sob a luz das ruas antigas.

As ruas de Paraty, encharcadas pela chuva, pareciam ter sido feitas para momentos como aquele. O calçamento irregular refletia as luzes tênues dos postes antigos, e o som das gotas ecoava nas paredes de pedra. Marina caminhava ao lado de Alice, os passos das duas ritmados, quase como uma dança improvisada pela cidade.

Alice parecia completamente à vontade, ignorando o frio que vinha com a chuva. De vez em quando, ela apontava para detalhes nas construções, e Marina se pegava impressionada pela maneira como Alice enxergava o mundo. A arquitetura das casas coloniais, o equilíbrio entre as fachadas antigas e a vegetação que insistia em crescer nas frestas das pedras. Tudo parecia ter vida própria aos olhos dela.

— E aqui? — Alice parou de repente, estendendo o braço para indicar uma pequena praça escondida entre as ruas estreitas. — Esse é um dos meus lugares favoritos. À noite, com as luzes e a chuva, fica ainda mais bonito. Me lembra como o velho e o novo podem coexistir.

Marina olhou em volta. A praça era simples, com bancos de madeira desgastada e algumas árvores cujas folhas pareciam brilhar sob as gotas d'água. Era uma cena serena, quase mágica. Ela levou a câmera aos olhos, ajustando o foco para capturar o momento.

— O que você vê quando olha pelo visor? — Alice perguntou, curiosa, aproximando-se de Marina. — Sempre me perguntei o que passa na cabeça de um fotógrafo. O que faz você decidir que vale a pena congelar esse momento e não outro?

Marina baixou a câmera, surpresa com a pergunta. Quase ninguém perguntava sobre sua perspectiva. As pessoas só viam a foto pronta, não o processo. Alice estava tentando entender algo além disso.

— Eu acho que… procuro a história. O que está além do que os olhos podem ver — Marina respondeu, meio incerta. Ela nunca tinha realmente tentado explicar aquilo em palavras. — Tipo agora, por exemplo. Não é só uma praça. É o contraste entre a chuva e as luzes, o silêncio que fica entre os pingos, o fato de estarmos aqui e ninguém mais. São pequenos detalhes que talvez só façam sentido para mim, mas que contam uma história.

Alice ficou em silêncio por um momento, olhando para a praça através dos olhos de Marina. Então, sorriu.

— Gosto disso. Ver o mundo como se cada canto tivesse uma história. — Ela olhou para Marina, seus olhos verdes cintilando sob a luz fraca. — Talvez seja por isso que eu gosto tanto de arquitetura. Não é só sobre construir coisas, mas sobre as vidas que vão habitar esses lugares.

O jeito como Alice falava com paixão sobre sua profissão tocou algo em Marina. Era raro encontrar alguém que se conectasse com o mundo de uma forma tão parecida com a dela, que enxergava além da superfície.

— Você parece diferente de muitas pessoas que conheci aqui — disse Marina, surpresa com o quão fácil estava se abrindo. — Parece que vê o mundo de um jeito... leve.

Alice deu uma risada baixa, que fez Marina sorrir sem perceber.

— É que eu sempre acreditei que a vida é muito curta para a gente complicar as coisas. Sabe, só... viver. Deixar a chuva cair e aproveitar o momento, sem pensar tanto no que vem depois.

Marina, acostumada a controlar cada detalhe, a viver entre horários e prazos, sentiu uma pontada de admiração — e talvez um pouco de inveja — da forma como Alice encarava o mundo. E, pela primeira vez em muito tempo, ela quis experimentar o mesmo. Quis, pelo menos naquela noite, se permitir esquecer os planos, as metas, o futuro.

As duas continuaram andando, agora mais próximas, dividindo confidências leves. Alice apontava para os prédios antigos, fazendo observações engraçadas sobre como algumas construções pareciam "falar" com ela, e Marina não conseguia evitar rir de suas analogias inusitadas.

Em determinado momento, Alice parou sob uma marquise de pedra, se protegendo um pouco da chuva, e olhou diretamente para Marina. Seus olhos verdes pareciam brilhar ainda mais sob a luz fraca dos postes.

— Marina, posso te perguntar uma coisa? — Ela hesitou, como se estivesse decidindo se deveria ou não continuar.

— Claro. — Marina respondeu, sentindo seu coração bater um pouco mais rápido.

— Você... já se permitiu parar e só... sentir? Sem a câmera, sem os planos. Só... viver?

A pergunta pairou no ar, e pela primeira vez, Marina não soube o que responder de imediato. Sempre estivera ocupada demais capturando o mundo ao seu redor para se permitir vivê-lo plenamente. Até aquele momento.

Antes que ela pudesse responder, Alice se inclinou um pouco mais perto, e com um sorriso suave, murmurou:

— Talvez seja hora de começar.

E, naquele instante, debaixo da chuva leve e com o silêncio da noite ao redor, algo mudou entre elas.

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