uma voz ecoou pela sala. Era Rogério, o líder do grupo que adorava provocar. A turma riu alto. Tiago olhou para a mesa, sem responder, torcendo para que isso bastasse para o deixarem em paz.
Rogério
Rogério
Fala alguma coisa, cara! Ou tá treinando pra ser invisível?
insistiu Rogério, aproximando-se de sua carteira. Tiago sentiu o rosto queimar.
Letícia
Letícia
Deixa ele, Rogério
disse Letícia, a única colega que às vezes demonstrava compaixão. Mas isso só piorou.
Rogério
Rogério
Ah, claro! O Tiago não fala com a gente, mas a Letícia pode defender ele.
Rogério
Rogério
Tá apaixonada por ele, é isso?
Mais risadas.
Letícia
Letícia
Não é isso, eu só… só acredito que você devia parar
Respondeu Letícia visivelmente Desconfortável. Tiago desejava que ela não tivesse falado nada.
Queria gritar para ela sair, mas sua garganta parecia trancada.
Rogério deu um passo para trás, mas antes de sair, olhou para Tiago com um sorriso Maldoso.
Rogério
Rogério
Você devia agradecer a ela
Rogério
Rogério
cara. É a Única que nota que você existe.
Rogério
Rogério
Quando o professor entrou, tudo voltou ao normal, pelo menos para os outros. Mas para Tiago, a dor é a humilhação eram como um peso insuportável.
Rogério
Rogério
Ele passou o resto da aula contando os minutos, evitando qualquer som que pudesse denunciá-lo.
A cena mudou abruptamente. Agora ele estava em casa, muitos anos atrás, na sala onde seus pais discutiam com uma fúria que parecia capaz de partir
Ele era apenas um garoto, sentado no canto com as mãos cobrindo os ouvidos, mas não havia como escapar das palavras que o cercavam.
eduarda
eduarda
EU Não Sei O Que Fazer Com Ele!
gritou a sua mãe, desesperada.
eduarda
eduarda
ELE NÃO FALA COM NINGUÉM, NÃO SAI DE CASA!
eduarda
eduarda
ATÉ OS PROFESSORES DIZEM QUE ELE NÃO SE ESFORÇA.
eduarda
eduarda
PARECE QUE ELE QUER DESAPARECER!
Rodolfo
Rodolfo
Talvez ele precise de terapia, algum tipo de ajuda.
Respondeu o pai, mas sua voz era mais dura do que compreensiva.
Rodolfo
Rodolfo
Ou talvez seja preguiça.
Rodolfo
Rodolfo
Ele só fica naquele quarto, como se o mundo não existisse.
Tiago queria gritar que ele não era preguiçoso, que ele só não sabia como lidar com as pessoas, que tudo era demais para ele. Mas as palavras nunca saiam.
De repente, a mãe virou-se para ele, os olhos cheios de lágrimas e frustração.
eduarda
eduarda
VOCÊ VAI ACABAR SOZINHO, TIAGO.
eduarda
eduarda
SOZINHO E ESQUECIDO!
Ele acordou ofegante, o coração martelando no peito como se estivesse a correr. O apartamento estava escuro, e por um momento ele não sabia onde estava.
O sonho ainda parecia real, as palavras ecoando na sua cabeça.
Ele levantou-se e foi até o banheiro, lavando o rosto com água fria. No reflexo do espelho, viu um homem cansado, marcado pelas memórias que nunca o deixaram.
Você vai acabar sozinho, Tiago...
A frase ainda queimava, mas ele afastou-a com um longo suspiro. Pegou o caderno e escreveu:
Tiago
Tiago
Hoje sonhei com eles.
Tiago
Tiago
Parece que ainda estou preso lá, no passado.
Tiago
Tiago
Queria esquecer, mas é como se eu carregasse isso comigo o tempo todo.
Tiago
Tiago
Talvez minha mãe estivesse certa. Talvez...
Ele parou, deixando o pensamento incompleto.
Fechou o caderno, jogando-se no sofá mais uma vez. Lá fora, a noite parecia calma, mas dentro de Tiago, a tempestade nunca cessava.

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