O sino da igreja ao longe tocou cinco vezes quando Heitor acordou no escuro do quarto da Pousada do Sol. O cansaço da viagem e o esforço do dia anterior ainda pesavam em seus músculos, mas ele não podia perder tempo. Sabia que aquele trabalho na Casa de Carga era sua única chance de começar algo em Valdora.
Os ossos de suas pernas protestaram quando ele se levantou da cama, mas ignorou a dor e se vestiu com a única roupa limpa que tinha. A caminho da Casa de Carga, a cidade ainda estava envolta em sombras, com poucas luzes surgindo nas janelas e os primeiros trabalhadores já se movimentando pelas ruas.
Quando chegou ao porto, a movimentação já era intensa. O supervisor da Casa de Carga, que ele descobrira se chamar Tonho, estava novamente dando ordens, apontando para as pilhas de caixas que haviam chegado durante a madrugada. O céu nublado acima do rio refletia o ritmo frenético de Valdora, como se a cidade nunca realmente dormisse.
Heitor se aproximou com hesitação, ainda inseguro, mas determinado. Tonho o viu de longe e acenou de maneira brusca, como quem já esperava por sua chegada.
— Aí está você — disse ele, com uma expressão de aprovação contida. — Espero que tenha descansado. Hoje vai precisar de força.
Heitor assentiu em silêncio, ainda tentando acostumar-se com o ambiente rude e barulhento. Sentia o olhar de outros trabalhadores sobre si, a maioria deles mais fortes e experientes. Sabia que ainda não tinha o respeito deles, mas isso viria com o tempo — ou assim ele esperava.
— Vamos começar com aquelas caixas ali — Tonho apontou para um lote de caixas médias. — São sacas de grãos do interior. Preciso que leve tudo para o armazém 2. Não é longe, mas o peso é traiçoeiro. Se der conta disso, te coloco numa tarefa mais complicada.
Sem outra palavra, Heitor foi até as caixas. Elas não eram tão grandes quanto a que carregara no dia anterior, mas ao levantar a primeira, ele sentiu o peso se concentrar em seus ombros e braços. Inspirou fundo e começou a carregar a primeira em direção ao armazém. O corpo, ainda dolorido da tarefa anterior, reclamava a cada passo, mas ele se forçou a continuar.
O trabalho se estendeu pelas próximas horas. Cada vez que Heitor pensava em parar para descansar, outro lote de caixas ou sacas surgia diante dele. A essa altura, seus braços doíam tanto que ele mal conseguia sentir as mãos. O suor escorria pelo rosto e pelas costas, e as roupas estavam ensopadas.
À medida que o dia avançava, Heitor percebeu que as conversas dos trabalhadores ao redor começavam a mudar. O escárnio do primeiro dia dava lugar a olhares de respeito. Eles viam que ele não desistiria tão facilmente. Alguns deles até começaram a trocar palavras curtas com ele, algo que não haviam feito no início.
— Tá indo bem, garoto — comentou um homem mais velho com quem cruzou no caminho para o armazém. — Continue assim e logo estará carregando as caixas grandes como se fossem sacos de farinha.
Heitor deu um sorriso cansado em resposta, mas as palavras do homem o encorajaram. Cada pequeno sinal de aceitação era um combustível para continuar.
Quando finalmente o sol começou a descer no horizonte, anunciando o fim do turno, Heitor mal podia sentir as pernas. Ele jogou a última caixa no chão do armazém e se apoiou em uma pilha de sacos de trigo, ofegante.
Tonho apareceu pouco depois, com as mãos nos quadris e o semblante de aprovação.
— Você aguentou o dia inteiro. — Ele sorriu, dessa vez de forma mais aberta. — Não é todo dia que alguém vem do nada e faz o que você fez.
Heitor assentiu, sem forças para responder imediatamente. Sentia-se exausto, mas também satisfeito. A dor em seus músculos era uma prova de que havia superado mais um desafio.
— Amanhã tem mais, mas hoje... hoje você merece um descanso. — Tonho olhou ao redor, como se garantisse que todos os outros tivessem terminado também. — Pode ir, garoto. Nos vemos amanhã.
Heitor arrastou-se de volta para a pousada, os pés pesados como chumbo. Quando chegou ao quarto, desabou na cama sem se preocupar com a sujeira ou o suor que cobria seu corpo. O cansaço era tanto que ele não conseguia sequer pensar em comer.
Enquanto seus olhos se fechavam, um pensamento pairou em sua mente: ele estava se fortalecendo, aos poucos, mas sentia que aquele trabalho braçal era apenas o começo. Algo maior o esperava, algo que ainda não conseguia definir.
Mas naquele momento, tudo o que ele queria era descansar. Amanhã seria outro dia, e ele enfrentaria tudo de novo — com o mesmo esforço e a mesma determinação.
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Atualizado até capítulo 40
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