Na manhã seguinte, antes mesmo do sol surgir no horizonte, Heitor já estava de pé. O sono havia sido leve e inquieto; a excitação e o nervosismo pelo dia que viria impediram qualquer descanso profundo. O colchão fino e a janela mal vedada também não ajudaram, mas ele mal se importava. Hoje ele teria uma chance — por menor que fosse.
Valdora ainda acordava quando ele saiu da Pousada do Sol, com os primeiros raios de sol iluminando o céu. A cidade que à noite parecia agitada agora estava tranquila, mas o burburinho já começava a crescer nas ruas. Comerciantes abriam suas lojas, e carroças de mercadorias começavam a encher as vias de terra. Seguindo as direções que o homem na taverna lhe deu, Heitor caminhou em direção ao porto da cidade, um lugar de movimento constante.
A Casa de Carga, como fora chamada, ficava próxima à beira de um rio caudaloso, que servia de rota para muitos comerciantes da região. O ar ali era diferente — pesado e úmido, com o cheiro de madeira e ferrugem. Homens robustos, carregando caixas e sacos, andavam de um lado para o outro, em uma coreografia frenética de trabalho duro.
Heitor observava a movimentação com cautela, o estômago revirando de ansiedade. Mesmo sabendo que não era um rapaz forte, sabia que essa era sua chance de encontrar algo. Precisava mostrar que estava disposto a trabalhar, não importava o quão difícil fosse.
Ao se aproximar da entrada da Casa de Carga, avistou um homem de aparência rude, com braços musculosos e a pele marcada pelo sol. Ele parecia estar supervisionando os trabalhadores, gritando ordens e avaliando os carregamentos que chegavam. Heitor tomou fôlego e caminhou até ele.
— Com licença, senhor — começou ele, tentando soar confiante, embora sentisse o nervosismo na voz. — Eu sou novo na cidade e tô procurando trabalho. Me disseram que aqui sempre precisam de ajuda.
O homem virou-se devagar, seus olhos avaliando Heitor de cima a baixo. Um sorriso torto surgiu em seus lábios, como se estivesse se divertindo com a visão de um rapaz magro e inexperiente pedindo por trabalho em um lugar como aquele.
— Trabalho? — Ele riu, um som áspero que fez os outros homens próximos olharem para Heitor com o mesmo desprezo. — O que acha que pode fazer aqui, garoto? Carregar caixas maiores que você?
O riso ecoou, mas Heitor permaneceu firme, mesmo sentindo o peso da humilhação. Ele já tinha ouvido aquele tom antes, muitas vezes na vila, mas dessa vez não deixaria isso impedi-lo. Ele havia chegado longe demais.
— Eu posso tentar — respondeu ele, mais determinado. — Não sou forte como vocês, mas não tenho medo de trabalho duro.
O supervisor o encarou por mais um momento, agora com uma curiosidade diferente nos olhos. Talvez estivesse surpreso com a resposta, ou talvez gostasse de ver alguém disposto a quebrar as expectativas.
— Muito bem — disse ele, dando de ombros. — Se você acha que aguenta, vamos ver o que pode fazer.
Ele fez sinal para que Heitor o seguisse até uma pilha de caixas de madeira, todas com marcas de transporte, e com o nome de comerciantes gravados na superfície. Algumas delas tinham o dobro do tamanho de Heitor.
— Essas caixas precisam ser levadas até o armazém do outro lado do porto. Se conseguir carregar pelo menos duas sem quebrar a espinha, o trabalho é seu. Caso contrário, pode ir embora.
Heitor engoliu em seco, mas assentiu. Ele sabia que seria difícil, mas não havia outra escolha. Aproximou-se da primeira caixa, uma peça de madeira grande e sólida. Seus dedos finos envolveram a borda da caixa, e com um impulso, tentou levantá-la. O peso imediato quase o derrubou para trás.
Por um instante, ele sentiu as risadas retornarem, o som de zombarias no fundo de sua mente, mas decidiu não desistir. Respirou fundo, apertou os dentes, e com um esforço monumental, conseguiu erguer a caixa até a altura do peito. Os músculos tremiam de esforço, suas pernas vacilavam, mas ele começou a andar, passo após passo, em direção ao armazém.
O trajeto parecia uma eternidade. Cada movimento parecia puxar seu corpo em direções opostas, e o suor já escorria por seu rosto antes mesmo de estar na metade do caminho. Mas ele não parou. Cada passo, cada metro, era uma pequena vitória.
Quando finalmente chegou ao armazém, seus braços ardiam como se estivessem pegando fogo. Ele deixou a caixa cair no chão com um baque surdo, ofegando enquanto tentava recuperar o fôlego. Os outros homens pararam por um momento, observando-o com menos desprezo e mais curiosidade.
O supervisor se aproximou lentamente, um sorriso quase imperceptível no rosto.
— Bom trabalho, garoto — disse ele. — Pensei que fosse desistir no meio do caminho.
Heitor ainda lutava para respirar, mas sentiu uma onda de alívio e orgulho percorrer seu corpo.
— Eu... eu não desisto fácil — disse ele, com um sorriso fraco.
O supervisor assentiu, ainda avaliando o jovem com um olhar curioso.
— Muito bem. Você pode começar amanhã, às cinco da manhã. Temos mais caixas vindo do norte, e vamos precisar de todas as mãos disponíveis. — Ele fez uma pausa, olhando para os braços magros de Heitor. — Se conseguir aguentar o ritmo, pode ser que você se fortaleça com o tempo.
Heitor mal acreditava. Havia conseguido. Não era muito, mas era um começo. Ele agradeceu ao supervisor e, com os braços ainda trêmulos, voltou para a taverna. Agora ele teria um lugar para ficar e uma forma de se sustentar. O caminho ainda seria longo e árduo, mas, naquele momento, sentiu algo diferente dentro de si.
Pela primeira vez, não se sentia um fracassado.
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Atualizado até capítulo 40
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