Alvorecer de Aço

Alvorecer de Aço

O Último Dia na Vila

O sol nascia por trás das montanhas, tingindo o céu com uma paleta de dourados e vermelhos, enquanto a pequena vila de São Miguel do Vento começava a despertar. No entanto, para Heitor Silva, o jovem de 21 anos, aquele era mais um dia que trazia as mesmas promessas vazias e o peso de uma vida que ele mal suportava.

Heitor sentia o corpo dolorido ao sair da cama de madeira que rangia a cada movimento. O casebre onde morava com sua mãe, Dona Lourdes, uma mulher já envelhecida e frágil, era tão modesto quanto ele próprio. As paredes, cobertas de rachaduras, pareciam prontas para desabar a qualquer momento. O chão de terra batida era testemunha de anos de sofrimento e pobreza, e o único espelho que tinham, pendurado na parede próxima à porta, refletia a imagem que mais o atormentava: a sua própria.

Seus ombros eram caídos, o corpo magro e curvado, como se as dificuldades da vida na roça tivessem moldado cada centímetro de sua carne. Seu rosto, marcado pelo trabalho ao sol, parecia sempre cansado, com olheiras profundas e a pele seca. O cabelo, mal cortado e desgrenhado, era o menor de seus problemas. A cada manhã, olhar-se no espelho era uma tortura. Heitor sentia no fundo da alma que aquela aparência refletia não só sua aparência física, mas tudo o que ele representava: alguém invisível, insignificante.

"Mais um dia na mesma merda de sempre", pensou, amargurado, enquanto jogava um pouco de água fria no rosto. Do lado de fora, o barulho dos galos anunciava o início das rotinas exaustivas. Era hora de ir para a fazenda do Seu Gentil, o homem mais rico da região, que pagava uma ninharia pelos serviços braçais dos jovens da vila.

Dona Lourdes entrou na sala com seu andar lento, apoiada em uma bengala. Seus olhos tristes carregavam uma sabedoria silenciosa, como se ela soubesse o que se passava na mente do filho, mas jamais ousasse dizer uma palavra.

— O café tá na mesa, filho — disse ela, com a voz baixa.

Heitor apenas acenou com a cabeça e se sentou para beber o líquido amargo e ralo. O café sempre fora simples, mas o que ele realmente amargava era a sensação de fracasso que impregnava o ar naquela casa. Ele sabia que a mãe esperava que ele cuidasse dela para sempre, como o pai havia feito antes de ser levado por uma doença que os médicos da cidade nunca explicaram direito. E por mais que ele amasse sua mãe, o desejo de escapar daquele destino o corroía por dentro.

Depois de um gole de café, Heitor não aguentou mais. O pensamento de passar o resto da vida preso ali, sem futuro, sem esperança, o sufocava. Ele se levantou bruscamente, derrubando a caneca que se espatifou no chão.

— Não dá mais, mãe! — exclamou, sua voz embargada pela emoção. — Eu... eu não posso mais ficar aqui. Preciso sair daqui antes que essa vila me engula por completo!

Dona Lourdes o observou por alguns segundos, em silêncio. Ela havia visto a mesma angústia no olhar do marido muitos anos atrás. Sabia que, uma vez que a ideia de partir nascia dentro de alguém, era impossível segurar.

— Você vai embora? — perguntou ela, sua voz fraca, mas sem surpresa. — Vai me deixar aqui, sozinha?

Heitor fechou os olhos, tentando segurar a culpa que pesava sobre seus ombros. A decisão de partir não era fácil, mas ele sabia que se ficasse, a vida o sufocaria até que ele se tornasse um mero espectro do que já havia sido. Ele queria ser mais. Precisava ser mais.

— Eu... eu volto pra te buscar, mãe — disse, sabendo que soava como uma promessa que talvez nunca pudesse cumprir. — Mas eu preciso tentar. Preciso achar alguma coisa pra mim, qualquer coisa que seja melhor do que isso.

Dona Lourdes suspirou, olhando pela janela da cozinha para a montanha distante, onde o sol já estava mais alto. Era como se ela visse o mesmo horizonte que o filho tanto almejava. Depois de um longo silêncio, ela assentiu, lentamente.

— Então vai, meu filho. Eu sei que teu coração nunca esteve aqui. Vai e faz o que tiver que fazer. Mas não esquece de quem você é.

Essas palavras bateram forte em Heitor. Quem ele era? Um ninguém de uma vila que o desprezava? Ou alguém com potencial de ser mais, se tivesse uma chance?

Sem perder mais tempo, ele pegou a pequena mochila que havia arrumado às pressas na noite anterior, com poucas roupas e um parco maço de dinheiro que economizara ao longo dos anos. Saiu de casa sem olhar para trás, temendo que, se olhasse, sua coragem fraquejasse. A despedida era amarga, mas a esperança de um futuro melhor — ainda que incerto — era a única coisa que o fazia seguir em frente.

Enquanto caminhava pela estrada de terra que o levaria à cidade mais próxima, sentia o vento frio da manhã em seu rosto, mas também uma nova chama acendendo dentro de si. Pela primeira vez, sentiu que havia tomado controle da própria vida. Ainda era o mesmo Heitor, com o corpo fraco e a aparência abatida, mas algo dentro dele começava a mudar.

Ele não sabia o que o aguardava, mas a promessa de uma transformação, de se tornar alguém que nunca imaginou ser, era o combustível que ele tanto precisava.

E assim, o último dia de Heitor em São Miguel do Vento chegou ao fim, dando início a uma nova jornada — uma jornada que ele ainda nem imaginava, cheia de desafios, segredos e reviravoltas que mudariam sua vida para sempre.

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