O Início da Jornada

A estrada de terra à frente parecia se estender infinitamente, serpenteando entre montanhas verdes e campos secos. Cada passo de Heitor na poeira levantava nuvens leves, como se o próprio caminho resistisse a sua decisão de partir. O sol subia devagar, aquecendo seu corpo frágil e cansado, mas, diferente das outras manhãs em que o calor o sufocava, naquele dia ele o sentia como um chamado. O começo de algo que não sabia nomear.

Ele caminhava sozinho, com a mochila simples batendo contra suas costas magras. Não tinha muito, além das poucas roupas e do pão velho que levara. O barulho de seus pés sobre o cascalho era a única companhia, mas a solidão era bem-vinda. Pela primeira vez, ele estava longe dos olhares de reprovação da vila. Longe de sussurros, risadas veladas e dos comentários maldosos sobre sua aparência e suas limitações.

Caminhou por horas, até o cansaço começar a pesar nos ombros e nas pernas. A cidade mais próxima, Valdora, ainda estava a uma boa distância. Ele soubera disso quando ouvira os comentários dos fazendeiros na vila, mas agora, com o calor aumentando e a fome começando a roer, essa distância parecia interminável.

Heitor parou à beira de uma pequena encosta, onde uma árvore solitária oferecia sombra. Jogou-se ao chão, com o peito arfando. O vento ali era mais forte, cortando o calor do meio-dia. Com um suspiro longo, ele retirou o pão da mochila e o mordeu com vontade, sem perceber o quão seco e duro estava. Naquele momento, qualquer alimento servia.

Enquanto mastigava, ouviu um som ao longe. Cavalos. Heitor ficou alerta, levantando o rosto para ver um vulto vindo pela estrada. Um cavaleiro aproximava-se, movendo-se rápido. O coração de Heitor acelerou. Não estava acostumado a lidar com forasteiros, e naquela estrada, entre a vila e Valdora, raramente se via alguém passar.

O cavaleiro, um homem alto e forte com chapéu de couro e barba rala, parou o cavalo à sua frente. Os olhos do homem, escondidos sob a aba do chapéu, o analisaram por um instante. Heitor sentiu um arrepio de medo, mas manteve-se imóvel.

— Tá perdido, rapaz? — A voz do homem soava rouca, mas curiosa.

Heitor hesitou, olhando de relance para sua mochila. A resposta estava nas costas, mas ele sabia que aquele estranho não tinha como entender. Ainda assim, a insegurança bateu com força.

— Não... só tô indo pra Valdora — respondeu Heitor, com a voz mais baixa do que pretendia.

O homem sorriu de leve, mas seu olhar permaneceu cauteloso.

— Longa caminhada pra alguém que parece tão... — Ele parou, como se escolhesse as palavras. — Bem, não tá acostumado com isso, não é?

Heitor sentiu o estômago revirar. Sabia que sua aparência fraca o denunciava. Mesmo assim, engoliu o orgulho e tentou não deixar transparecer o incômodo.

— Já fui mais longe que isso — mentiu, sem convicção.

O homem não pareceu convencido, mas não pressionou. Olhou ao redor, como se avaliasse o cenário, e então estendeu a mão.

— Me chamo João Viana. Sou fazendeiro em terras lá pras bandas de Valdora. Se quiser, posso te levar até lá.

Heitor olhou para a mão estendida, sentindo uma mistura de alívio e desconfiança. Precisava chegar à cidade, mas não queria depender de ninguém tão cedo. Por outro lado, a caminhada longa já começava a pesar em seu corpo. A fome e a sede, que antes eram ignoráveis, agora o consumiam.

— E então? — João perguntou, com um ar quase amigável, mas mantendo o olhar atento, como quem estudava cada movimento de Heitor.

Ele respirou fundo e, por fim, apertou a mão do homem.

— Meu nome é Heitor. Aceito a carona.

João puxou-o para cima e fez sinal para que montasse atrás dele no cavalo. A princípio, Heitor teve dificuldades, as pernas finas tremendo ao tentar subir no animal robusto, mas finalmente conseguiu. Assim que estavam ambos firmes, João fez um leve movimento com as rédeas, e o cavalo retomou o trote pela estrada.

O ritmo constante do cavalo logo acalmou a mente de Heitor. Ele observava a paisagem passar rapidamente, enquanto seus pensamentos vagavam sobre o que encontraria em Valdora. Jamais havia estado em uma cidade grande e tudo o que sabia vinha das poucas histórias que ouvira. Será que a cidade era tão diferente da vila? Será que as pessoas o veriam da mesma maneira?

O silêncio entre os dois se manteve por um bom tempo, até que João quebrou a quietude.

— E o que um rapaz como você vai fazer em Valdora? — perguntou ele, sem desviar os olhos da estrada.

Heitor não soubera bem como responder. A verdade era que não tinha um plano concreto, só uma esperança vaga de que encontraria trabalho e poderia, com sorte, construir algo melhor para si. Mas não queria soar fraco diante daquele homem. Tentou manter a voz firme.

— Tô indo atrás de trabalho — disse. — Quero começar uma vida nova por lá.

João assentiu, mas uma expressão pensativa tomou conta de seu rosto.

— Vida nova... Entendo. Mas te dou um conselho, rapaz. Valdora é cheia de oportunidades, mas também cheia de perigos. Você precisa de mais que coragem pra sobreviver lá.

Heitor franziu o cenho. O que ele quis dizer com aquilo? Valdora era uma cidade grande, claro, mas Heitor nunca tinha ouvido falar de problemas sérios por lá. Talvez fosse apenas uma advertência de quem já vivera muito.

— Perigos como o quê? — perguntou, tentando soar casual.

— Gente que quer tirar vantagem dos fracos — respondeu João, com um olhar rápido por cima do ombro. — E aí, é fácil virar presa.

As palavras ecoaram na mente de Heitor. Ele sabia que sua fraqueza física era visível, mas ouvir aquilo em voz alta fez o peso da insegurança voltar. Estava preparado para os desafios que viriam? Não fazia ideia de como reagir caso encontrasse os tais "predadores" de Valdora.

O cavalo continuou trotando pelo caminho poeirento, e a paisagem começou a mudar lentamente. As montanhas se afastavam, dando lugar a campos mais planos. O horizonte revelava torres de fumaça ao longe — a cidade finalmente se aproximava.

Heitor engoliu em seco. O desconhecido agora era real, não apenas uma ideia distante. Estava a poucos quilômetros de Valdora, e tudo o que ele tinha era sua determinação. No fundo, sabia que sua jornada mal havia começado, e o que o aguardava poderia ser muito mais complexo do que ele jamais imaginara.

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