O som do relógio na parede era o único que Laura ouvia. Seus pensamentos estavam tão agitados quanto o ponteiro que se movia lentamente, marcando o tempo que ela passava trancada naquele quarto pequeno e abafado. Dois dias sem água, sem comida, sem ninguém. As horas pareciam um pesadelo interminável, e o estômago dela, que roncava de fome, só fazia aumentar a sensação de impotência que a consumia por dentro.
Ela se arrastou até a janela e olhou para fora. O sol estava forte lá fora, a rua cheia de vida, e lá estava ela, sozinha, enclausurada em uma casa que não era mais seu lar. A dor que ela sentia na barriga não era apenas pela fome; era a dor de uma jovem que tinha sido esmagada por anos de humilhação, gritos e negligência. A dor de alguém que se perguntava todos os dias por que ainda estava ali, por que ainda aguentava.
“Por que eu ainda fico?” a pergunta ressoava em sua mente. “Por que eu não saí antes? Por que não fiz nada?”
A resposta parecia simples, mas as correntes que a prendiam eram invisíveis e pesadas. Ela sabia que o medo ainda tinha uma grande parte dela. O medo de fazer algo errado, o medo das consequências. E, acima de tudo, o medo de ser nada. Ela sentia o vazio dentro de si crescer como um abismo, um buraco que nada parecia conseguir preencher.
Ela se deitou na cama, os lençóis amarrotados ao seu redor. O calor da tarde parecia sufocá-la ainda mais, e ela tentou se distrair fechando os olhos, buscando algum tipo de alívio. Mas nada fazia com que a raiva e o desgosto desaparecessem. O estômago vazio parecia se juntar à dor emocional, e ela mal conseguia suportar.
A cada segundo que passava, o desejo de gritar e explodir parecia mais forte. Mas algo dentro dela ainda a impedia. Não queria dar satisfação a ninguém. Não queria que eles tivessem o prazer de vê-la sofrer mais do que o necessário.
— Eu não vou ser mais uma vítima. — Ela murmurou para si mesma, quase como uma promessa silenciosa.
O quarto estava escuro quando ela ouviu a chave na porta. O estômago deu um salto. Ela sabia o que aquilo significava. Era o pai voltando, provavelmente para fazer mais uma de suas humilhações diárias. O cheiro do álcool já invadia o ar, e a pressão no peito de Laura se intensificou.
A porta se abriu com um rangido, e ele entrou, mais uma vez com aquele olhar cruel e desdenhoso. Ele parecia gostar disso, parecia sentir prazer em fazer Laura se sentir pequena.
— Eu sei que você está com fome, garota. — Ele sorriu, mas não havia humor em seu rosto. — Mas você vai aprender, vai aprender do jeito mais difícil.
Laura não respondeu. Não sabia o que dizer. O que ela mais queria era que ele saísse de sua frente, mas sabia que isso não ia acontecer.
— Acha que vai ser diferente? Que vai sair dessa casa e ter uma vida melhor? — Ele se aproximou da cama e a olhou com desdém. — Se você fosse um pouco mais inteligente, talvez não tivesse se metido nessa merda toda.
Laura engoliu a raiva que queria explodir em sua garganta. Seu corpo estava fraco, sem energia, mas a voz de seu pai parecia cortar através de sua carne. Cada palavra dele era como um açoite invisível, e ela se encolhia com cada insulto que ele despejava sobre ela.
Mas algo se moveu dentro dela. Uma faísca, uma luz que começou a brilhar nas profundezas da escuridão.
— Eu sou mais forte do que você pensa, pai. — Sua voz saiu mais firme do que ela esperava.
O pai a encarou, surpreso pela mudança no tom de Laura. Ela não cedeu. Ela não se curvou. E isso parecia afetá-lo mais do que qualquer um de seus gritos e humilhações anteriores. Ele deu um passo para trás, estudando a filha com uma expressão que Laura nunca tinha visto antes.
— O quê? — Ele quase sussurrou, como se não acreditasse no que acabara de ouvir.
Ela se levantou da cama, seus músculos doloridos, mas a determinação crescendo a cada segundo.
— Eu não sou mais a sua escrava, e não sou sua boneca para fazer o que você quiser. — Laura sentiu a raiva crescer dentro de si. Era uma raiva pura, uma raiva pela qual ela havia sido alimentada todos esses anos. Ela estava farta de ser tratada como nada. Farta de engolir as palavras e as agressões. — Você não manda mais em mim.
O pai ficou imóvel, encarando-a, como se fosse incapaz de processar o que acabara de acontecer. Era como se a filha que ele tinha moldado para ser submissa, fraca e obediente tivesse se transformado em outra pessoa diante de seus olhos.
Laura sentiu uma força inesperada, como se todo o sofrimento dos últimos anos estivesse convergindo em sua coragem naquele momento.
— Você vai se arrepender de me tratar assim. Eu vou sair dessa casa, e você vai ver, eu vou conseguir. Eu não vou ser sua escrava. Eu não vou deixar você me destruir.
A fúria tomou conta do rosto do pai. Ele avançou em direção a ela, mas, ao invés de atacar com as palavras, ele a pegou pelo braço com força.
— Vai aprender do jeito difícil, sua insolente! — Ele rosnou.
Mas algo dentro de Laura estava mudando. O medo estava diminuindo, e o desejo de resistir a tudo isso a fazia mais forte.
— Me solta! — ela gritou, empurrando-o com toda a força que conseguiu reunir.
Ela sentiu o impacto da resistência. Ele vacilou, e a pressão em seu braço se aliviou momentaneamente. Isso foi o suficiente para que ela corresse para a porta e a abrisse rapidamente.
Mas antes que ela pudesse sair, ele a puxou de volta. O medo tomou conta dela, mas a revolta tomou o controle. Ela se virou e encarou o homem que havia sido seu opressor por tanto tempo.
— Eu não vou ficar aqui, pai. Eu não vou ser sua escrava para sempre. Eu vou lutar, e você vai ver. — Sua voz estava mais forte do que nunca. Ela estava pronta para enfrentar o que fosse necessário.
Com isso, o pai a empurrou de volta para o quarto, batendo a porta com violência. Mas Laura não se abalou. Ela sabia que o fim estava chegando. Ela sabia que o que quer que fosse, ela finalmente estava começando a se libertar.
A resistência havia começado. E dessa vez, ela não deixaria que ninguém a fizesse desistir.
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Atualizado até capítulo 50
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