Capítulo 4: O Destino de Mariana
Evander estava na sacada, observando o Reino dos Ventos se acalmar após a tempestade que Mariana havia conjurado. A garota estava se tornando mais poderosa a cada dia, mas ele sabia que os desafios que viriam exigiriam ainda mais dela. No entanto, não era esse o único peso que ele carregava. Havia outros assuntos que precisavam ser resolvidos, assuntos que ele havia adiado por muito tempo. Ele virou-se, contemplando o rosto sereno de Mariana, que agora dormia profundamente, exausta após os eventos do dia.
Ele caminhou até a porta, hesitante por um momento. “Eu preciso resolver algumas coisas,” sussurrou para si mesmo. “Mas volto logo.”
Sem fazer barulho, ele deixou o quarto e se teleportou para outro lugar.
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Evander surgiu em um terreno devastado, onde a terra estava carbonizada e a vegetação havia sido reduzida a cinzas. Era um campo de batalha de uma era passada, o local onde uma antiga guerra entre deuses e anjos caídos havia acontecido. Restos de armas e armaduras quebradas jaziam espalhados pelo chão, lembranças de uma luta que havia moldado o destino do mundo.
Ele caminhou por entre os escombros, até parar diante de uma figura solitária que o esperava. Azazel, o anjo caído, estava encostado em uma rocha quebrada, suas asas negras semiabertas e seu rosto oculto nas sombras. Ele carregava a presença de alguém que havia visto o pior da humanidade e, em vez de rejeitar, havia abraçado isso, ensinando aos humanos o poder da destruição.
“Evander,” disse Azazel com um sorriso malicioso, seus olhos vermelhos brilhando na escuridão. “Espero que você não tenha se apegado demais àquela humana.”
Evander permaneceu em silêncio por um momento, mas seu olhar endureceu. “O que você quer, Azazel?”
Azazel riu, um som baixo e gutural. “Vamos direto ao ponto então.” Ele deu um passo à frente, suas asas tremulando com o movimento. “Você sabe tão bem quanto eu que essa garota, Mariana, está destinada a algo muito maior do que simplesmente viver como mortal. Se ela não renascer e se tornar uma deusa, o mundo perfeito que o Primeiro Deus planejou desmoronará. E tudo o que restará será o caos.”
Evander fechou os punhos. “Você subestima a força de Mariana. Ela será capaz de escolher seu próprio destino.”
“Escolher?” Azazel zombou, dando uma risada sarcástica. “Você sabe tão bem quanto eu que ela não tem escolha. O ciclo está em movimento, e ela renascerá. Não há como escapar do destino que lhe foi imposto.”
Evander respirou fundo, mantendo a calma. “Ela não é apenas uma peça nesse jogo, Azazel. Ela tem o direito de decidir o que será.”
Azazel deu de ombros. “Veremos. Só espero que você esteja preparado para o que vem a seguir. Não há espaço para laços emocionais no destino que foi traçado. E se você está apegado demais a essa mortal, temo que você seja o próximo a cair.”
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Enquanto isso, no quarto de Mariana, a noite avançava e a escuridão envolvia o Reino dos Ventos. Mariana, prestes a adormecer, começou a sentir uma estranha inquietação. Uma sensação de puxão, como se algo a estivesse chamando de um lugar distante.
Subitamente, ela não estava mais em seu quarto. Ela se viu em um altar sombrio, localizado dentro de uma igreja em ruínas, acorrentada e incapaz de se mover. Mariana olhou ao redor, tentando entender o que estava acontecendo, seu coração batendo freneticamente.
De repente, uma figura emergiu das sombras. Um ser com um par de chifres longos e retorcidos, seus olhos brilhando com uma malícia sádica. Ele sorria para ela, seus dentes afiados reluzindo na luz fraca que emanava do altar.
“Meu nome é Ryomem,” disse ele, com uma voz que soava como vidro sendo quebrado. “E agora, eu farei o que você já estava destinada a fazer.”
Mariana tentou falar, mas sua voz não saía. Ryomem começou a recitar palavras em uma língua antiga, e Mariana sentiu uma dor intensa em todo o seu corpo, como se estivesse sendo despedaçada e reformada ao mesmo tempo. Ele estava fazendo algo com ela, algo que ela não conseguia controlar. E então, tudo ficou escuro.
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De volta ao campo destruído, Evander sentiu algo estranho — uma mudança no ar, como se o fio de uma alma estivesse sendo cortado. Seu coração apertou, e ele sabia, naquele momento, que algo terrível havia acontecido.
Azazel riu, notando a mudança na expressão de Evander. “Ah, parece que sua querida mortal está prestes a renascer.”
Evander não perdeu tempo. Ele desapareceu em uma explosão de vento, sentindo o chamado da alma de Mariana se desvanecendo.
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Evander surgiu diante de uma igreja antiga, um lugar que havia sido escondido por séculos sob uma barreira mística. Ele atravessou as barreiras sem hesitação, sabendo que cada segundo contava. Seu coração estava acelerado enquanto ele abria as enormes portas da igreja, revelando o altar no centro.
E ali, deitada no chão diante do altar, estava Mariana. Mas algo estava errado. Seu corpo parecia diferente, e seus olhos, quando se abriram, não o reconheceram.
Evander correu até ela, ajoelhando-se ao seu lado, seu coração partido pelo que via. Ele a segurou em seus braços, mas os olhos de Mariana estavam vazios de qualquer reconhecimento.
“Mariana,” ele sussurrou, sua voz cheia de dor.
Ela o olhou, confusa, e perguntou com uma voz suave e inocente: “Por que você está me abraçando?”
Evander fechou os olhos, sentindo o peso de suas palavras. Mariana havia renascido — e com isso, havia perdido todas as suas memórias.
Evander continuava abraçando o corpo da nova garota, a dor e a confusão pulsando em seu coração. Os olhos que ele tanto conhecia, os de Mariana, agora não refletiam mais sua alma vibrante e determinada. Em vez disso, ele olhava para o vazio, para uma presença que emanava uma frieza que o desconcertava. A garota que antes fora Mariana agora o encarava sem reconhecimento, sem qualquer calor humano.
Ela se afastou lentamente de seus braços, seus movimentos controlados e mecânicos. O silêncio entre eles era sufocante, mas logo foi quebrado pela voz dela, uma voz suave, porém cortante, desprovida de emoção.
“Quem é você?” ela perguntou, seus olhos vazios como o espaço infinito. “Quem é essa Mariana de quem você fala? Meu nome não é Mariana.”
Evander congelou por um momento, sentindo o peso da revelação. Ele já sabia que ela havia perdido suas memórias, mas ouvir isso da boca dela era como uma lâmina cortando sua alma.
“Eu... eu sou Evander,” ele disse, a voz falhando enquanto lutava para encontrar as palavras certas. “E você... você era Mariana.”
Ela o olhou com frieza, sua expressão inalterada, sem sinal de reconhecimento. “Mariana? Não... meu nome é Akunanto, a Deusa do Vazio.”
Evander ficou sem palavras. Akunanto. Aquele nome ecoava como uma maldição em sua mente. Akunanto era o oposto de tudo o que Mariana era. Se Mariana representava a conexão com os ventos, a vida, a força natural do universo, Akunanto era o vazio, o fim de tudo, o abismo que devorava a criação. E agora, diante dele, ela estava personificada naquele corpo que uma vez abrigara a mulher que ele amava.
“Você... não pode ser...” murmurou Evander, mais para si mesmo do que para ela.
Akunanto inclinou levemente a cabeça, seus olhos vazios o estudando como se ele fosse uma curiosidade insignificante. “Então, você foi o responsável pela minha reencarnação? Ou foi outro ser que me trouxe de volta a esse plano? Quem foi o responsável por me acordar?”
Evander olhou para ela, ainda abalado pela transformação completa da mulher que conhecera. “Não... não fui eu. Ryomem, ele... ele te trouxe de volta.”
Ela o encarou por um longo momento, processando a informação, mas sem qualquer emoção. “Ryomem... o manipulador da carne e do espírito. Faz sentido.”
A frieza nas palavras dela era perturbadora. Não havia um pingo de humanidade ou memória de quem Mariana havia sido. Ela não era mais aquela mulher gentil e forte que Evander havia conhecido. Akunanto era o oposto absoluto — fria, distante, sem qualquer conexão com o mundo ao seu redor.
Então, ela deu um pequeno passo para trás, seus olhos ainda fixos nos de Evander, como se estivesse analisando-o profundamente. “Essa Mariana que você menciona... ela era alguém especial para você, não era?” A pergunta foi feita com uma clareza cortante, mas seus olhos permaneciam inexpressivos, como se não se importasse com a resposta.
Evander hesitou, sentindo um nó em sua garganta. Ele queria responder, mas o choque e a dor eram demais. No entanto, ele não poderia mentir.
“Sim,” ele finalmente disse, sua voz trêmula. “Mariana era especial. Ela... ela era tudo para mim.”
Akunanto não reagiu, seus olhos permanecendo inalterados, vazios de qualquer emoção. “Interessante,” murmurou ela. “Então, para você, eu sou o oposto do que essa Mariana foi. A personificação do vazio.”
O ar ao redor deles parecia mais frio. Evander podia sentir isso. A presença de Akunanto sugava qualquer traço de vida e calor. Era como se a própria energia do universo estivesse sendo devorada por ela, enquanto ela se firmava como a Deusa do Vazio.
“Se eu sou tão oposta a essa Mariana,” continuou Akunanto, “então é irônico que você esteja aqui, tentando me salvar. Porque, se há algo que eu sou, é a destruidora de todas as conexões, de todas as memórias. Eu sou o fim.”
Evander tentou se aproximar, mas sentia como se estivesse sendo repelido por uma barreira invisível. “Você... você ainda pode escolher. Pode lembrar quem você era antes.”
Akunanto o observou em silêncio por um momento antes de inclinar a cabeça novamente, como se estivesse refletindo sobre algo que não a interessava verdadeiramente. “Escolher?” ela repetiu, sua voz sem entusiasmo. “Não há escolhas para o vazio. O vazio simplesmente é.”
O mundo ao redor deles parecia estar se retraindo, como se até a própria realidade estivesse se curvando à presença de Akunanto. Evander sentiu a pressão ao seu redor, uma sensação de perda iminente, como se tudo estivesse prestes a ser engolido por aquele vazio que ela agora representava.
“Você não entende, Evander,” disse ela, seu tom inexpressivo. “Mariana não existe mais. O que você vê agora sou eu, e eu sou o nada. Tudo o que você conhece, tudo o que você ama, acabará em mim.”
Evander, lutando contra o desespero crescente, olhou para ela com uma determinação renovada. “Eu não aceito isso. Mariana ainda está dentro de você, eu sei disso. E farei o que for preciso para trazê-la de volta.”
Akunanto apenas o observou, como se estivesse estudando a tolice das suas palavras. “Tentar salvar o que está perdido é inútil,” disse ela finalmente, virando-se e caminhando lentamente em direção ao altar, onde ela havia sido reencarnada. “Mas se você quiser continuar, faça como desejar. O vazio sempre acolhe aqueles que se perdem.”
Enquanto ela desaparecia nas sombras, Evander ficou sozinho no centro da igreja. Sua mente estava em conflito, mas uma coisa estava clara: ele não podia deixar Akunanto ser o fim de Mariana. Mesmo que o vazio estivesse diante dele, ele enfrentaria qualquer coisa para tentar resgatar a mulher que ele amava, ou pelo menos, o que restava dela.
Evander permaneceu imóvel, encarando a escuridão que parecia devorar Akunanto enquanto ela se afastava, sua presença gélida ainda pairando no ar. A igreja ao redor, coberta de poeira e decadência, ecoava com a ausência de qualquer som, como se o próprio tempo tivesse parado. Ele lutava para processar tudo o que havia acontecido até ali. Mariana, a mulher que ele amava, agora existia apenas como uma sombra, renascida como algo completamente diferente: Akunanto, a Deusa do Vazio.
A dor em seu peito era quase insuportável, mas ele não podia simplesmente aceitar o que estava acontecendo. Precisava acreditar que algo de Mariana ainda existia dentro de Akunanto, que a alma dela estava de alguma forma escondida sob aquela nova camada de escuridão.
Ele deu um passo à frente, sua voz grave e desesperada. “Mariana... Akunanto, não importa o que você diga, eu sei que há algo mais. Isso não é o fim. Você pode não lembrar agora, mas eu vou encontrar uma maneira de trazer quem você era de volta.”
Akunanto parou, mas não se virou para olhá-lo. Em vez disso, sua voz ecoou de forma fria e calma, preenchendo o espaço como uma lâmina invisível cortando a esperança de Evander.
“Você continua insistindo nessa ilusão,” ela disse sem emoção. “Por mais que você deseje que essa Mariana ainda exista, a verdade é muito mais simples e cruel. Eu sou a reencarnação dela, sim, mas a alma que você amava... está morta.”
Evander deu outro passo à frente, seus olhos fixos nas costas de Akunanto. “Morta? Isso não pode ser verdade. Ela reencarnou, o que significa que sua alma ainda existe de alguma forma!”
Finalmente, Akunanto se virou levemente, apenas o suficiente para que Evander pudesse ver seus olhos vazios, sem brilho, encarando-o com uma frieza desumana.
“Reencarnação não é um simples renascimento,” ela explicou, como se estivesse recitando uma verdade que sempre soubera. “Não para mim, pelo menos. O processo que me trouxe de volta foi diferente do ciclo natural. O que você vê diante de si não é apenas uma continuação da alma de Mariana. Eu sou algo completamente novo. E o que restou dela... são apenas fragmentos.”
Evander balançou a cabeça, tentando negar o que ouvia. “Fragmentos? Então ainda há algo de Mariana dentro de você. Algo que pode ser restaurado.”
Akunanto deu um leve sorriso, mas não era de diversão ou compaixão. Era um sorriso vazio, um reflexo distante de uma emoção humana. “Você está se agarrando a uma ilusão desesperada. Eu não sei quantas vezes mais terei que dizer isso para você. A alma que um dia foi Mariana, aquela que você amava, foi consumida. Não há nada para ser restaurado.”
“Mas você reencarnou,” Evander insistiu, sua voz ganhando intensidade. “Mesmo que não seja exatamente a mesma, o fato de você estar aqui significa que Mariana ainda pode ser trazida de volta.”
Akunanto cruzou os braços, sua expressão impassível. “Você realmente não entende, não é? A memória de Mariana, seus sentimentos, tudo o que ela foi, está morto. Quando minha alma emergiu, o que restava dela foi incinerado.”
O silêncio que seguiu foi pesado. Evander sentiu um frio que não vinha da presença de Akunanto, mas da realização que estava começando a se formar em sua mente. Ele ainda não estava pronto para aceitar, mas as palavras dela, implacáveis, começavam a penetrar suas defesas emocionais.
“Queimada?” ele repetiu, quase sem acreditar. “Como assim?”
Akunanto suspirou, como se estivesse cansada daquela conversa. “Quando Ryomem me trouxe de volta, ele não estava simplesmente restaurando a alma de Mariana em um novo corpo. Ele estava criando algo completamente novo. O processo de reencarnação, para mim, envolveu a destruição da alma antiga. O que restava da essência de Mariana foi consumido pelo fogo da recriação. Eu sou a única que restou.”
Evander deu mais um passo à frente, sua voz tremendo com a mistura de incredulidade e raiva. “Você está me dizendo que Ryomem destruiu a alma de Mariana? Queimar a alma de alguém... é algo impensável! Como isso pode ter acontecido?”
Akunanto o olhou diretamente nos olhos, sua expressão sem um pingo de emoção, como se estivesse discutindo algo trivial. “Não é incomum no reino dos deuses antigos e dos caídos. O processo que Ryomem usou foi o mesmo que ele usou para criar seres como eu no passado, criaturas destinadas ao vazio, ao esquecimento. Mariana era apenas um receptáculo temporário. E quando minha verdadeira essência tomou forma, não havia mais lugar para ela.”
Evander balançou a cabeça, tentando resistir ao que ouvia. “Isso não é verdade. Deve haver uma maneira de reverter isso. Você pode lembrar! Eu sei que você pode!”
Akunanto apenas observou, impassível. “Não há memória para ser recuperada, Evander. O que eu sei é apenas o que fui capaz de reter nos quatro anos desde que reencarnei. Fragmentos vagos de uma vida que não é minha. Talvez, durante esses quatro anos, algumas memórias de Mariana ainda tenham existido. Mas agora, tudo o que resta é o vazio.”
Evander caiu de joelhos, sentindo o peso insuportável da verdade que Akunanto revelava. Quatro anos. Apenas quatro anos de uma existência que ele acreditava ser eterna, cheia de potencial para crescimento e descobertas. Mas, ao invés disso, ela estava reduzida a um vazio sem sentido, sem memórias, sem identidade. O que ele havia amado estava perdido.
Mas ele não podia desistir. Não ainda. Havia algo mais. Algo que ele ainda podia sentir, apesar de toda a frieza e escuridão que Akunanto agora exalava. Ele sabia que Mariana estava lá em algum lugar, mesmo que fosse apenas uma pequena parte dela.
“Akunanto,” ele disse com a voz baixa, mas cheia de determinação, “eu sei que você acredita que tudo está perdido. Que Mariana foi consumida. Mas eu vou encontrar uma maneira de trazê-la de volta. Não importa o que isso custe.”
Akunanto o observou com desinteresse. “Você está desafiando o inevitável. O vazio acolhe tudo, inclusive sua resistência. Eventualmente, até mesmo você cairá diante dele.”
Mas Evander, ainda ajoelhado, olhou para ela com olhos ardendo de emoção. “Você pode ser a Deusa do Vazio agora, mas eu nunca vou aceitar que Mariana esteja realmente morta. Eu juro que encontrarei uma maneira de restaurá-la.”
Akunanto o estudou por um longo momento antes de virar as costas novamente, sua voz ecoando suavemente pelo salão sombrio. “Você está livre para tentar. Mas não espere que eu o ajude. Eu sou o que sou... e o que Mariana foi, está morto.”
E com isso, ela desapareceu nas sombras, deixando Evander sozinho, cercado pela escuridão e pelo peso de sua promessa.
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