O Peso das Primeiras Escolhas

O cheiro de fumaça e metal encheu o ar assim que as primeiras construções de Valdora surgiram à frente. Heitor mantinha os olhos fixos nas ruas de terra batida, tentando absorver o máximo que podia da cidade que se estendia diante dele. Havia um vai e vem constante de pessoas, carroças carregadas de mercadorias e pequenos comércios espalhados pelas calçadas. Para alguém que havia passado a vida em uma vila isolada, Valdora parecia outro mundo.

João Viana desacelerou o cavalo e parou perto de uma praça movimentada. O som de marteladas e conversas altas preenchia o ambiente. Crianças corriam entre as bancas de vendedores, enquanto homens carregavam sacos de grãos e peças de metal para os armazéns. Tudo parecia pulsar com uma energia que Heitor nunca havia experimentado.

— Chegamos, garoto. Aqui é onde nossos caminhos se separam — disse João, com um tom leve, mas firme.

Heitor desceu do cavalo com dificuldade, sentindo as pernas um pouco trêmulas depois do longo percurso. Ele olhou ao redor, tentando entender por onde começar, mas a imensidão de Valdora o fazia se sentir pequeno novamente, uma sensação que ele tanto queria superar.

— Obrigado pela carona — disse Heitor, enquanto ajeitava a mochila nas costas. — Não sei como eu teria chegado até aqui sem a sua ajuda.

João inclinou a cabeça, como se aceitasse o agradecimento, mas sem muito alarde.

— Valdora pode ser grande e cheia de oportunidades, mas cuidado com quem confia. Gente que vem de fora, como você, pode acabar nas mãos erradas se não souber andar por aqui. — Ele fez uma pausa, seus olhos escuros se estreitaram, como se estivesse prestes a dizer algo mais importante, mas então apenas assentiu e puxou as rédeas do cavalo. — Boa sorte, garoto. Vai precisar.

Com um último olhar, João partiu, deixando Heitor sozinho no meio do caos da cidade. O jovem ficou parado por alguns segundos, tentando digerir a despedida e a enxurrada de informações novas. Era verdade que ele nunca tinha pisado em um lugar tão movimentado, mas também sabia que não poderia deixar o medo tomar conta.

Suspirando, deu seus primeiros passos pela praça. As vozes, os cheiros e o movimento constante o envolviam por todos os lados, como se Valdora o estivesse absorvendo em suas entranhas. Caminhou por entre as bancas de frutas e carnes, passando por vendedores que gritavam seus preços e clientes que negociavam com intensidade.

Heitor não tinha um plano concreto. Tudo o que sabia era que precisava encontrar um lugar para ficar e, acima de tudo, trabalho. O dinheiro que trouxera da vila não duraria muito, e ele mal conseguira comer durante a viagem.

Enquanto caminhava, avistou uma taverna no fim da rua, com uma placa desgastada que balançava no vento: "Pousada do Sol". Era um lugar simples, mas parecia acessível, considerando os seus recursos limitados. Ele entrou hesitante, sentindo o calor e o cheiro de comida frita virem de dentro.

O ambiente estava cheio de mesas ocupadas por trabalhadores suados e mercadores cansados. Uma mulher robusta, com avental manchado, estava atrás do balcão servindo canecas de cerveja. Ela notou Heitor entrar e o observou com curiosidade.

— Tá procurando quarto ou comida? — perguntou ela, secando as mãos no avental e arqueando as sobrancelhas, avaliando o rapaz de cima a baixo.

Heitor respirou fundo antes de responder.

— Um quarto... e se tiver algo barato pra comer, aceito também.

A mulher deu uma risada curta.

— Aqui tudo é barato, mas você vai ter que pagar adiantado. — Ela se inclinou sobre o balcão, como se estivesse testando a honestidade dele. — Tem dinheiro?

Ele assentiu, tirando algumas moedas do bolso. O rosto da mulher suavizou ao ver o brilho do cobre.

— Quinze cobres pelo quarto. A comida é extra.

Heitor entregou as moedas sem discutir. Ela pegou uma chave de uma prateleira de madeira e a jogou para ele, que a pegou no ar, surpreendendo a si mesmo.

— Sobe as escadas. Segundo quarto à direita — disse ela, voltando a servir uma caneca para outro cliente. — Se precisar de comida, me chama.

Heitor subiu as escadas de madeira rangente, passando por um corredor estreito e mal iluminado. Quando abriu a porta do quarto, encontrou um espaço pequeno e simples: uma cama estreita, uma mesa velha e uma janela que dava para a rua. Não era muito, mas seria suficiente.

Ele jogou a mochila no chão e se sentou na cama. A cidade estava agitada lá fora, mas, por um instante, Heitor deixou que o silêncio do quarto o envolvesse. Seu corpo estava exausto, e os músculos que ele raramente usava gritavam de dor. Mas, por mais que o físico estivesse cansado, sua mente pulsava com a ansiedade do que viria a seguir.

Sua fome aumentava, e ele se levantou, decidido a descer e pedir algo para comer. Não poderia ficar ali parado por muito tempo. O dinheiro já estava acabando, e ele ainda precisava encontrar uma maneira de se sustentar. No fundo, sabia que as palavras de João tinham um peso real — Valdora poderia engoli-lo, a menos que ele aprendesse a nadar em suas águas turbulentas.

Quando desceu as escadas, a mulher atrás do balcão o observou de novo, como se esperasse que ele pedisse algo.

— Decidiu comer? — perguntou ela, com um leve sorriso, enquanto limpava uma caneca de barro.

— Sim, o que você tiver de mais barato — disse Heitor, com o estômago roncando.

Ela deu de ombros e desapareceu na cozinha. Poucos minutos depois, voltou com um prato simples de pão, carne e legumes cozidos. Heitor comeu como se fosse sua última refeição, sentindo o peso da fome ser aliviado pouco a pouco.

Quando terminou, olhou em volta e notou que as conversas nas mesas próximas estavam ficando mais animadas. Dois homens discutiam sobre o aumento dos preços das mercadorias, enquanto um grupo de trabalhadores ria alto no canto. Mas uma voz ao fundo chamou sua atenção.

— ...ouvi dizer que o mercado de trabalho tá difícil, mas tem sempre alguém precisando de um rapaz forte pra carregar peso nos armazéns.

Heitor se aproximou de um dos homens que conversavam em uma mesa próxima. Ele era mais velho, com uma barba grisalha e uma expressão endurecida, típica de quem já vira muita coisa na vida.

— Desculpa... eu ouvi você falar sobre trabalho — começou Heitor, hesitante. — Eu sou novo na cidade e tô procurando por qualquer coisa.

O homem o encarou por um momento, seus olhos avaliando Heitor como se quisesse medir sua utilidade. Ele assentiu lentamente.

— Se você não tiver medo de trabalho pesado, pode tentar na Casa de Carga, perto do porto. Eles sempre precisam de alguém pra carregar mercadorias que chegam da estrada.

Heitor agradeceu com um leve aceno de cabeça. Era sua primeira pista, e ele sabia que não poderia desperdiçá-la.

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