MOHAN
Era estranho ouvir a voz da minha mãe pelo telefone depois de tanto tempo. Cada palavra dela trazia de volta o cheiro das especiarias, o calor do verão indiano, e aquele sentimento de lar que, por tanto tempo, parecia apenas uma memória distante. "Mohan, filho, finalmente voltando para casa, hein?" ela dizia com uma mistura de alívio e expectativa. Eu não sabia o que me esperava, mas sabia que era hora de enfrentar o que deixei para trás.
O voo foi longo, mas meus pensamentos foram mais longos ainda. Cada hora que se passava, me sentia mais perto de mim mesmo, como se minha alma estivesse retornando junto ao meu corpo. O aeroporto em Dubai estava agitado, como sempre, e, ao pisar no chão indiano, senti a familiaridade do ar úmido que me envolvia, algo que nunca esqueci, mesmo nos anos que passei longe.
Peguei o táxi rumo à minha casa, e conforme a paisagem urbana dava lugar às ruas conhecidas do meu bairro, algo dentro de mim começou a se agitar. O que eu encontraria? Minha mãe meu pai, meus irmãos com certeza. Mas e o resto? O passado? As decisões que fiz?
Quando finalmente cheguei à rua da minha infância, vi algo que não esperava. Uma movimentação incomum. Pessoas, muitas delas, indo e vindo de nossa casa. Meus olhos se fixaram na frente de casa decorada com luzes, bandeiras coloridas e flores frescas. Meus vizinhos sorriram para mim quando desci do carro. Havia algo no ar... uma festa.
Entrei pela porta e fui imediatamente envolvido por música e risadas.
—Ele chegou! Mohan chegou! — ouvi minha irmã Ananya gritar, e minha mãe apareceu no meio da multidão, seu rosto iluminado pelo sorriso que eu sempre associei a segurança e acolhimento. Ela correu até mim e me abraçou com força.
— Você voltou, Mohan. Finalmente voltou — Ela sussurrou, com os olhos cheios de lágrimas. Mal sabia eu que eles estavam preparando essa celebração para mim, como se meu retorno fosse algo grande, digno de uma festa. Para eles, talvez fosse.
Enquanto olhava ao redor, via rostos familiares, alguns envelhecidos, outros novos, mas todos sorrindo, felizes por me ver. As vozes, os sons e os cheiros da festa me envolviam como um cobertor de boas-vindas. Era estranho sentir tudo isso de novo, como se nunca tivesse partido, como se o tempo não tivesse passado.
Abracei minha mãe de volta, sentindo o peso dos anos que passei longe se dissipar por um breve momento. Estava em casa. E, pela primeira vez em muito tempo, isso parecia o suficiente.
Depois de um tempo na festa, minha mãe insistiu que eu descansasse. Subi para o meu antigo quarto, onde cada detalhe ainda parecia estar no mesmo lugar. O cheiro de madeira e incenso me trouxe um conforto inesperado. Eu já estava me preparando para deitar quando ouvi uma batida na porta.
— Mohan? — Era a voz grave do meu pai. — Posso entrar?
— Claro, pai — respondi, levantando-me da cama.
Ele entrou devagar, como se estivesse escolhendo bem as palavras que queria usar. Meu pai sempre foi um homem de poucas palavras, mas de muita presença. Sentou-se na poltrona ao lado da janela e me olhou com um sorriso discreto.
— Vamos conversar?
— Sim, pai. — Minha voz soou mais baixa do que eu pretendia.
Ele entrou, fechando a porta atrás de si. O olhar sério que ele sempre carregava estava mais evidente naquela noite. Meu pai nunca foi de rodeios, sempre direto. Me sentei na ponta da cama, tentando parecer calmo, mas o suor frio já escorria nas minhas costas.
— Você sabe que estamos felizes com sua volta — ele começou, sem tirar os olhos de mim. — Sua mãe, principalmente. Esperamos muito por esse momento.
Eu apenas assenti, sentindo uma pressão crescer em meu peito. Sabia que algo vinha depois dessa introdução. Ele se levantou e caminhou até a janela, olhando para fora.
— Agora que você está de volta — ele continuou —, é hora de falarmos sobre o seu futuro. seu irmão mais velho Karan casou-se abrindo espaço para a sua vez, mas você está prendendo seus outros irmãos Rohan e Ananya, para eles casarem, você precisa se casar primeiro, assim como nos costumes.
Meu coração acelerou. Eu já sabia o que ele diria, mas não estava preparado para ouvir.
— Mohan, você já tem uma boa carreira — ele disse, ainda olhando pela janela. — É hora de você pensar em se estabelecer aqui. Sua mãe e eu... temos conversado com algumas famílias. Achamos que seria bom para você... um casamento.
As palavras dele pairaram no ar por alguns segundos, pesando sobre mim. Meu estômago deu um nó, e senti um frio na espinha. Como eu poderia falar o que realmente estava acontecendo na minha vida? Eu não podia. Meu pai jamais entenderia.
Tentei engolir a apreensão que crescia, mas minhas mãos começaram a tremer levemente. Olhei para ele, ainda em pé, como se estivesse esperando que eu confirmasse sua decisão sem hesitar. Mas como eu poderia fazer isso?
— Pai... — comecei, a voz falhando. — Eu... eu não sei se estou pronto para isso ainda.
Ele se virou para me encarar, a testa franzida.
— Não está pronto? Mohan, você já tem idade, já fez seu nome fora daqui. O que mais falta? Uma boa esposa trará estabilidade. Temos famílias de boa reputação interessadas, e isso será ótimo para nossa família.
A cada palavra dele, eu me sentia mais encurralado. Como dizer que havia alguém nos Estados Unidos? Como explicar que meu coração estava dividido? Eu sabia, no fundo, que meu pai jamais aceitaria. A tradição era tudo para ele. E agora, ele estava esperando que eu seguisse o mesmo caminho.
— Eu entendo o que está dizendo, pai... — tentei, buscando palavras que não o irritassem. — Mas é que... eu acabei de voltar. Talvez seja melhor esperar um pouco.
O rosto dele endureceu levemente. Sabia que estava desapontado.
— Esperar? Já esperamos muito tempo, Mohan. Essa é a hora certa. Sua mãe e eu só queremos o melhor para você. Uma vida estável, com alguém que entenda nossa cultura, nossa tradição. Não pode viver eternamente em outro lugar, com outras ideias que não se encaixam no que somos.
Engoli em seco. Sabia que ele se referia a qualquer vida que eu tivesse lá fora, e o medo cresceu. Eu não podia contar sobre minha namorada. Não agora. Talvez nunca.
— Eu sei, pai — murmurei, desviando o olhar. — Só... só preciso de um pouco de tempo para me ajustar.
Meu pai suspirou profundamente. Ele sabia que eu estava hesitante, mas não queria forçar mais naquele momento.
— Muito bem, Mohan — ele disse, finalmente, com a voz mais baixa. — Mas não demore muito. O tempo passa rápido. Pense no que é certo para você... e para nossa família.
Com isso, ele saiu do quarto, deixando um peso ainda maior em meus ombros. O silêncio retornou, mas agora parecia mais sufocante do que antes.
Depois que meu pai saiu do quarto, fiquei sentado, ainda sentindo o peso da conversa. O silêncio se instalou, mas não por muito tempo. Ouvi um leve rangido vindo da porta e, antes que eu pudesse perguntar quem estava ali, Rohan entrou, com um sorriso sem graça.
— Ei, "Bhaya" . Eu... eu estava meio que escutando atrás da porta. Desculpa. — Ele coçou a nuca, sem jeito, mas seu olhar estava cheio de curiosidade.
— Rohan... — Suspirei, sem saber como reagir. Ele sempre foi o curioso da família, mas algo no jeito dele me fez perceber que ele não estava ali apenas para brincar. — Escutou tudo, então?
— Mais ou menos — disse ele, sentando-se na beira da cama, sem me olhar diretamente. — Eu sabia que o Baldi ia começar a pressionar você sobre casamento. Mas... não é isso que está te preocupando, não é?
Olhei para ele, surpreso pela percepção. Rohan era o mais jovem dos homens, mas sempre foi mais atento do que todos imaginavam. Ele me observou por um momento, e eu percebi que não adiantaria esconder.
— Tem alguém, não é? — ele perguntou, sem rodeios, finalmente me encarando.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, sem saber como começar. Mas essa era minha chance de desabafar, de finalmente contar a alguém. E Rohan... ele era o único com quem eu podia ser honesto.
— Tem — admiti, com um suspiro. — Nos Estados Unidos. O nome dela é Camila.
Rohan se inclinou, interessado.
— Camila? E como ela é? — Ele perguntou, quase sem fôlego.
Sorri, imaginando o rosto dela. Só de pensar nela, a tensão diminuía um pouco.
— Ela é... incrível, Rohan. Ela é fotógrafa, sabe? Viaja o mundo todo, capturando momentos que a maioria das pessoas nunca veria. Ela tem esse jeito de ver beleza nas coisas mais simples. É apaixonada pelo que faz, e eu nunca conheci alguém com tanta energia para seguir seus sonhos.
Rohan me olhou com admiração, como se estivesse ouvindo a história de um filme.
— E como vocês se conheceram?
— Foi em uma exposição de arte, em Dubai — comecei a lembrar, rindo um pouco. — Eu estava lá por acaso, e vi as fotos dela. Eram impressionantes. Sabe aquele tipo de imagem que te faz sentir algo, mesmo sem entender exatamente o porquê? Foi assim. Depois da exposição, a vi no café ao lado e criei coragem para falar com ela. O resto... aconteceu naturalmente.
Rohan parecia encantado pela história, mas logo ficou sério.
— Então, por que não contou para o papai? Por que não conta para ninguém?
Minha expressão ficou séria novamente.
— Porque eu sei como ele reagiria, Rohan. Você sabe. Papai quer que eu siga o caminho que ele traçou, que eu case com alguém daqui, que respeite as tradições. Ele nunca aceitaria alguém como Camila, uma americana, com uma vida tão diferente da nossa.
Rohan ficou pensativo por um momento.
— Mas... você ama ela, né? — ele perguntou, quase num sussurro.
Senti um aperto no peito, mas respondi com firmeza.
— Sim, eu amo com toda minha vida.
Rohan assentiu lentamente, como se estivesse processando tudo. Depois, ele deu um leve sorriso.
— Eu não sou o baldi, mas... eu acho que você deveria fazer o que te faz feliz, Mohan. Se ela é importante para você, então isso tem valor, não importa o que os outros digam.
Olhei para ele, surpreso pela maturidade nas palavras.
—"chukriá" , Rohan. Isso significa muito pra mim.
Ele sorriu de volta, se levantando da cama.
— Só... não se esconda pra sempre, mano. Isso nunca termina bem.
Com isso, ele saiu do quarto, deixando-me sozinho com meus pensamentos, mas agora com uma sensação leve, como se, pela primeira vez, eu tivesse alguém do meu lado nessa jornada.
No dia seguinte, o sol mal tinha subido quando fui para a loja de tecidos do meu pai. Era um lugar que conhecia desde criança, e cada dobra de tecido, cada cor vibrante e cada cliente fiel fazia parte da minha vida tanto quanto as paredes daquela casa. Meu pai, sempre orgulhoso do que construiu, já estava lá, organizando os rolos de seda e algodão com a precisão que lhe era característica.
A casta do meu pai sempre foi algo de grande importância para ele. Nós pertencíamos à comunidade dos comerciantes, casta "Vaishyas" Uma linhagem respeitada, e ele carregava esse orgulho com a postura de um homem que construiu seu nome e sua reputação com esforço. Não era apenas um comerciante qualquer. As pessoas o conheciam, o respeitavam. Seus negócios iam bem porque ele era confiável, e seu senso de honra era inabalável. Para ele, tudo girava em torno do status, da tradição, da maneira correta de se viver e de se casar.
Enquanto eu o ajudava a desenrolar um tecido azul claro, não conseguia parar de pensar. E se eu decidisse seguir meu coração e me casar com Camila? Eu sabia o que aquilo significaria. Meu pai arrastaria o próprio rosto no chão de vergonha, desonrado pela decisão do filho. Um casamento com uma firanghi, uma estrangeira, seria impensável. O orgulho que ele construiu ao longo de anos desmoronaria em questão de dias. O que a sociedade diria? Ele jamais me perdoaria.
— Mohan, pega aquele rolo de seda vermelha ali — ele pediu, apontando para uma prateleira alta.
Fiz como ele pediu, mas estava perdido em pensamentos. Ao me virar, ouvi um barulho estranho atrás de mim. Olhei rápido e vi meu pai cambaleando, apoiando-se no balcão para não cair.
— Pai! — Corri até ele, segurando-o pelo braço. — Você está bem?
Ele respirou fundo, apertando os olhos por um momento antes de se endireitar.
— Estou bem, Mohan, estou bem — disse ele, ainda um pouco pálido. — Só uma tontura.
Minha preocupação cresceu. Ele nunca demonstrava fraqueza, e aquilo me assustou.
— Pai, talvez você devesse descansar. Posso cuidar da loja hoje.
Ele balançou a cabeça, um pouco irritado, como se a ideia de fraqueza fosse inconcebível.
— Não precisa se preocupar comigo, Mohan. Tenho muito mais para me preocupar do que uma tontura passageira. — Ele respirou fundo e me olhou fixamente. — O que você deveria estar pensando é no seu casamento. Não podemos adiar isso para sempre.
Meu peito se apertou. O assunto voltava à tona como uma correnteza que me arrastava sem controle.
— Pai, não sei se... — As palavras morriam na minha boca. Não podia falar sobre Camila. Não agora.
Ele olhou para mim com o olhar firme de sempre, mas com uma leve sombra de cansaço.
— Mohan, eu te criei para honrar nossa família. Não importa o que você pense, é isso que precisa fazer. Agora, vá pensar. Precisa de clareza. Eu já conversei com algumas famílias... O tempo está se esgotando.
Eu não consegui responder. A pressão estava me esmagando, e eu sabia que, se continuasse naquela loja, não conseguiria respirar. Sai sem dizer uma palavra, o ar do lado de fora era sufocante de tanto calor, mas ainda assim me ajudou a me sentir um pouco mais livre. Eu precisava caminhar, clarear a mente.
Andei pelas ruas do bairro, as lembranças de infância misturadas aos pensamentos caóticos sobre o futuro. O cheiro das especiarias no ar, o barulho dos vendedores e o movimento das pessoas que eu conhecia de vista desde sempre pareciam distantes. Até que, de repente, esbarrei em alguém, sem nem perceber por onde estava andando.
— Desculpa — murmurei, me virando para a pessoa.
Ela também se virou ao mesmo tempo, e nossos olhos se encontraram. Era uma jovem que nunca havia visto antes, e havia algo no olhar dela que me fez hesitar. Ela parecia igualmente surpresa, como se estivesse tão confusa quanto eu com o encontro. Seus olhos eram profundos, como se tentassem entender o que havia acabado de acontecer.
— Desculpa — ela disse, num tom suave, mas decidido.
Por um momento, ficamos ali, parados, apenas trocando olhares curiosos. Algo naquele instante parecia importante, mas eu não sabia o que era. E então, ela deu um leve sorriso, quase imperceptível, e se virou, continuando seu caminho sem olhar para trás.
Eu fiquei ali, observando-a se afastar, sem saber o que pensar. Algo nela me intrigava, mas ao mesmo tempo, eu estava tão preso aos meus próprios conflitos que não consegui decifrar. Continuei andando, com o coração acelerado, mas sem entender por quê.
E assim, o peso das minhas dúvidas continuava, mas agora, com um novo elemento no ar. Quem era ela?
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Atualizado até capítulo 33
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