Quando completei dezoito anos, fui finalmente apresentada à sociedade. Havenswood, em contraste com sua atmosfera usual, estava deslumbrante naquela noite, transformada para o grande baile de debutantes em minha honra. As velas cintilavam em profusão, refletindo-se nos espelhos dourados e nos lustres de cristal, criando um espetáculo de luz e sombra que parecia dançar com o próprio salão. Mas, apesar do brilho e da pompa, não conseguia afastar o peso que pressionava meu coração.
Naquela noite, vesti o mais belo vestido que já havia possuído, uma seda azul-escura quase negra, contrastando com a palidez da minha pele. Os bordados dourados que adornavam a cintura e o decote eram delicados e exalavam um toque de riqueza e mistério, reminiscentes das tapeçarias ancestrais que adornavam a biblioteca. Meus cabelos, negros como a meia-noite, estavam presos em um penteado elaborado, com pequenas pérolas que cintilavam sob a luz das velas. Eu sabia que estava linda, mas a imagem que via no espelho era mais uma prisão do que uma bênção, um fardo tanto quanto um dom.
O salão estava repleto de nobres, todos em trajes exuberantes, observando-me enquanto sussurravam entre si. Sentia o peso dos olhares sobre mim, o julgamento silencioso daqueles que me viam apenas como a filha amaldiçoada de Havenswood. Os olhares pareciam dizer: "Ela é bela, mas é também um enigma sombrio."
Enquanto cruzava o salão, era impossível ignorar o desconforto oculto nas expressões que me seguiam. Eu era anunciada com grandiosidade, mas, para muitos ali, não passava de uma figura a ser temida ou desprezada. O peso da culpa, um sentimento que carregava desde a infância, parecia se intensificar em cada olhar que me era lançado.
E então, em meio a todos os rostos no salão, meus olhos encontraram os dele. O Príncipe Theodore, herdeiro do trono, estava do outro lado da sala, imerso em uma conversa. Era exatamente como os rumores diziam: alto, de porte imponente, com cabelos castanho-escuros e olhos que refletiam inteligência e uma força silenciosa. Quando nossos olhares se cruzaram, senti um estranho silêncio interno, como se o mundo ao meu redor tivesse ficado suspenso no tempo. Ele me observou por um instante que pareceu prolongar-se infinitamente, e em seus olhos percebi algo que nunca tinha visto antes: uma curiosidade genuína, quase desarmante.
Mas o momento foi breve. Antes que eu pudesse interpretar o que vi, Lisbet, a noiva prometida do príncipe, aproximou-se dele, tocando-lhe o braço de forma possessiva. Ela representava tudo o que uma futura rainha deveria ser: delicada, com cabelos loiros e olhos verdes que irradiavam uma doçura calculada. Sua presença ao lado dele era como uma lembrança de que, por mais que eu desejasse, jamais poderia pertencer a aquele mundo. Ela sorriu para mim, mas seus olhos não espelhavam o gesto. Era como se dissesse: "Lembra-te de onde é o teu lugar."
Seguiram-se as danças, uma série de valsas e cortesias formais. Cada cavalheiro que se aproximava elogiava minha aparência e minha graça, mas os elogios soavam ocos e desinteressados, como palavras proferidas apenas por cortesia. Eu sorria, trocando algumas palavras com cada parceiro, mas por dentro sentia uma muralha se erguendo ao meu redor. Sabia que aqueles elogios, embora educados, eram pontuados por uma sombra de desconfiança.
Durante uma breve pausa, aproveitei para me retirar à varanda, buscando alívio no ar fresco da noite. Lá fora, o jardim de Havenswood estava iluminado por lanternas dispersas, e a luz da lua cheia lançava um brilho prateado sobre as flores, que pareciam tão vivas e vibrantes em contraste com a escuridão que carregava dentro de mim.
Fechei os olhos, permitindo-me sentir o peso da solidão que sempre me acompanhava. A beleza que todos admiravam era apenas uma máscara, uma armadura para proteger o que verdadeiramente sentia. A dor de ser sempre a figura isolada e culpada era um peso que carregava em silêncio.
Foi então que ouvi passos leves atrás de mim. Abri os olhos e me virei, apenas para encontrar o Príncipe Theodore. Ele havia deixado a festa para vir até a varanda, e seus olhos fixavam-se em mim com uma intensidade que fez meu coração acelerar.
"Lady Lissara," disse ele, com uma voz suave, mas cheia de autoridade. "Estavas a admirar os jardins?"
"Sim, Vossa Alteza," respondi, tentando controlar o nervosismo. "Eles são belos, não são?"
"Sim, belos," concordou ele, mas seus olhos não estavam nos jardins. Havia algo em seu olhar, uma curiosidade inquietante que me deixou desconcertada, como se ele estivesse tentando enxergar além da minha fachada.
Antes que pudesse dizer algo mais, Lisbet apareceu na porta, chamando-o com uma doçura que soava ensaiada e meticulosa. Theodore lançou-me um último olhar, uma mistura de curiosidade e um estranho sentimento de renúncia, e então afastou-se, retornando ao mundo que sempre seria dele, mas que nunca poderia ser meu.
Permaneci ali, sozinha, sentindo o frescor da noite envolver-me como um manto de realidade. Por mais que tivesse desejado ser notada, sabia que a atenção de Theodore seria passageira, uma faísca efémera. A minha beleza, embora me tornasse objeto de olhares, não despertava em ninguém um interesse verdadeiro e duradouro.
O baile prolongou-se até altas horas, mas para mim o encanto já se desfizera. Mesmo após minha apresentação oficial à sociedade, continuaria sendo a filha amaldiçoada de Havenswood, aquela que todos observavam com desconfiança.
Quando a última música cessou e os convidados começaram a se retirar, voltei para o meu quarto, exausta e vazia. O espelho me devolveu o reflexo de uma jovem atraente, mas tudo o que eu conseguia ver era a solidão nos meus próprios olhos. Minha beleza, longe de ser um presente, era um fardo que me separava dos outros, uma máscara que me fazia desejada, Mas jamais verdadeiramente amada.
Naquela noite, ao apagar as luzes e deitar-me na cama de dossel, compreendi que, para sobreviver numa sociedade que me rejeitava, teria que continuar vestindo minha máscara e escondendo quem realmente era. Havenswood podia brilhar em luz e esplendor, mas sabia que, no fundo, as sombras sempre prevaleceriam — e eu, Lissara de Havenswood, teria que aprender a viver entre elas.
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Atualizado até capítulo 25
Comments
💖 케지아 라임 💜
Ahhh amei sua forma de escrever e relatar a história, muito envolvente. Parabéns 👏🏻👏🏻💐💐
2024-12-15
2
Débora
autora Você escreve muito bem tô gostando
2024-10-15
3