Capítulo 5: A Viagem Decisiva

Cada novo amanhecer em Havenswood parecia intensificar o peso que carregava em meu coração. A corte, com suas intrigas e jogos cruéis de poder, tornara-se um campo de batalha onde eu era sempre a antagonista, a filha marcada que jamais poderia redimir-se. Por mais que mantivesse a cabeça erguida, os olhares de desdém e os sussurros venenosos corroíam minha alma. Eu estava exausta. Exausta de lutar contra uma maré de desprezo que parecia querer submergir-me a cada instante.

Foi numa dessas manhãs, ao encarar meu reflexo no espelho e perceber alguém quase irreconhecível, que tomei minha decisão. Precisava partir. Não por covardia, mas por sobrevivência. Afastar-me daquele mundo, que, apesar de sua beleza, estava envenenado até o núcleo. Eu ansiava por um tempo para redescobrir-me, longe das expectativas sufocantes da nobreza e dos julgamentos que me cercavam.

Durante o jantar, anunciei minha partida. O salão parecia ainda mais opressor naquela noite, com velas ardendo silenciosas, projetando sombras longas nas paredes adornadas por retratos de ancestrais que me observavam, distantes e frios. Meu pai ergueu o olhar de seu prato ao ouvir minhas palavras, mas sua expressão permaneceu impassível.

"Partir?" repetiu ele, como se a palavra lhe causasse um amargor inesperado.

"Sim, pai," respondi, a voz firme apesar do coração acelerado. "Preciso de tempo para... refletir. Para compreender meu lugar no mundo."

Meu irmão, Alden, sentado ao lado de meu pai, apenas ergueu uma sobrancelha, sem comentar. Ele sempre fora assim — observador, mas distante, mantendo suas opiniões especialmente em relação a mim.

"E para onde pretende ir?" perguntou meu pai, a voz controlada, mas com uma ponta de curiosidade.

"Haverá uma caravana partindo para o reino de Eldoron em poucos dias. Quero acompanhá-la, conhecer novas terras, culturas diferentes. Preciso desse tempo para mim." As palavras fluíram mais facilmente do que eu esperava, e com elas, senti uma onda de alívio crescente.

"E o que deixará para trás?" questionou, o leve franzir de sua testa revelando uma preocupação com as aparências.

"Deixarei tudo em ordem, pai. Lady Eleanor cuidará das minhas responsabilidades aqui, e asseguro que não haverá qualquer transtorno para a família." Sabia que, mais que tudo, ele temia o escândalo de uma partida repentina, mas era um risco que eu estava disposta a assumir.

Por um momento, ele permaneceu em silêncio, o olhar perdido na mesa. Finalmente, suspirou. "Se acredita que essa viagem é necessária, que assim seja. Mas entenda, Lissara, sua ausência não apagará o que dizem sobre você."

Eu sabia disso. Sabia que os rumores continuariam, que minha partida seria vista como uma fuga. Mas, naquele momento, não me importava. Precisava de ar, de liberdade para ser quem eu era, longe das correntes invisíveis que me prendiam àquela sociedade sufocante.

A preparação para a viagem foi rápida. Cada detalhe parecia um passo a mais na direção da liberdade que eu tanto desejava. Escolhi apenas o essencial: vestes simples e alguns livros, deixando para trás os luxos de Havenswood, que sempre pareceram mais uma prisão do que um privilégio.

Na manhã da partida, o céu estava cinzento, uma neblina espessa envolvia as terras ao redor da mansão. A caravana aguardava, com cavalos robustos e carroças carregadas de provisões. Lady Eleanor, sempre a figura materna que nunca tive, estava ao meu lado, seus olhos refletindo uma mistura de preocupação e orgulho.

"Está fazendo a coisa certa, minha lady," disse suavemente, ajustando o capuz do meu manto. "Às vezes, precisamos nos afastar para encontrar o nosso caminho."

Abracei-a, sentindo o calor de suas palavras. Ela era uma das poucas pessoas em Havenswood que realmente se importava comigo, e sua aprovação significava mais do que eu poderia expressar.

Meu pai e Alden vieram se despedir formalmente, sem grande demonstração de afeto, mas eu não esperava nada diferente. Para eles, minha partida era mais conveniente do que uma necessidade pessoal. No fundo, sabia que sentiam alívio ao ver-me partir, ainda que temporariamente.

Quando finalmente subi na carroça e a caravana começou a mover-se, uma leveza que eu há muito não sentia tomou conta de mim. À medida que Havenswood ficava para trás, envolta na neblina, parecia que eu deixava lá uma parte de mim, a parte moldada por anos de expectativas e ressentimento. Mas sabia também que aquela jornada era uma oportunidade de me reconstruir, de descobrir a verdade de quem eu era, longe dos olhares críticos da corte.

A estrada à frente era longa e desconhecida, mas, pela primeira vez em muito tempo, senti uma esperança verdadeira. A esperança de que, além dos limites do que eu conhecia, existisse uma Lissara que poderia ser mais do que a filha renegada de Havenswood, mais do que a figura sombria que todos temiam e desprezavam. Eu estava em busca de mim mesma, e nada — nem os rumores, nem as memórias dolorosas — poderia deter minha jornada.

Assim, deixei para trás as muralhas imponentes e o peso esmagador da nobreza, em direção a um futuro incerto, mas repleto de possibilidades. A cada quilômetro que avançávamos, sentia meu espírito expandir-se, livre das correntes que me mantinham prisioneira. Era o começo de algo novo e desconhecido, algo que eu sabia que seria decisivo para o que estava por vir.

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Comments

Edilaine Januário

Edilaine Januário

maravilhoso

2024-10-16

1

Nely carvalho

Nely carvalho

A narrativa é simplesmente maravilhosa, parabéns.

2024-10-16

1

Abadon007

Abadon007

Fantástico!

2024-10-11

2

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