MOHAN
Ao final da tarde, resolvi caminhar até o rio Ganges. O lugar sagrado que sempre me trouxe paz, mas naquele dia, a tranquilidade do rio parecia não ter efeito sobre minha mente. Eu sabia exatamente por que estava ali: precisava encontrar uma maneira de contar ao baldi sobre Camila. Mas como? Como dizer a ele que eu estava namorando uma estrangeira, uma americana? Sabia que ele jamais aceitaria isso de bom grado, e só de pensar na reação dele, meu coração já pesava.
Sentei-me à beira do rio, jogando pequenas pedras na água, como se pudesse ver minhas dúvidas se espalharem com as ondas que elas causavam. O tempo passava, e eu continuava preso em meus pensamentos, tentando formular um plano. Talvez se eu escolhesse o momento certo, a maneira certa de dizer... ou talvez se eu esperasse mais.
Meus devaneios foram interrompidos pelos passos de Rohan, meu irmão mais novo. Ele se aproximou devagar e sentou-se ao meu lado, com um ar preocupado.
— Mohan, todos em casa estão preocupados com você. O que está fazendo aqui? — perguntou ele.
Olhei para ele de relance, sabendo que não poderia evitar o assunto por muito mais tempo.
— Eu precisava pensar — respondi, sentindo o peso da confissão que ainda não tinha feito.
Rohan me encarou, como sempre curioso, mas desta vez, com uma seriedade que me deixou desconfortável.
— Você ainda não contou ao papai, não é? — disse ele, direto.
Suspirei, olhando novamente para o rio. Não tinha como negar.
— Não, ainda não. O momento não é auspicioso. Estava pensando em consultar o horóscopo, sabe, para ver o dia certo de falar — falei, quase me convencendo de que isso faria alguma diferença.
Ele assentiu, como se aquilo fizesse sentido, mas logo mudou de assunto.
— E a Camila? Você nunca mais me contou sobre ela. Como é a vida dela? Ela é bonita? — perguntou, tentando me arrancar mais informações, e eu não pude deixar de sorrir.
Puxei o celular do bolso e mostrei uma foto dela. Era uma foto simples, Camila sorrindo, com um cropped azul e shorts jeans. Para mim, ela estava deslumbrante, mas quando vi a expressão de Rohan, percebi que ele não pensava o mesmo. Seus olhos se arregalaram, e ele ficou visivelmente escandalizado.
— Ela... veste isso normalmente? — perguntou, como se aquilo fosse a coisa mais inacreditável que já tinha visto.
Tentei conter o riso, já esperando essa reação.
— Nos Estados Unidos é normal, Rohan. As roupas lá são bem diferentes das daqui. No verão, especialmente, eles se vestem de maneira bem casual. Não tem nada demais nisso — expliquei, tentando fazê-lo entender
Mas ele balançou a cabeça, ainda incomodado com o que tinha visto.
— Não sei, Mohan... Isso é muito estranho para mim. E para Baldi, então... — disse ele, claramente preocupado com o que viria pela frente.
Suspirei de novo, sentindo que o caminho seria mais longo do que eu esperava.
— Vamos voltar para casa. Está ficando tarde — falei, desistindo de tentar convencer Rohan naquela hora.
Enquanto caminhávamos de volta, eu sabia que, por mais difícil que fosse, a conversa com papai precisava acontecer em breve. Mas como e quando? Isso ainda permanecia sem resposta.
Já era noite quando decidi que precisava visitar o sacerdote Manish. Depois da conversa com Rohan, a ansiedade só aumentou, e a ideia de saber o momento certo, auspicioso, para contar ao baldi sobre Camila parecia o único caminho possível.
Quando cheguei ao templo, o silêncio da noite parecia pesar ainda mais sobre mim. Manish me recebeu com um sorriso acolhedor, como sempre. Ele era um velho amigo da nossa família, e sempre me tratou com carinho.
— Mohan, é bom ver você. Amanhã, estarei visitando seu pai de manhã — ele comentou, me cumprimentando. Mas algo no meu rosto deve ter denunciado meu estado de espírito, porque logo seu sorriso deu lugar a uma expressão levemente preocupada. Ele não disse nada a princípio, mas percebi que ele notou algo estranho em mim
Eu respirei fundo e fui direto ao ponto.
— Vim consultá-lo para saber o dia mais auspicioso para contar algo ao meu pai — disse, tentando manter a voz firme, mas sem sucesso total.
Manish franziu a testa, claramente surpreso com meu pedido, mas assentiu e me convidou a entrar. O ambiente era simples, mas sagrado. A luz suave das velas projetava sombras nas paredes enquanto ele se preparava para ler as estrelas.
Sentado em frente a ele, senti o peso do momento. Manish começou a entoar algumas palavras e a observar cuidadosamente as estrelas. Eu esperei, tentando conter minha impaciência, até que não consegui mais.
— O que dizem as estrelas? — perguntei, minha voz soando mais ansiosa do que eu gostaria.
Manish olhou para mim com uma expressão séria, algo que raramente via nele.
— Vejo muita tempestade, Mohan — ele disse, com um tom grave.
Fiquei parado, tentando entender o que aquilo significava, mas ele repetiu.
— Muita tempestade...
E então, uma terceira vez:
— Muita tempestade.
Senti um arrepio percorrer minha espinha. Tempestade... Ele não disse mais nada por um longo momento, apenas olhou para mim, como se esperasse que eu processasse aquilo.
Finalmente, ele continuou.
— Mesmo no dia mais propício, que é na entrada da lua cheia... — disse, ainda observando minhas reações com atenção.
Meu coração bateu mais forte. A ideia de tempestade, mesmo no melhor dos dias, me deixava apreensivo. Manish percebeu o meu medo e estendeu a mão para mim, como se quisesse aliviar minha angústia.
— Agora vamos ver o que você quer falar ao seu pai — disse ele, com a mão estendida, esperando que eu tocasse.
Senti um frio percorrer meu corpo. A verdade que eu vinha evitando estava ali, bem diante de mim, mas o medo me segurava. Olhei para a mão dele, sentindo o pânico tomar conta. No último instante, retirei minha mão.
— Não... não precisa — respondi, quase num sussurro, como se estivesse falando mais comigo mesmo do que com ele. — Quando entra a lua cheia?
Manish me olhou com uma mistura de preocupação e aceitação. Ele sabia que eu não estava pronto para falar.
Eu me levantei, agradecendo silenciosamente. Inclinei-me para tocar seus pés e receber sua bênção, como é costume. Mas mal consegui esperar pelas palavras dele. Saí apressado, com meu coração pesado e minha mente ainda mais confusa.
Passando-se alguns dias. Ao chegar em casa nunca me pareceu tão difícil. Abri a porta devagar, como se soubesse que algo estava para acontecer. O peso das expectativas da minha família sempre esteve sobre mim, mas hoje era diferente. Hoje, eu estava prestes a quebrar tudo.
Mal entrei e Ananya veio ao meu encontro, seu rosto carregando uma expressão ansiosa.
— Mohan... — começou, a voz suave. — O Baldi... ele já encontrou uma noiva para você. Ele precisa do seu horóscopo para ver se combina com o dela.
Senti como se um balde de água fria tivesse sido jogado sobre mim. Cada palavra de Ananya me atingiu com força. Não era a primeira vez que ouvia sobre casamento arranjado, mas agora, com Camila na minha vida... tudo parecia errado. Eu joguei a cabeça para trás, pressionando a mão contra o rosto, frustrado. "Ainda não é lua cheia", pensei comigo mesmo, uma desculpa que vinha usando para adiar essa conversa. Mas agora... não havia mais como fugir.
— Vou falar... — murmurei para mim mesmo, sabendo que estava prestes a jogar uma bomba na mesa do jantar.
Sem entender nada, Ananya me seguiu enquanto eu marchava em direção à sala de jantar. O som abafado de vozes familiares ecoava pela casa. O aroma da comida no ar era a única coisa que parecia normal naquele momento.
Meu pai estava na mesa, ensinando sua neta, filha do meu irmão mais velho, a como se portar. Ele estava feliz, sem dúvida. Minha mãe, equilibrando uma bandeja de salada nas mãos, conversava com minha avó, que trazia um suco à mesa. Rohan, meu irmão mais novo, estava sentado distante, provavelmente observando tudo como sempre. O resto da família estava em volta, prontos para a refeição.
Assim que entrei, meu pai se levantou, um sorriso largo no rosto.
— Mohan! Tenho uma grande notícia para você! — ele exclamou, cheio de entusiasmo.
Mas antes que ele pudesse continuar, eu o interrompi, sentindo a coragem subir de um lugar que nem eu sabia que tinha.
— Pai, eu preciso falar algo... — disse, firme. O silêncio que se seguiu foi pesado.
Todos os olhares estavam sobre mim, mas eu só conseguia pensar em Camila. — Eu... estou namorando uma pessoa. Uma americana. O nome dela é Camila. E vou me casar com ela.
Minha avó foi a primeira a reagir. Ela cambaleou para trás e, de repente, desmaiou, enquanto os netos corriam para socorrê-la. O som de vidro se quebrando ecoou pela sala quando minha mãe deixou a bandeja de salada cair, parecendo prestes a desmaiar também. Meu pai ficou vermelho, os olhos arregalados de fúria.
— Narim! Narim! — ele gritou, repetidamente, em um surto de raiva. Eu sempre soube que essa palavra carregava sua desaprovação total, mas nunca a ouvira com tanta intensidade.
Ananya me olhou, perplexa, incapaz de dizer qualquer coisa. E meu irmão mais velho... ele apenas me encarava com uma decepção profunda, como se eu tivesse traído tudo o que nos foi ensinado. Já Rohan, o mais novo, parecia desconfiado, observando o caos com um olhar pensativo.
Eu queria gritar que não era um erro, que Camila significava tudo para mim. Mas, no meio de tudo isso, minha voz se perdeu.
Minha mente girava enquanto eu observava o caos que minha revelação havia causado. Minha avó, deitada no chão, com os netos ao redor tentando acordá-la. Minha mãe, paralisada, olhando para os cacos de vidro da bandeja de salada que se espalhavam pelo chão, enquanto meu pai ainda repetia "Narim! Narim!" como se estivesse à beira de explodir. Ananya, minha irmã, ainda estava imóvel, processando a notícia, e meu irmão mais velho, com aquele olhar de desapontamento que eu temia mais do que qualquer outra coisa.
Rohan, o mais novo, tinha os olhos fixos em mim, sua expressão era de desconfiança, mas também parecia estar tentando entender o que isso significava para mim, para todos nós.
A sala, que sempre fora o coração da casa, agora parecia um campo de batalha emocional.
— Como você pôde fazer isso, Mohan? — meu pai finalmente disse, a voz cheia de frustração. — Uma americana? Isso é o que você quer para a nossa família? O que as pessoas vão dizer? Você pensou no que isso significa para nós?
Eu queria responder, explicar que Camila não era apenas uma escolha, mas alguém que eu realmente amava, que ela era importante para mim de um jeito que ia além de cultura, além de tradição. Mas as palavras não saíam. Eu sabia que tudo o que dissesse nesse momento seria como jogar gasolina na fogueira.
Meu irmão mais velho, finalmente, se manifestou.
— Mohan, você sempre foi o filho que todos nós olhávamos com orgulho. Mas agora... — Ele parou, balançando a cabeça. — Você está indo contra tudo o que aprendemos. Como espera que a família aceite isso?
Minha mãe ainda não havia dito nada, mas seus olhos estavam marejados. Ela olhava para mim como se eu fosse alguém que ela não reconhecia mais.
Respirei fundo, sentindo meu peito apertar.
— Eu não queria decepcionar ninguém, mas... Camila é parte da minha vida agora. E eu... eu não posso simplesmente ignorar isso.
O silêncio que se seguiu parecia interminável. Eu sabia que não seria fácil, mas nunca imaginei o quão doloroso seria ver minha família reagir dessa maneira.
Meu pai ainda estava me olhando com os olhos cheios de fúria e decepção, mas agora, seu tom era outro. A explosão inicial havia passado, e ele me olhou como se tivesse algo mais pesado a dizer.
— Mohan — disse ele, com raiva na voz. — Vem comigo.
O som da sua voz fez meu estômago se revirar. Eu o segui, sentindo o peso da tensão em cada passo. Subimos as escadas em silêncio, minha mente correndo por todos os cenários possíveis do que ele poderia dizer. Chegamos ao meu quarto, e ele se virou para mim. Por um longo momento, ele não disse nada. Apenas me olhou com aquele olhar que eu já conhecia, o mesmo que usava quando me dava um sermão na infância. Mas desta vez, era diferente. Desta vez, eu sentia que algo estava para se romper.
— Esse romance... — ele começou, a voz controlada, mas carregada de desaprovação. — Isso que você está fazendo... não está certo. Você sabe disso, Mohan. Eu só preciso saber uma coisa. — Ele respirou fundo, como se estivesse buscando paciência. — Você está apaixonado por ela?
Minha garganta ficou seca, e senti um aperto no peito. Mas eu sabia a resposta. Eu não podia mentir.
— Sim, estou — respondi, a voz baixa, mas firme.
Meu pai balançou a cabeça lentamente, como se já soubesse o que eu diria.
— Paixão não é amor, Mohan. — Ele disse, com uma calma sombria que me fez estremecer. — Paixão é desejo, é algo que cega os olhos. Paixão às vezes pode trazer o amor, sim, mas no nosso caso... — Ele parou, seus olhos fixos nos meus, cada palavra carregando um peso imenso. — No nosso caso, isso só trará desgraça. Se você continuar com essa ideia, estará trazendo ruína para a nossa família.
Meu coração batia rápido, e eu sabia que ele estava tentando me fazer desistir. Mas o que ele disse a seguir me atingiu com força.
— Você sabe o que sua decisão significa para nós? Pense nos nossos antepassados, na honra que carregamos. Eu dediquei minha vida para garantir que nossa família fosse respeitada, e você... — Ele respirou fundo, como se estivesse tentando controlar a raiva. — Se você seguir com isso, com essa firanghi, será a vergonha de nossa linhagem. A profissão que você segue, a reputação que construímos... tudo estará manchado.
Ele deu um passo em minha direção, o rosto sério e impiedoso.
— Pense bem, Mohan. Ou é a honra da sua família, ou essa firanghi estrangeira. Você decide.
Com essas palavras, ele se virou e saiu do quarto, fechando a porta com força atrás de si.
Eu fiquei lá, sozinho. A pressão em meu peito ficou insuportável, e as lágrimas começaram a escorrer antes que eu pudesse contê-las. Eu caí no chão, os soluços me dominando, incapaz de segurar a dor que estava carregando. Tudo que eu queria era escolher o amor, mas como eu poderia enfrentar minha família e tudo que eles representavam?
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Atualizado até capítulo 33
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